Victor Moriyama para The New York Times

The New York Times
31 de março de 2022

por Vanessa Barbara
Contributing Opinion Writer

Read in English | Leer en español

SÃO PAULO, Brasil — “Sou capitão do Exército,” disse Jair Bolsonaro em 2017. “A minha especialidade é matar.”

Ele tem sido fiel à sua palavra. Em apenas três anos no cargo, Bolsonaro conduziu uma administração notável pelo descaso com a vida humana. Tivemos, mais diretamente, as 660 mil mortes no país por Covid-19 — o segundo maior número do mundo, atrás dos Estados Unidos. Ao longo da pandemia, ele obstruiu o distanciamento social, sabotou o uso de máscaras e dificultou a vacinação. Ele insiste: “Não errei nenhuma durante a pandemia.” Então temos de assumir que tudo seguiu conforme o plano.

E também temos a questão das armas. Uma série de decretos presidenciais flexibilizando o controle das armas de fogo escancarou as comportas. No ano passado, a Polícia Federal fez o registro de 204,3 mil novas armas, um aumento de 300 por cento em relação a 2018. O número de registros concedidos pelo Exército a caçadores e colecionadores cresceu 340 por cento. O país, que registrou o maior número de homicídios do mundo em 2021, está inundado de armas de fogo.

E então temos a questão do planeta. O desmatamento na Amazônia alcançou sua maior taxa nos últimos 15 anos, graças, sobretudo, ao empenho do presidente em desmontar e subfinanciar as agências regulatórias ambientais. Não contente com seus esforços até o momento, Bolsonaro está tentando aprovar cinco projetos de lei que irão eliminar direitos indígenas, abrir a Amazônia para a exploração desenfreada e trazer um prejuízo indescritível ao planeta.

Com a atenção internacional voltada para a guerra na Ucrânia, e faltando seis meses para uma eleição que ele está em curso de perder, Bolsonaro tem pressa de usar seu poder. E parece determinado a trazer morte e devastação para o mundo.

É difícil escolher a pior lei do conjunto, que ativistas chamam “Pacote da destruição.” Mas vamos começar pela que procura invalidar as reivindicações territoriais de tribos indígenas. Ao estabelecer uma data — 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição brasileira — na qual os indígenas precisavam ocupar fisicamente suas terras, o projeto de lei desaloja permanentemente aqueles que já haviam sido expulsos de suas terras ancestrais naquele momento. Especialistas dizem que 70 mil indígenas, quase 8 por cento do total, podem ser afetados.

Outro projeto de lei pretende abrir as terras indígenas para a mineração. Audacioso, Bolsonaro chamou a guerra na Ucrânia de “boa oportunidade para a gente.” De acordo com esse raciocínio, com o deterioramento do acesso nacional aos fertilizantes fornecidos pelos russos, o Brasil precisa redobrar os esforços para se tornar autossuficiente. Mas a maior parte do potássio brasileiro — um dos principais ingredientes em fertilizantes, do qual o país tem grandes reservas — não está localizada em terras indígenas. É uma desculpa tipicamente esfarrapada, o tipo de coisa que se espera de um sujeito que visitou Vladimir Putin uma semana antes da invasão da Ucrânia e então se gabou de ter prevenido a guerra.

A mineração nessas áreas, ainda que formalmente proibida pela Constituição, tem ocorrido de qualquer forma. Operações ilícitas, sobretudo a partir de balsas e dragas ancoradas nos rios, atingiram um número recorde em 2020. Os efeitos nos povos indígenas são terríveis. Em 2021, seis entre dez indígenas em três aldeias do povo Munduruku registraram no corpo níveis tóxicos de mercúrio, que é usado no processo da extração de ouro e então liberado no meio ambiente, contaminando os rios e os peixes. Quinze por cento das crianças abaixo de 9 anos mostraram sintomas neurológicos relacionados à contaminação por mercúrio.

Os garimpeiros de ouro, dos quais há aproximadamente 20 mil trabalhando ilegalmente em território Yanomami, são um problema em particular. Aparentemente encorajados pelo presidente, eles têm intensificado os ataques contra comunidades locais, incendiando casas e ameaçando e matando indígenas com espingardas. Em maio, depois que garimpeiros abriram fogo com armas automáticas a partir de barcos a motor, duas crianças yanomamis entraram em pânico, caíram no rio e morreram afogadas.

Décadas atrás, Bolsonaro lamentou que a cavalaria brasileira não foi tão eficiente quanto “a norte-americana, que dizimou seus índios no passado.” Sem dúvida esses dois projetos de lei — que também pretendem legalizar a extração de madeira, a agricultura industrial, a exploração de petróleo, a construção de hidrelétricas e outros projetos nas terras indígenas, sem nem precisar do consentimento dos seus habitantes — são, para ele, algo como uma correção legislativa. Representam uma atordoante e prolongada agressão à vida indígena.

Isso já seria ruim o suficiente. Mas os projetos de lei não param por aí. Um terceiro pretende flexibilizar as regras para o licenciamento ambiental de uma dúzia de atividades econômicas, como a mineração e a agropecuária, e um quarto planeja dar anistia a grileiros e madeireiros ilegais na Amazônia. O último dos cinco projetos tem o propósito de flexibilizar as regras para aprovação de agrotóxicos, algo com que a administração de Bolsonaro — que registrou 1.467 agrotóxicos, muitos deles com ingredientes altamente prejudiciais — parece estar particularmente entusiasmada.

Tomados em conjunto, esses projetos de lei irão acelerar significativamente a destruição da Amazônia. A maior floresta tropical do mundo, que já emite mais dióxido de carbono do que é capaz de absorver, poderia atingir um ponto sem retorno e se transformar em uma savana. Isso liberaria na atmosfera grandes quantidades de gases do efeito estufa, prejudicaria os ciclos das águas em nível regional e talvez global, e diminuiria nossa capacidade de capturar emissões de carbono. A mudança climática ganharia fôlego com uma velocidade ainda maior. Seria um desastre.

Mesmo assim, Bolsonaro provavelmente vai conseguir seu intento. Ainda que milhares de pessoas tenham ido às ruas em uma exuberante demonstração de dissenso, parece haver apoio parlamentar suficiente — respaldado pelo poderoso lobby do agronegócio — para aprovar os projetos de lei. É provavelmente só uma questão de tempo para que se tornem leis.

Porém, de certo modo, Bolsonaro nem precisa da legislação ao seu lado. Afinal, no campo da morte e da destruição, ele já tem resultados extraordinários para mostrar.

Presidents Jair Bolsonaro of Brazil and Vladimir Putin of Russia. Photo: Kremlin official via the Brazilian president’s office

Bolsonaro has yet to condemn Putin for invading Ukraine. For the Brazilian leader, there’s no such thing as unwelcome support

The Brazilian Report
Mar 20, 2022

by Vanessa Barbara

One week before the invasion of Ukraine, Brazil’s President Jair Bolsonaro paid a visit to Vladimir Putin. The alleged purpose of the meeting was to strengthen bilateral trade relations between the countries, focusing particularly on the purchase of Russian fertilizers. Analysts were appalled by the terrible timing of the trip and by Mr. Bolsonaro’s absolute lack of discernment.

It was indeed a diplomatic nightmare. “We are in solidarity with Russia,” Mr. Bolsonaro declared, rather robotically, sitting knee to knee with the man who had been threatening to invade a neighboring nation. Wait, did he really mean that? In any case, he wasn’t willing to elaborate: “We very much want to collaborate in many areas — defense, oil and gas, agriculture.”

