Miolos! Miolos!

Posted: 12th dezembro 2010 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
Tags: , , , ,

Com muita flechada no olho e crânios trucidados por picaretas, terminou esta semana a primeira temporada da série americana “The Walking Dead” (Fox, ter. às 22h). O roteiro é baseado nos quadrinhos de Robert Kirkman e versa sobre o apocalipse zumbi.

Havia grande expectativa em torno da atração, já que os seis primeiros episódios foram adaptados para a TV pelo cineasta Frank Darabont (“Um sonho de liberdade”), que também dirigiu o piloto de 90 minutos de duração.

Além disso, no Brasil, a Fox se comprometeu a exibir os episódios inéditos com apenas dois dias de atraso, mas, talvez para compensar o excesso de zelo e respeito ao espectador, resolveu cortar 12 minutos do original.

A história fala de um grupo de pessoas que sobreviveu ao holocausto zumbi, quando o mundo foi infestado por esses seres putrefatos e sedentos de carne humana. Ao longo da trama, os protagonistas lidam com seus dramas pessoais e tentam resistir aos ataques dessa gente desagradável sem tronco ou nariz.

A série tem uma fotografia digna de cinema, massacres divertidos e cenas impressionantes: de cara, um policial de chapéu entra na cidade a cavalo, de forma quase apoteótica, não fosse pela horda de presuntos prestes a emboscá-lo.

Aqui e ali, há grandes achados, como o entregador de pizzas que é também um estrategista nato, a inesperada intervenção de uma avó e, por fim, o asilo que vira bunker da resistência.

Alguns diálogos e caracterizações fracas atrapalham, bem como as semelhanças com a série “Lost”. Exemplos: as cenas de sobrevivência na selva, a trilha sonora pontuando expedições desesperadas e os vídeos caseiros de um homem misterioso dentro de uma instalação programada para explodir.

Em “The Walking Dead”, que até agora é mediana, falta uma coisa: amor zumbi.

Falta promover uma temporada só de mortos-vivos, centrada nos dilemas éticos da horda, no cotidiano do Zumbi do Posto de Gasolina, nas trapalhadas da menina sem tronco. Falta investir em números musicais com dançarinos defuntos ou em dramas de tribunal envolvendo vilões necrófilos.

Um “CSI” de zumbis, um “Gilmore Girls” com gente finada e um programa de culinária só para amantes de miolos. A conferir.

Marechal Rondon é o cara

Posted: 5th dezembro 2010 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
Tags: ,

Nesta quinta-feira, dia 9, vai ao ar o último episódio de “15 Minutos”, principal atração de humor da MTV (seg. a qui. às 21h45). Segundo a emissora, o apresentador Marcelo Adnet irá comandar um novo programa em 2011.

Há dois anos e meio, o jovem comediante vem interpretando a si mesmo num estúdio que reproduz seu quarto em Humaitá, no Rio de Janeiro. De bermuda, camiseta e chinelo, lê e-mails dos fãs, divaga sobre assuntos do noticiário, faz paródias de celebridades e imitações retumbantes de José Wilker.

É o único humorístico da TV aberta que tem audiência aqui em casa, talvez porque Adnet não tente ser engraçado de forma explícita. Ele usa um tom quase formal para tratar dos assuntos mais tolos, simulando a empáfia das personalidades televisivas.

Pode começar, por exemplo, mandando um “alô para o cachorro-quente com ervilha, ovo de codorna, molho rosé e queijo ralado, e também para o Ary Barroso”. Em seguida, parte para sua especialidade: imitar Cid Moreira, Pedro Bial ou Dinho Ouro Preto, através de sátiras musicais.

Outro dia, parodiou Elis Regina cantando o hino do Corinthians no chuveiro, Caetano Veloso solfejando “They don’t care about us”, e “Cai Cai Balão” no estilo dos concorrentes de “Ídolos” (Record).

O programa já teve “Sweet Child O’ Mine”, do Guns N’ Roses, na voz de Silvio Santos, e “Garganta”, num dueto de Ana Carolina e Dercy Gonçalves. Entre as composições próprias, destacam-se o “Funk do Mosquito”, a “Micareta Metal” e a “Bossa Nova do Cocô”.

Adnet consegue se transformar em tudo: faz um bispo evangélico à perfeição, tem recorrentes “surtos de Ivete Sangalo” e compôs uma canção de sátira às boybands: “Furfles Feelings”.

Nas estantes, há um boneco do Gorbachev, um exemplar do Alcorão, uma chinchila, uma flâmula da Taça Rio e um cartaz com a inscrição “Marechal Rondon é o cara”. Aléá placas com os dizeres “ÓOAUÊAíÔ”, “Não cumprimente o pinguim” e “Não cuspa”.

Espera-se que o novo programa de Adnet seja tão incoerente e desnecessário quanto “15 Minutos”. Com sorte, ele irá abrir a atração com um de seus instigantes versos:  “Em homenagem ao meu mamilo/ eu vou de repente, do nada, mudar de estilo”.