Right after the meeting, the U.S. State Department issued a strong rebuke of Mr. Bolsonaro’s “solidarity” statement, saying that the timing could not be worse. “It undermines international diplomacy directed at averting a strategic and humanitarian disaster, as well as Brazil’s own calls for a peaceful resolution to the crisis.”

Mr. Bolsonaro begs to differ: he thinks it is “an exaggeration to speak of massacre,” and that “a big part of Ukraine’s population speaks Russian.” In a recent press conference, he declared that Brazil would remain neutral in the conflict. After all, he wasn’t going to assume a position that could bring “serious harm to agriculture in Brazil.” He also implied, rather randomly, that the Ukrainians are to blame, since they “had trusted a comedian with the fate of a nation.” (He was referring to the fact that president Volodymyr Zelensky once worked in the entertainment industry.)

The truth is that Brazil’s president couldn’t care less for matters of war, diplomacy and foreign relations. The main goal of the visit, as far as we know, was doing a photo op with a major world leader ahead of presidential elections, next October. So far, his chances of reelection don’t look good. But finally here’s a statesman willing to meet him.

In order to fulfill this objective, Mr. Bolsonaro has even agreed to Russian demands that he take multiple coronavirus tests (including one performed by the Kremlin’s doctors) before being allowed to get close to Mr. Putin – something considered unacceptable by French president Emmanuel Macron and German chancellor Olaf Scholz. But Brazil’s president would go any length to shake hands with Mr. Putin and smile. (Frankly, my Russian friends: you missed the opportunity of ordering him to take two shots of the Sputnik-V vaccine. Mr. Bolsonaro still refuses to get immunized against Covid-19.)

Let’s remember what really matters to our government: in 2020, at the end of the annual summit of the BRICS group of emerging powers (Brazil, Russia, India, China and South Africa,) the Russian leader praised Mr. Bolsonaro’s “masculine qualities.” Really. It was maybe one of his greatest achievements in the field of foreign policy. Of course Mr. Bolsonaro would jump at the opportunity of seeing his “friend ” again, whether there was an imminent war or any other inconvenience hovering in the region. Some analysts also tentatively suggested that the Latin American leader was interested in addressing cybersecurity and cyber defense issues with the Russians, perhaps contemplating possible disruptions to the presidential elections.

After visiting the Russian president, Mr. Bolsonaro went briefly to Hungary and shook hands with Prime Minister Viktor Orbán, a far-right, populist leader such as himself. He had planned a visit to another conservative leader, Poland’s president Andrzej Duda, but, according to the newspaper Valor Econômico, the Polish government refused the meeting because they were focusing their diplomacy efforts on the situation at Ukraine.

Our government’s detachment from global affairs is so blatant that, on February 16, a week before the start of the invasion, and as he was leaving his meeting with Mr. Putin, the president thought it was a good idea to imply that he might deserve credit for having averted the conflict. “We maintained our agenda [to come] and, by coincidence or not, part of the troops have left the Ukrainian border,” he said, as robotically as ever. The hashtag #BolsonaroAvoidedAWar started to trend on Twitter. Was it only a joke? A subsequent survey by Quaest/CNN Brasil showed that 22 percent of Brazilians really believed that Mr. Bolsonaro had been responsible for what they perceived as a demobilization of Russian military forces on the border.

It is roughly the same amount of people who intend to vote for his reelection: 26 percent, according to an Ipespe opinion polling, with a margin of error of 3.2 percentage points. Brazil’s former leftist President Luiz Inácio Lula da Silva is leading the poll with 43 percent of voting intentions.

To Jair Bolsonaro, everything is connected to those numbers: he needs votes and he will travel anywhere to boost his campaign. Without Donald Trump to back him up, he turns to other autocrats in an attempt to prove he’s not isolated on the global stage. He’ll refuse to condemn the Russian invasion for as long as he can, despite a strong divergence with the foreign ministry and Brazilian diplomatic corps. Brazil recently voted in favor of a U.N. resolution that deplored the invasion and called on Moscow to withdraw its troops immediately.

But Mr. Bolsonaro couldn’t care less. When speaking to his Russian counterpart – and to the rest of the world – he is actually addressing his own constituents. The solidarity of the president extends only to himself.

Andre Coelho/Getty Images

The New York Times
Feb 7, 2022

by Vanessa Barbara
Contributing Opinion Writer

Ler em português

SÃO PAULO, Brazil — Every day, I have the same wish: that my 3½-year-old daughter can get her Covid-19 vaccine.

Last year she seemed to be constantly sick. She was often feverish and coughing, or her nose was runny and her throat sore. She endured four P.C.R. tests and seven rapid tests. (In March one confirmed she had the virus.) We basically spent the year swabbing her tiny nostrils and pulling her out of school every time a student or teacher tested positive.

At times, it could be funny. Just imagine a small child wondering aloud, in the most serious voice, whether she caught the coronavirus because she took off her dinosaur face mask at snack time. But it was mostly exhausting and frightening. Our daughter was building her immune system in the middle of a pandemic, and there was very little we could do about it.

I certainly couldn’t count on our president. True to form, Jair Bolsonaro has been making an already difficult situation worse. After failing to sabotage the vaccination campaigns for adults and teenagers, he’s been concentrating his efforts on undermining vaccination for kids. But against the force of our health system — and Brazilians’ mighty appetite for vaccines — his evil plans have foundered.

Scaremongering is Mr. Bolsonaro’s preferred method. He’s suggested that the vaccine’s collateral effects are “unknown” and that we don’t have an “antidote” to them. Casting himself as a wise uncle, though a totally delusional one, he advised parents to “not be fooled by the propaganda” around children’s vaccination. “My 11-year-old daughter will not be vaccinated,” he informed the country, solemnly. (Pity that poor child.)

But his subterfuge goes further. Though Covid-19 vaccines for children have been proved safe and effective, the government showed no rush to buy them. On Dec. 16, Brazil’s independent Health Regulatory Agency took matters into its own hands and approved the use of Pfizer’s vaccine for children 5 to 11. Mr. Bolsonaro sprang into action: The decision, he said, was “lamentable” and “unbelievable.”

Not content with that dismissal, he then asked for the names of the health officials behind the approval, saying he wanted to release their identities so the public could “come to its own judgments.” This was, to put it lightly, reckless: Over the past few months, the agency’s directors have been receiving hundreds of death threats from people who oppose children’s vaccination. (What’s next? Lynching sanitation workers? Setting fire to penicillin prescriptions?)

As the year ended, the government tried to hold back the campaign by setting up a nonsensical public survey about the issue. It also planned to require every child to have a doctor’s prescription for a vaccine, a demand that governors rejected and was later withdrawn. And the administration’s Health Ministry keeps repeating that vaccinating children is “a parent’s decision,” implying that it might not actually be a good idea. Every step of the way, Mr. Bolsonaro has tried to obstruct children’s access to vaccination, as if catching the coronavirus were preferable.

Luckily for us, he failed. Starting Jan. 14, children 5 to 11 began receiving their first shots. Though the number of Pfizer doses available barely covers the country’s 20.5 million children, they are being supplemented by CoronaVac, the Chinese vaccine that has the advantage of being manufactured locally by the Butantan Institute. As with the country’s other vaccination campaigns, we can expect eager uptake.

The president, however, does not seem able to accept that Brazilians are “vaccine maniacs,” as he scornfully put it. Eighty-two percent of Brazil’s population is immunized with at least one dose, and even most anti-vaxxers dutifully take their jabs. Commitment to vaccines comes in strange places. In Rio de Janeiro, a street vendor selling false vaccination certificates — someone you might expect to be unconcerned about people skipping jabs — strongly scolded a prospective buyer. “The right thing to do is take the vaccine, you hear me?” he said. “You must take the vaccine.”

Some countries, to be sure, are coming to different conclusions about the value of vaccinating kids. In Sweden, for example, health officials decided they didn’t see a clear benefit for vaccinating children ages 5 to 11. Mr. Bolsonaro’s main argument, though, is that the death rates don’t justify the effort. Well, according to our Health Ministry, 1,467 children 11 or under have died of Covid-19 — a small fraction of the 632,000 Brazilians who’ve lost their lives but an unacceptable number all the same.

What’s more, vaccination not only prevents suffering among children but also protects the rest of us. Children transmit the virus: As long as they remain vulnerable, so do we all. And right now, amid a record-setting spike of coronavirus cases, Brazilians are very vulnerable indeed. The unvaccinated are particularly at risk, and they are mostly children. Here in São Paulo, there has been a 1,000 percent increase in admissions to pediatric intensive care units in the past month.

So the start of Brazil’s vaccination campaign for children over 5 was a source of happiness for almost everybody — the president excepted, of course. Most schools will resume in-person classes in February, after the summer break, and it will be a profound relief to see millions of kids partly immunized.

My daughter won’t be one of them: She’s still too young to receive her shots. But as a family, we’re feeling, for the first time in a while, cautiously optimistic. Mr. Bolsonaro’s efforts to subvert our health system have mostly failed. Each one of the president’s tantrums is a sign of that failure — and, for us, a cause for celebration.


A version of this article appears in print on Feb. 9, 2022, Section A, Page 19 of the New York edition with the headline: Bolsonaro’s Latest Sabotage Efforts Have Failed

Andre Coelho/Getty Images

The New York Times
7 de fevereiro de 2022

por Vanessa Barbara
Contributing Opinion Writer

Read in English

SÃO PAULO, Brasil — Todos os dias eu desejo a mesma coisa: que a minha filha de 3 anos e meio possa receber sua vacina contra a Covid-19.

No ano passado, ela parecia estar sempre doente. Vivia com febre e tossindo, ou com o nariz escorrendo e a garganta dolorida. Encarou quatro testes PCR e sete testes rápidos (um deles, em março, confirmou que ela tinha o vírus). Passamos o ano inteiro basicamente esfregando suas diminutas narinas e afastando-a da escola sempre que um aluno ou professor testava positivo.

Às vezes podia ser engraçado. Imagine uma criança pequena se perguntando, num tom de voz muito sério, se ela teria se contaminado com o coronavírus porque tirou a máscara de dinossauro na hora do lanche. Mas, em geral, era exaustivo e assustador. Nossa filha estava desenvolvendo o sistema imune no meio de uma pandemia, e não havia muita coisa que pudéssemos fazer a respeito.

Eu certamente não podia contar com o nosso presidente. Conforme o previsto, Jair Bolsonaro tem piorado uma situação que já é difícil. Depois de falhar em sabotar as campanhas de vacinação dos adultos e adolescentes, ele concentrou os esforços em atrapalhar a imunização das crianças. Mas contra a força do nosso sistema de saúde — e contra o poderoso apetite dos brasileiros por vacinas — seus planos malignos fracassaram.

O método preferido de Bolsonaro é o alarmismo. Ele sugeriu que os efeitos colaterais da vacina eram uma “incógnita” e que não havia um “antídoto” para eles. Colocando-se na posição de uma espécie de tio sábio, ainda que um tio totalmente delirante, ele aconselhou que os pais e responsáveis não se deixassem “levar pela propaganda” em torno da vacinação infantil. “A minha filha de 11 anos não será vacinada,” ele informou à nação de maneira solene. (Que pena dessa pobre criança.)

Mas suas táticas vão além. Ainda que as vacinas de Covid-19 para crianças tenham se provado seguras e eficazes, o governo não mostrou nenhuma pressa em comprá-las. No dia 16 de dezembro, a independente Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tomou a responsabilidade para si e aprovou o uso da vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos. Bolsonaro partiu para a ação: disse que a decisão era “lamentável” e “inacreditável.”

Insatisfeito com o simples repúdio, ele então pediu os nomes das autoridades de saúde responsáveis pela aprovação, dizendo que queria divulgar o nome dessas pessoas para que o público pudesse “formar o seu juízo”. Isso foi, para dizer o mínimo, imprudente: nos últimos meses, os diretores da agência receberam centenas de ameaças de morte de pessoas que se opunham à vacinação infantil. (Qual o próximo passo? Linchar profissionais de saneamento? Botar fogo em receitas de penicilina?)

Conforme o ano chegava ao fim, o governo tentou atrasar a campanha propondo uma absurda consulta pública sobre o tema. Também planejava exigir receita médica para a vacinação, imposição que os governadores rejeitaram e que foi depois retirada. Além disso, o Ministério da Saúde continua repetindo que a vacinação infantil é uma “decisão dos pais,” dando a entender que pode não ser uma boa ideia. A cada passo, Bolsonaro tentou obstruir o acesso das crianças à vacinação, como se pegar coronavírus fosse preferível.

Felizmente para nós, ele falhou. A partir de 14 de janeiro, crianças de 5 a 11 anos começaram a receber o imunizante da Pfizer. Ainda que tenhamos uma quantia de doses insuficiente para atender as 20,5 milhões de crianças do país nessa faixa etária, o montante está sendo suplementado pela CoronaVac, a vacina chinesa que tem a vantagem de ser produzida localmente pelo Instituto Butantan. Como em outras campanhas de vacinação do país, podemos esperar uma ávida adesão.

O presidente, porém, não parece ser capaz de aceitar que os brasileiros são “tarados por vacinas,” como ele observou pejorativamente. Por aqui, 82 por cento da população está vacinada com pelo menos uma dose, e mesmo a maioria do público antivacina toma suas doses diligentemente. O comprometimento à vacinação vem dos lugares mais estranhos. No Rio de Janeiro, um vendedor ambulante de certificados falsos de vacinação — alguém de quem se esperaria uma falta absoluta de preocupação com o status vacinal alheio — repreendeu com firmeza um possível comprador. “Agora, o certo é o senhor tomar a vacina, entendeu?” ele disse. “Tem que tomar a vacina.”

É verdade que alguns países estão chegando a diferentes conclusões sobre a importância de vacinar as crianças. Na Suécia, por exemplo, as autoridades de saúde decidiram que não viam um benefício claro para imunizar as crianças de 5 a 11 anos de idade. O principal argumento de Bolsonaro, porém, é que o número de óbitos não justifica o esforço. Bem, de acordo com o Ministério da Saúde, 1.467 crianças menores de 11 anos morreram de Covid-19 — uma parcela pequena dos 632 mil brasileiros que perderam a vida para o vírus, mas um número inaceitável de qualquer jeito.

Além disso, a vacinação não só previne o sofrimento das crianças, mas também protege o resto de nós. As crianças transmitem o vírus; enquanto elas continuarem vulneráveis, todos nós estaremos. E no momento, em meio a uma escalada sem precedentes de casos de Covid-19, os brasileiros estão bastante vulneráveis. Os não vacinados se encontram particularmente em risco, e aqui eles são principalmente crianças. Em São Paulo, registrou-se uma elevação de mil por cento no número de internados em UTIs pediátricas do fim de dezembro para cá.

De modo que o início da campanha de vacinação para crianças acima de 5 anos foi uma fonte de alegria para quase todo mundo — menos para o presidente, é claro. A maior parte das escolas vai retomar as aulas presenciais em fevereiro, após as férias de verão, e será um alívio enorme ver milhões de crianças parcialmente imunizadas.

Minha filha não será uma delas: ela ainda é muito nova para ser vacinada. Mas como família estamos nos sentindo, pela primeira vez em algum tempo, cuidadosamente otimistas. De modo geral, os esforços de Bolsonaro para subverter nosso sistema de saúde falharam. Cada um dos ataques de birra do presidente é um sinal desse fracasso — e, para nós, um motivo de celebração.


Uma versão deste artigo apareceu na edição doméstica do New York Times em 9/2/2022, Section A, Page 19 com a manchete: “Bolsonaro’s Latest Sabotage Efforts Have Failed”.

Rafael Silveira

I became an elephant, an octopus, a balloon. I grew giant hands. But I couldn’t shake my sadness.

The New York Times
Dec. 26, 2021

by Vanessa Barbara
Contributing Opinion Writer

Ler em português | Leer en español

JUIZ DE FORA, Brazil — My first encounter with ketamine did not go well.

A lifelong depressive — I picked up the habit of despairing sadness in early adulthood, and it remained faithfully with me — I’d turned to a more experimental form of treatment: ketamine infusions, in which a kindly anesthesiologist funnels the drug into a sad person’s veins for around 50 minutes and hopes it perks her up.

Forty-five minutes into my first session, I rather anxiously asked my partner, who was in the room with me, if our 3-year-old daughter was fine. He decided it was the perfect time for a joke. Our daughter, he answered, was safe at home — and as a matter of fact, he added, she was already a very independent 15-year-old.

I panicked. While under the strong, dissociative effect of the drug, patients sometimes enter what’s called a k-hole, in which their sense of time and space is distorted or eliminated. In that state of oblivion, I found it entirely plausible that my daughter was not a toddler anymore, but a strong-willed teenager. I became very distressed. My heartbeat accelerated. The anesthesiologist hurriedly ended the session as my partner said: “I’m kidding! Sorry! She’s still 3!”

It was an inauspicious start, but I was determined to make the best of it. Ketamine, long used as an anesthetic but better known as an illegal party drug and, of course, a horse tranquilizer, has in recent years been gaining traction as an antidepressant. People have written enthusiastic accounts of their experiences, and researchers and psychiatrists, in a cascade of studies, have pointed to its possible benefits, not least the speed with which it can alleviate symptoms. Today, hundreds of clinics around the world provide infusions to people who have found little, if any, improvement with other treatments.

That’s where I come in. Over the years, apart from the good old psychotropic medications, I have tried several types of talk therapy, meditation, acupuncture, singing lessons, bungee jumping and transcranial magnetic stimulation. (I still have sweet memories of the woodpecker sounds tapped into my brain.)

Nothing worked. So I was ready to jump at the horse tranquilizer. As an expert in psychological distress, and in the spirit of scientific inquiry, I’m here to share my findings.

In August, I found myself at a low ebb: The Covid pandemic was continuing its deadly course, Brazil was ruled by someone who claimed that vaccines could turn people into crocodiles, and I was confined at home with my often sick toddler. So I signed up for a course of infusions. Each session — there would be six in total — cost me 1,700 reais, around $300. It was very expensive, but it felt like a gamble worth taking. And besides, for an obsessive like me, it would be a shame not to complete the set.

Ketamine is not a classic psychedelic, but it can have a strong dissociative effect; people might feel detached from reality and from their bodies. Under its influence, patients usually enjoy mild and agreeable feelings.

I certainly had some of that. Sometimes I felt I was an elephant swimming under the sun, an extroverted octopus or a balloon slowly inflating. I repeatedly requested the presence of a dog. I also grew giant hands. This was all quite pleasant.

Other times, not so much. At the start of my second session, I blurted out a silly thought: “An infusion of ketamine is like taking a two-hour Uber trip with a clown.” (Luckily for me, the anesthesiologist didn’t seem offended.) But a few moments later, my mind slipped, inevitably, to evil clowns — and that’s how our president, Jair Bolsonaro, appeared during one of my bad trips. His eyes were glazed, hair parted to the side, as he hovered happily over the pandemic dead. It was terrifying.

During these frightening moments, I often asked to “come back,” saying that the experience was “too difficult.” I pleaded for help. In my worst moments, I felt that I had to solve impossible temporal paradoxes to stay alive. (What if this session began before I was born? What if I’m permanently stuck in a ketamine loop?) My brain was filled with loud construction sounds, and I felt I was about to die.

Little by little, my body habituated to the drug, and the sessions became gentler. It was important to bring my own music — relaxing, uplifting songs. Nothing distorted or anxiety-inducing. (Anything from Radiohead was off limits, believe me.) The brain easily tuned in to a nice song, which could guide the journey. When things were going to a dark place, I learned to say, “Change the song, please.” And back I went to a garden full of happy dogs.

But by the end, after six infusions over three weeks, I didn’t notice any easing of my depression. I still felt sad, dispirited and anxious; nothing had changed. So I called it off. Enough of giant hands and k-holes for me.

I wouldn’t deem it a failure, though, not even a terrible waste of money. Something important remained from my ketamine experience: For the first time I realized how powerfully depression is ingrained within my brain. I physically felt it — the black dog — acting inside my old neural wirings.

It was something concrete, physical, like ruts where traumas line up to bring me bad thoughts. That’s why it’s so easy to stay there, trapped by pain, and why it takes so much effort to escape. I understood that chronic depression might not respond to language and thoughts, that only a rewiring of the brain’s neural pathways might dislodge it.

Ketamine didn’t do the trick for me, sadly. But I’d be ready and waiting to try anything else the scientists have up their sleeves. (Psilocybin, anyone?) I have, at the very least, learned an important lesson: no jokes during hallucinogenic trips. And no clowns, either.


A version of this article appears in print on Dec. 28, 2021, Section A, Page 19 of the New York edition with the headline: “I Took Ketamine for My Depression. Things Got Pretty Weird.”

Rafael Silveira

Virei um elefante, um polvo, um balão. Ganhei mãos gigantes. Mas não consegui me livrar da tristeza.

The New York Times
26 de dezembro de 2021

por Vanessa Barbara
Contributing Opinion Writer

Read in EnglishLeer en español

JUIZ DE FORA, Brasil — Meu primeiro encontro com a cetamina não correu muito bem.

Após uma vida inteira de depressão — adquiri o hábito da tristeza desesperançada no início da vida adulta, e ela permaneceu fielmente comigo desde então — voltei-me para um tratamento mais experimental: infusões de cetamina, que é quando um amável anestesista injeta a droga nas veias de uma pessoa triste por cerca de 50 minutos, na esperança de animá-la um pouco.

Quarenta e cinco minutos após o início da primeira sessão, e de forma um tanto quanto ansiosa, perguntei para o meu parceiro, que estava na sala comigo, se nossa filha de 3 anos estava bem. Ele decidiu que era o momento perfeito para uma piada. Nossa filha estava segura em casa, ele respondeu — a bem da verdade, ela já era uma jovem de 15 anos bastante independente.

Entrei em pânico. Sob o efeito forte e dissociativo da droga, às vezes os pacientes entram no que é chamado de k-hole, uma espécie de buraco negro onde o senso de tempo e espaço é distorcido ou eliminado. Nesse estado de esquecimento, achei inteiramente plausível que minha filha não fosse mais uma criança pequena, mas uma adolescente decidida. Fiquei muito angustiada. Meu coração acelerou. O anestesista encerrou a sessão às pressas, enquanto meu parceiro dizia: “Desculpa, é brincadeira! Ela ainda tem 3 anos!”

Não foi um começo muito auspicioso, mas eu estava determinada a aproveitar a experiência ao máximo. A cetamina, há muito utilizada como anestésico, porém mais conhecida como droga recreativa ilegal e, é claro, tranquilizante para cavalos, tem ganhado espaço nos últimos anos como um medicamento antidepressivo.

Muita gente escreveu relatos entusiasmados sobre suas experiências com a substância — e pesquisadores e psiquiatras, em uma torrente de estudos, apontaram para seus possíveis benefícios, particularmente para a rapidez com que seria capaz de aliviar os sintomas. Hoje, centenas de clínicas pelo mundo oferecem infusões a pessoas que registraram pouca (ou nenhuma) melhora com outros tratamentos.

É aí que eu entro na história. Ao longo dos anos, para além dos bons e velhos medicamentos psicotrópicos, tentei vários tipos de terapia de fala, meditação, acupuntura, aulas de canto, bungee jumping e estimulação magnética transcraniana. (Ainda guardo doces memórias dos sons de pica-pau que batucaram em meu cérebro.) Nada funcionou. De forma que eu estava pronta para mergulhar no tranquilizante para cavalos. Como especialista em sofrimento psicológico, e no espírito da investigação científica, venho aqui compartilhar minhas descobertas.

Em agosto, eu estava numa fase ruim: a pandemia continuava seu curso mortal, o Brasil era governado por alguém que afirmava que as vacinas podiam transformar as pessoas em jacarés, e eu estava confinada em casa com uma criança pequena constantemente resfriada. Então marquei uma série de infusões. Cada sessão — seriam seis no total — custava 1,700 reais, aproximadamente 300 dólares. Era muito caro, mas me pareceu uma aposta digna de se considerar. E além do mais, para alguém obsessivo, seria vergonhoso se eu não completasse a série.

A cetamina não é um psicodélico clássico, mas pode ter um forte efeito dissociativo — as pessoas podem se sentir desconectadas com a realidade e com o próprio corpo. Sob sua influência, os pacientes em geral experimentam sensações leves e agradáveis. Eu decerto tive algumas delas. Às vezes sentia que era um elefante nadando sob o sol, um polvo extrovertido ou um balão inflando bem devagar. Eu repetidamente requisitei a presença de um cachorro. Também ganhei mãos gigantes. Isso tudo foi muito agradável.

Em outros momentos, nem tanto. No início da minha segunda sessão, deixei escapar um pensamento tolo: “Uma infusão de cetamina é como uma viagem de Uber de duas horas com um palhaço.” (Por sorte, o anestesista não pareceu ofendido.) Mas alguns instantes depois, minha mente escorregou, de forma inevitável, para palhaços malignos — e foi assim que nosso presidente Jair Bolsonaro apareceu em uma das minhas viagens ruins. Seus olhos estavam vidrados, os cabelos partidos para o lado, enquanto ele pairava alegremente sobre os mortos da pandemia. Foi aterrorizante.

Nesses momentos apavorantes, eu costumava pedir que me trouxessem “de volta,” dizendo que a experiência era “difícil demais.” Eu implorava por ajuda. Nos piores instantes, sentia que precisava resolver paradoxos temporais impossíveis para continuar viva. (E se essa sessão tivesse começado antes de eu nascer? E se eu estiver presa para sempre em um loop de cetamina?) Meu cérebro era preenchido por atordoantes ruídos de construção e eu sentia que estava prestes a morrer.

Pouco a pouco, meu corpo se habituou à droga, e as sessões ficaram mais suaves. Era importante trazer minhas próprias músicas — canções relaxantes e felizes. Nada distorcido ou que gerasse ansiedade (qualquer coisa do Radiohead estava fora de questão, acreditem). O cérebro facilmente se conectava a uma boa canção, que podia guiar a jornada. Quando as coisas estavam indo para um lugar ruim, aprendi a dizer: “Pode mudar a música, por favor?” E de volta eu ia para um jardim cheio de cães felizes.

Mas no final, depois de seis infusões em três semanas, não notei nenhum alívio da minha depressão. Ainda me sentia triste, desanimada e ansiosa; nada havia mudado. Então suspendi tudo. Chega de mãos gigantes e k-holes para mim.

Contudo, eu não consideraria a tentativa um fracasso — nem mesmo um tremendo desperdício de dinheiro. Algo importante restou da minha experiência com cetamina: pela primeira vez eu percebi o quão poderosamente a depressão está arraigada no meu cérebro. Eu a senti fisicamente — o cão negro — agindo dentro de minhas velhas conexões neurais.

Era algo concreto, físico, como sulcos onde os traumas se enfileiram para me trazer maus pensamentos. É por isso que é tão fácil ficar lá, aprisionada pela dor, e por que é preciso tanto esforço para escapar. Entendi que a depressão crônica pode não responder à linguagem e aos pensamentos, e que só uma reprogramação das vias neurais pode ser capaz de expulsá-la.

Infelizmente a cetamina não deu conta do recado. Mas estou pronta e ansiosa para testar qualquer outra coisa que os cientistas tenham na manga (psilocibina, alguém?). No mínimo, aprendi uma lição importante: nada de piadas durante viagens alucinógenas. E nada de palhaços também.


Uma versão deste artigo apareceu na versão impressa do The New York Times de 28/12/2021, Section A, Page 19, com a manchete: “I Took Ketamine for My Depression. Things Got Pretty Weird”. Tradução para o português da autora.

Rafael Silveira

The New York Times
Dec. 26, 2021

by Vanessa Barbara
Contributing Opinion Writer

Read in English | Ler em português 

JUIZ DE FORA, Brasil — Mi primer encuentro con la ketamina no salió bien.

Puesto que he sido depresiva toda la vida —adopté la costumbre de estar desesperadamente triste en la adultez temprana y así he seguido—, había recurrido a una forma más experimental de tratamiento: las infusiones de ketamina, en las que un anestesiólogo inyecta con gentileza el medicamento en las venas de una persona triste durante unos 50 minutos y espera que eso la anime.

Tras 45 minutos en mi primera sesión, le pregunté ansiosa a mi pareja, que estaba en la habitación conmigo, si nuestra hija de 3 años estaba bien. A él se le ocurrió que era el momento perfecto para decir una broma. Nuestra hija, respondió, estaba a salvo en casa, pero, de hecho, ya era una chica independiente de 15 años.

Entré en pánico. Mientras se encuentran bajo el efecto fuerte y disociativo de la droga, los pacientes a veces entran en lo que se denomina el “agujero k”, cuando la percepción del tiempo y el espacio se distorsiona o desaparece. En ese estado de inconsciencia, me pareció totalmente posible que mi hija ya no fuera pequeña, sino una adolescente testaruda. Me sentí muy angustiada. Mi ritmo cardiaco se aceleró. El anestesiólogo terminó la sesión de prisa mientras mi pareja decía: “Estoy bromeando. Lo siento. ¡Aún tiene 3 años!”.

Fue un comienzo desfavorable, pero estaba decidida a aprovecharlo al máximo. La ketamina, que durante mucho tiempo se usó como anestésico pero es más conocida como droga ilegal en las fiestas y, desde luego, como tranquilizante para caballos, en años recientes se ha utilizado cada vez más como un antidepresivo. La gente ha escrito anécdotas entusiastas de sus experiencias, y los investigadores y psiquiatras, en una serie de estudios, han señalado sus posibles beneficios, como la velocidad con la que alivia los síntomas. Actualmente, cientos de clínicas en todo el mundo proporcionan infusiones a las personas que han mejorado poco o nada con otros tratamientos.

Ese es mi caso. Con los años, además de los viejos confiables medicamentos psicotrópicos, también he probado varios tipos de terapias de conversación, meditación, acupuntura, lecciones de canto, salto en bungee y estimulación magnética transcraneal. (Aún tengo dulces recuerdos de los sonidos del pájaro carpintero que se grabaron en mi cerebro).

Nada funcionaba. Así que estaba lista para probar el tranquilizante para caballos. Como experta en angustia psicológica, y en aras de la investigación científica, escribo esto para compartir mis hallazgos.

En agosto, me encontré en un momento difícil: la pandemia continuaba su marcha mortífera, Brasil era gobernado por alguien que afirmaba que las vacunas podrían convertir a las personas en cocodrilos, y yo estaba encerrada en casa con mi hija pequeña, a menudo enferma. Así que acepté que me aplicaran una ronda de infusiones. Cada sesión —habría seis en total— me costaría 1700 reales, o cerca de 300 dólares. Era muy costoso, pero me parecía un riesgo que valía la pena tomar. Además, para una obsesiva como yo, sería una lástima no terminar el tratamiento.

La ketamina no es un psicodélico clásico, pero puede tener un efecto disociativo potente: las personas podrían sentirse alejadas de la realidad y de su propio cuerpo. Bajo su influjo, los pacientes suelen tener sensaciones leves y agradables. En efecto, sentí algo de eso. A veces sentía que era un elefante que nadaba bajo el sol, un pulpo extrovertido o un globo que se inflaba poco a poco. En repetidas ocasiones, pedí que un perro estuviera presente. También me crecieron manos gigantes. Todo me pareció bastante agradable.

En otras ocasiones, no fue así. Al comienzo de mi segunda sesión, se me salió una idea tonta: “Una infusión de ketamina es como tomar un viaje de Uber de dos horas con un payaso”. (Para mi suerte, el anestesiólogo no pareció ofenderse). Pero unos momentos más tarde, mi mente pasó a la idea de los payasos malvados… y así fue como nuestro presidente, Jair Bolsonaro, apareció durante uno de mis malos viajes. Sus ojos brillaban, con el cabello peinado de lado, mientras flotaba feliz por encima de los muertos de la pandemia. Fue aterrador.

Durante esos momentos espeluznantes, a menudo pedía que “me regresaran”, pues decía que la experiencia era “demasiado difícil”. Rogaba que me ayudaran. En mis peores momentos, sentía que debía resolver paradojas temporales imposibles para seguir con vida. (¿Y si esta sesión comenzaba antes de que yo naciera? ¿Y si quedaba atrapada en un ciclo permanente de ketamina?). Mi cerebro estaba lleno de ruidos de construcción y sentía que estaba a punto de morir.

Poco a poco, mi cuerpo se acostumbró a la droga, y las sesiones se volvieron más amigables. Era importante traer mi propia música: canciones animadas y relajantes. No debía llevar nada que provocara distorsiones o ansiedad (cualquier cosa de Radiohead estaba prohibida, créanme). El cerebro se adaptaba fácilmente a las canciones lindas, las cuales podían guiar el viaje. Cuando las cosas se tornaban oscuras, aprendí a decir: “Cambien la canción, por favor”. Y así regresaba a un jardín lleno de perros felices.

No obstante, para el final, después de seis infusiones a lo largo de seis semanas, noté que mi depresión no mejoraba. Aún me sentía triste, desanimada y ansiosa; nada había cambiado. Así que dejé de hacerlo. Ya había sido suficiente de manos gigantes y agujeros de ketamina para mí.

Sin embargo, no diría que fue un fracaso ni un gran desperdicio de dinero. Aprendí algo importante de la experiencia con ketamina: por primera vez, me di cuenta de la fuerza con la que la depresión está aferrada a mi cerebro. La sentía físicamente —aquel perro negro—, cómo recorría mis conexiones neuronales de siempre.

Era algo concreto, físico, como baches donde los traumas se forman para traerme malos pensamientos. Por eso es tan fácil estar ahí, atrapada en el dolor, y por eso cuesta tanto trabajo salir de ahí. Entendí que la depresión clínica quizá no responde al lenguaje y a las ideas, que tal vez solo un reacomodo de los senderos neuronales del cerebro podría acabar con ella.

La ketamina no me funcionó, tristemente. Pero estoy lista para probar cualquier otra cosa que los científicos inventen (¿quizá la psilocibina , puede ser?). Por lo menos aprendí algo muy importante: no hay que hacer bromas durante los viajes alucinógenos. Y tampoco hay que incluir payasos.

Eraldo Peres/Associated Press

The Brazilian president’s catastrophic leadership has been painstakingly laid bare

The New York Times
Oct. 28, 2021

by Vanessa Barbara
Contributing Opinion Writer

Ler em português

SÃO PAULO, Brazil — If my country had managed just an average response to the pandemic, over 400,000 Brazilians would still be alive. That’s the stark conclusion of the epidemiologist Pedro Hallal, whose testimony, along with many others, is collected in the final report on the government’s handling of Covid-19. Released last week, it’s the culmination of a riveting monthslong congressional inquiry.

We don’t know, of course, exactly how many of the country’s 606,000 deaths could have been averted: Mr. Hallal’s is just one estimate. But the truth is that we don’t have an average president. Not even a slightly bad one. We have Jair Bolsonaro, a man who maintains that the primary victims of Covid-19 have been “the obese and those who became frightened.”

It was about time someone documented Mr. Bolsonaro’s catastrophic stewardship of the country through the pandemic, and the 1,288-page report does just that. (I read it and I’m still burning with rage.) Painstakingly assembled, it details how Mr. Bolsonaro actively helped to spread the virus, no matter the cost to human life. And it recommends that he be charged with nine crimes, including irregular use of public funds, violation of social rights and, most damningly, crimes against humanity.

Graves of Covid-19 victims in Manaus, Brazil. Credit: Michael Dantas/Agence France-Presse — Getty Images

A product of six months of work by a special Senate committee, the document is a welcome effort to provide Brazilians with the beginnings of accountability. But, probably, no more: It’s unlikely Mr. Bolsonaro, protected by a friendly prosecutor general, will ever face the charges leveled against him. It now falls to international bodies, like the International Criminal Court, to hold him to account. For true justice and restitution, Brazilians will have to keep waiting.

The report certainly won’t rein in Mr. Bolsonaro’s behavior. He dismissed it last week, saying, “We know we did the right thing from the first moment.” So he continues to undermine measures to curb Covid-19 transmission, such as masking, social distancing and mass testing. He still promotes an “early treatment” with ineffective drugs such as hydroxychloroquine and says publicly that he’s not going to be vaccinated. (In December he said he “got the best vaccine: the virus.”) Last week, he even suggested that fully immunized people are more vulnerable to H.I.V.

Mr. Bolsonaro’s commitment to fake news is fully captured in the report. Together with his three eldest sons and other high-ranking officials, he used the power of government to pump out misinformation. The Secretariat of Social Communication, for example, admitted to paying social media influencers to advocate ineffective drugs. And the department celebrated the fact that Brazil was one of the countries with the highest number of people “healed” of Covid-19. (Which is basically saying that Brazil has one of the highest rates of infection, hardly something to brag about.)

The document is full of revelations and macabre anecdotes, including one of my favorite bizarre statements from a government official. (It’s difficult to choose, I admit.) During a radio interview in March 2021, Onyx Lorenzoni, then secretary general of the presidency, said that lockdowns were not effective at reducing the spread of the virus. Why? “Can anyone prevent, in urban areas, the circulation of birds, street dogs, cats, rats, fleas, ants, insects? Can anyone promote the lockdown of insects? Of course not. And all of them carry the virus.”

But underneath the anecdotes is a terrifying account of the government’s apparent mendacity and corruption. For example, the government delayed the purchase of hundreds of millions of vaccine doses from proper sources while reportedly trying to negotiate with murky middlemen for an unapproved (and overpriced) vaccine. Mr. Bolsonaro was informed about irregularities in the deal, but there’s no evidence that he warned law enforcement officials about it.

Even worse, the government allegedly made a pact with Prevent Senior, a major private health care chain, to produce data about the efficacy of hydroxychloroquine and other unproven drugs in the treatment of Covid-19. Twelve whistle-blowing doctors have accused the organization of testing drugs on patients without their knowledge and without having proper authorization from the ethics commission. (Prevent Senior has denied all wrongdoing.) This shady human experiment took place, the report claims, with the blessing of the president and members of the federal government.

On Tuesday, the report was approved in a Senate vote. “There is a murderer hidden at the presidential palace,” said Renan Calheiros, a senator and the report’s main author, at the end of session. It was a victory, but it could have been even more: The initial draft proposed that Mr. Bolsonaro be charged with mass homicide and genocide against Brazil’s Indigenous population, who have been particularly hard hit, but those charges were later removed. Even so, the vote — effectively accusing a sitting president of crimes against humanity — amounts to a remarkable condemnation of Mr. Bolsonaro.

The report also recommends indicting two companies and 77 other people, including Mr. Bolsonaro’s three eldest sons, two of his aides, the current health minister (and his predecessor), a handful of other ministers, a few congressmen, the former secretary of social communication, the president of the Brazilian Federal Council of Medicine, and the owners and the C.E.O. of Prevent Senior. A whole gallery of rogues could be called to answer for their sins.

But that’s unlikely to happen. While the document is certainly something to celebrate, it’s sadly not enough to make Mr. Bolsonaro and his allies answer for their actions. A criminal case would have to be brought by Brazil’s prosecutor general, Augusto Aras, who was appointed by the president and is considered an ally. It’s hard to imagine that happening.

I tend to think that history will condemn Mr. Bolsonaro and his allies for their horrendous crimes against our people, for making us crave an average government. But that’s for the future. In the present, I have just one simple wish: that the International Criminal Court takes a good look at the report, with my compliments.


A version of this article appears in print on Oct. 29, 2021, Section A, Page 20 of the New York edition with the headline: We Knew Bolsonaro Was Guilty.

Eraldo Peres/Associated Press

A liderança catastrófica do presidente brasileiro foi minuciosamente exposta

The New York Times
28 de outubro de 2021

por Vanessa Barbara
Contributing Opinion Writer

Read in English

SÃO PAULO, Brasil — Se meu país tivesse dado uma resposta apenas mediana à pandemia, mais de 400 mil brasileiros estariam vivos. Essa é a dura conclusão do epidemiologista Pedro Hallal, cujo depoimento, ao lado de muitos outros, é registrado no relatório final sobre a gestão do governo no combate à Covid-19. Divulgado na semana passada, é o ápice de uma envolvente Comissão Parlamentar de Inquérito que durou meses.

É claro que não sabemos exatamente quantas das 606 mil mortes no país poderiam ter sido evitadas: Hallal faz apenas uma estimativa. Mas a verdade é que não temos um presidente mediano. Nem mesmo um presidente levemente ruim. Temos Jair Bolsonaro, um homem que insiste em dizer que as principais vítimas da Covid-19 foram “os obesos e quem estava apavorado.”

Já era hora de documentarem o catastrófico comando do país exercido por Bolsonaro ao longo da pandemia, e o relatório de 1.288 páginas faz exatamente isso. (Eu li e ainda estou queimando de raiva.) Minuciosamente elaborado, o documento detalha como Bolsonaro ajudou ativamente na disseminação do vírus, não importando qual o custo em vidas humanas. E recomenda que ele seja indiciado por nove crimes, incluindo emprego irregular de verbas públicas, violação de direitos sociais e, o mais grave de todos, crimes contra a humanidade.

Produto de seis meses de trabalho de um comitê especial do Senado, o documento é um esforço bem-vindo de prover os brasileiros de um princípio de responsabilização. Mas possivelmente não é nada além disso: é improvável que Bolsonaro, protegido por um amigável procurador-geral, tenha de eventualmente enfrentar as acusações apontadas contra ele. Cabe agora a organismos internacionais, como o Tribunal Penal Internacional, fazê-lo responder por seus atos. Os brasileiros terão de continuar esperando por justiça e restituição verdadeiras.

O relatório decerto não irá refrear o comportamento do presidente. Bolsonaro o desdenhou na semana passada, ao declarar: “Sabemos que fizemos a coisa certa desde o primeiro momento.” Então ele continua sabotando as medidas para conter a transmissão da Covid-19, como uso de máscaras, distanciamento social e testagem em massa. Ainda promove o “tratamento precoce” com medicamentos ineficazes como a hidroxicloroquina, e diz publicamente que não vai ser vacinado. (Em dezembro, ele comentou que teve “a melhor vacina: foi o vírus.”) Na semana passada, chegou a sugerir que pessoas totalmente imunizadas são mais vulneráveis ao H.I.V.

O empenho de Bolsonaro com as fake news é capturado por inteiro no relatório. Ao lado de seus três filhos mais velhos e outros membros do alto escalão do governo, ele usou o poder estatal para fazer jorrar desinformações. A Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), por exemplo, admitiu ter pago influenciadores em mídias sociais para defender remédios ineficazes. E esse mesmo setor celebrou o fato de que o Brasil era um dos países com o maior número de “curados” da Covid-19. (O que é basicamente dizer que o Brasil tem uma das maiores taxas de infecção — dificilmente um motivo para se gabar.)

O documento está repleto de revelações e anedotas macabras, incluindo aquele que é um dos meus favoritos entre os depoimentos bizarros de um membro do governo. (É difícil escolher, eu admito.) Em uma entrevista para uma rádio em março de 2021, Onyx Lorenzoni, então ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, disse que os lockdowns não eram eficientes para reduzir a disseminação do vírus. Por quê? “Alguém consegue impedir que nas áreas urbanas o passarinho, o cão de rua, o gato, o rato, a pulga, a formiga, o inseto, eles se locomovem? Alguém consegue fazer o lockdown dos insetos? É obvio que não. E todos eles transportam o vírus.”

Mas por trás das anedotas há um relato aterrador da aparente falsidade e corrupção do governo. Por exemplo: o governo atrasou a compra de centenas de milhões de doses de vacina oferecidas por fontes legítimas enquanto supostamente tentava negociar uma vacina não aprovada (e superfaturada) com intermediários obscuros. Bolsonaro foi informado sobre irregularidades na negociação, mas não há evidências de que ele tenha alertado a polícia a respeito.

Pior: aparentemente o governo fez um pacto com a Prevent Senior, uma grande operadora privada de saúde, para produzir dados sobre a eficácia da hidroxicloroquina e outros remédios não comprovados cientificamente para o tratamento da Covid-19. Doze médicos denunciantes acusaram a empresa de testar remédios sem o consentimento dos pacientes e sem a devida autorização da Comissão de Ética. (A Prevent Senior nega todas as acusações.) Esse tenebroso experimento humano se deu, segundo o relatório, com a aprovação do presidente e membros do governo federal.

Na terça-feira, o relatório foi aprovado em uma votação no Senado. “Há um homicida homiziado no Palácio do Planalto,” disse o senador Renan Calheiros, principal responsável pelo documento, ao final da sessão. Foi uma vitória, mas poderia ter sido maior: o rascunho inicial propunha que Bolsonaro fosse indiciado por homicídio e genocídio contra os indígenas, que foram particularmente afetados pelo vírus, mas essas acusações foram mais tarde removidas. Ainda assim, a aprovação do relatório — que efetivamente acusa um presidente em exercício de crimes contra a humanidade — consiste em uma notável condenação a Bolsonaro.

O parecer também recomenda o indiciamento de duas empresas e 77 outras pessoas, incluindo os três filhos mais velhos de Bolsonaro, dois de seus assistentes, o atual Ministro da Saúde (e seu antecessor), um punhado de outros ministros, alguns deputados federais, o antigo chefe da Secom, o presidente do Conselho Federal de Medicina, e os donos e o diretor executivo da Prevent Senior. Toda uma galeria de malfeitores pode ser chamada a responder por seus pecados.

Mas é improvável que isso vá acontecer. Ainda que o documento seja algo a celebrar, infelizmente não é o suficiente para que Bolsonaro e seus aliados tenham de responder por suas ações. Uma ação penal precisa ser instaurada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, que foi indicado pelo próprio presidente e é considerado seu aliado. É difícil imaginar que isso ocorra.

Minha tendência é pensar que a história irá condenar Bolsonaro e seus comparsas pelos crimes horrendos cometidos contra a nossa população, e por nos fazer cobiçar um governo mediano. Mas isso é para o futuro. No presente, tenho um único desejo: que o Tribunal Penal Internacional dê uma boa olhada nesse relatório, com os meus cumprimentos.

Claire Merchlinsky/The New York Times; Photographs by AFP, Heuler Andrey via Getty Images

His totalitarian aims are now unmistakable.

The New York Times
Sep. 15, 2021

by Vanessa Barbara
Contributing Opinion Writer

Ler em português

SÃO PAULO, Brazil — For weeks, President Jair Bolsonaro of Brazil has been urging his supporters to take to the streets. So on Sept. 7, Brazil’s Independence Day, I was half expecting to see mobs of armed people in yellow-and-green jerseys, some of them wearing furry hats and horns, storming the Supreme Court building — our very own imitation of the Capitol riot.

Fortunately, that was not what happened. (The crowds eventually went home, and no one tried to sit in the Supreme Court justices’ chairs.) But Brazilians were not spared chaos and consternation.

For Mr. Bolsonaro, it was a show of force. In the morning, addressing a crowd of around 400,000 people in Brasília, he said he intended to use the size of the crowd as an “ultimatum for everyone” in the three branches of government. In the afternoon, at a demonstration in São Paulo of 125,000 people, the president called the elections coming in 2022 “a farce” and said that he will no longer abide by rulings from one of the Supreme Court justices. “I’m letting the scoundrels know,” he bellowed, “I’ll never be imprisoned!”

It seems to be part of a plan. By picking a fight in particular with the Supreme Court — which has opened several investigations of him and his allies, including about his role in a potentially corrupt vaccine procurement scheme and his efforts to discredit Brazil’s voting system — Mr. Bolsonaro is attempting to sow the seeds of an institutional crisis, with a view to retaining power. On Sept. 9 he tried to back down a little, saying in a written statement that he “never intended to attack any branch of government.” But his actions are plain: He is effectively threatening a coup.

Perhaps that’s the only way out for Mr. Bolsonaro. (Apart from properly governing the country, something that apparently doesn’t interest him.) The antics of the president, struggling in the polls and menaced by the prospect of impeachment, are a sign of desperation. But that doesn’t mean they can’t succeed.

Mr. Bolsonaro has good reason to be desperate. The government’s mishandling of the Covid-19 pandemic has resulted in the deaths of 587,000 Brazilians; the country faces record rates of unemployment and economic inequality; and it’s also afflicted by soaring inflationpoverty and hunger. Oh, and there’s a huge energy crisis on the way, too.

That has taken its toll on Mr. Bolsonaro’s standing with Brazilians. In July, his disapproval rating rose to 51 percent, its highest-ever mark, according to Datafolha Institute. And ahead of next year’s presidential elections, things are not looking rosy. In fact, polling suggests he’s going to lose. Luiz Inacio Lula da Silva, the center-left politician and former president, is comfortably outstripping Mr. Bolsonaro. As things stand, Mr. Bolsonaro would lose to all possible rivals in a second-round runoff.

This explains Mr. Bolsonaro’s eagerness to push unfounded claims of fraud in Brazil’s electronic voting system. “There’s no way of proving whether the elections were rigged or not,” he said about past elections (including the one he won), during a two-hour TV broadcast in July, while failing to provide any evidence to support his allegations. He has repeatedly threatened to call off the elections if the current voting system remains in place — and although Congress recently rejected his proposal to require paper receipts, he continues to cast doubt on the voting process. (Sound familiar, anyone?)

Then there’s the corruption. A growing number of corruption accusations have been made against the president and two of his sons, who both hold public office. (One is a senator; the other sits on Rio de Janeiro’s City Council.) Prosecutors have suggested that the Bolsonaro family took part in a scheme known as “rachadinha,” which involves hiring close associates or family members as employees and then pocketing a portion of their salary.

For Mr. Bolsonaro, who was elected in part for his promise to rout out corruption, these investigations cast a long shadow. Against this backdrop of ineptitude and scandal, the events of Sept. 7 were an attempt to distract and divert attention — and, of course, to cement divisions.

Efforts to remove Mr. Bolsonaro by parliamentary means are stalled. Though the opposition has so far filed 137 impeachment requests, the process must be initiated by the speaker of the lower house, Arthur Lira, who does not seem inclined to accept them. (That’s not especially surprising: Mr. Lira is a leader of a cluster of center-right parties, known as the “centrão,” to whom Mr. Bolsonaro has handed out important government positions, in the hope of shielding himself from impeachment proceedings.) Only enormous public protests can break the impasse.

There’s no time to lose. The demonstrations last week were not simply political showmanship. They were yet another move to strengthen Mr. Bolsonaro’s position for an eventual power grab ahead of next year’s elections. He didn’t get exactly what he wanted — the numbers, though substantial, were far less than organizers hoped for — but he will keep trying.

Sept. 7 now marks another signal moment in Brazil’s history — when the totalitarian aims of our president became unmistakably clear. For our young democracy, it could be a matter of life or death.


Vanessa Barbara is the editor of the literary website A Hortaliça, the author of two novels and two nonfiction books in Portuguese and a contributing Opinion writer.