A grama do vizinho

Posted: 28th novembro 2010 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
Tags: ,

Aqui em casa nós temos quatro: o primeiro é o controle remoto do DVD, com 31 botões e duas pilhas AAA. Depois tem o controle do Blu-Ray, com 52 botões de quatro cores diferentes. Então vem o da televisão, com 44 botões, e o dos canais a cabo, com 45 e um redondo chamado “agora”.

A tevê fica a apenas 1,78m de distância do sofá e, ainda assim, quando um dos controles é perdido entre as almofadas, a única reação possível é desistir de tudo e ir dormir mais cedo.

O controle remoto extinguiu os botões giratórios na frente do aparelho, bem como os gritos para alguém na cozinha ir até a sala mudar de canal. Aniquilou os cabos de vassoura, que serviam para aumentar e diminuir o volume à distância, e eliminou a audiência por inércia: ninguém mais permanece num canal por preguiça de se levantar.

Acima de tudo, o controle remoto trouxe ao bojo da modernidade a incerteza, aquela incômoda sensação de haver algo, em algum lugar, mais interessante do que o que estamos assistindo.

Diante de uma oferta de 96 canais, é difícil contentar-se com “Super Petroleiros” (NatGeo), quando em outra emissora pode haver “Le Haim” (TV Aberta), “Eu Não Sabia que Estava Grávida” (Home & Health) ou “Walking Dead” (Fox).

O controle remoto popularizou o verbo zapear e o costume de dar a volta na programação. Às vezes, o sujeito é impaciente e vai atropelando tudo, até que vislumbra algo de seu interesse. O problema é que, em geral, a cena já foi engolida por uns vinte canais, e o mais fácil é dar a volta de novo.

A única pessoa que escapa a esse hábito tele-hiperativo é a minha mãe, que gosta de “dar uma chance” para todo e qualquer curta-metragem indonésio em que um sujeito demora 15 minutos para atravessar o deserto, enquanto entoa um mantra.

E nem é preciso estar assistindo algo mediano para ter vontade de espiar o que está passando alhures: é comum perdermos uma boa reprise de “Seinfeld” (Sony) só por causa de uma coceirinha que nos faz dar toda a volta, passando por “Bonanza” (TCM) e “Roda a Roda Jequiti” (SBT), aterrissando, exaustos, no indefectível “Medalhão Persa”, um porto seguro para onde retornamos após longa e extenuante jornada.

O segredo de Gerson

Posted: 21st novembro 2010 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
Tags: ,

No próximo dia 29, segunda-feira, será revelado o segredo de Gerson, da novela “Passione” (Globo, 20h55). O personagem, vivido por Marcello Antony, tem uma obsessão patológica por algo que vê no computador, e que talvez esteja ligado a um abuso sexual sofrido na infância.

Desde meados de agosto, quando foi ao ar a cena em que a esposa de Gerson descobre o que há na tela, e o chama de “doente”, “podre” e “nojento”, pululam na internet várias especulações sobre o teor do mistério. Algumas alternativas já foram descartadas pelo autor da novela, Silvio de Abreu: Gerson não seria pedófilo e nem homossexual.

Além disso, a Globo teve de prometer à Goodyear, patrocinadora do personagem, que o enigma não seria nada escabroso. Segundo o diretor de marketing da firma, o que Gerson faz no computador “não é ilegal, é tratável e é algo do cotidiano”.

Portanto, podem esquecer as mirabolantes hipóteses de necrofilia, zoofilia e canibalismo, já que o relacionamento com cadáveres e coelhinhos não seria nada positivo para a imagem da empresa. Também coprofilia (fezes) é pouco provável, bem como formicofilia (relativo a pequenos animais, tais como caracóis, rãs e saúvas) e autonepiofilia (prazer em usar fraldas).

O acordo comercial que garante a caretice do mistério tirou um pouco da graça das especulações, que hoje se concentram em apostas mais modestas, como fetichismo por dedões do pé, voyeurismo via webcam e sadismo.

Outra explicação cogitada é a de que Gerson seria hacker – essa, além de tola, foi descartada assim que a esposa declarou que tinha “nojo” dele. A não ser que ele seja um enrustido usuário de Windows. “Não tem explicação! Você é podre!”, gritaria Diana, adepta da família Mac.

Fico imaginando a negociação entre os roteiristas e o patrocinador: fraldão pode? E envolver um punhado de besouros? Ter relações com alienígenas? Gostar de gente com soluço? Botar um trapézio no teto? Que tal se o Gerson fosse mulher, uma coruja ou o avô de si mesmo?

Nunca se sabe o que os anunciantes podem achar de um personagem que se revela, para nojo da esposa recatada, uma grande e gorda coruja. Pega mal em termos de RP.

15 de novembro de 2010
Blog Textáculos

O LIVRO AMARELO DO TERMINAL
de Vanessa Barbara
Editora: Cosac Naify, 2008, 254 págs.

Para comprar, clique aqui

A correria da cidade, o amontoado de ônibus, um mundo gente que vai e vem, carrega bagagens, perde coisas tão inusitadas quanto uma dentadura, um banco de Kombi ou um braço mecânico. A rodoviária do Tietê, a segunda maior do mundo, reproduz a cidade de São Paulo. E é tão grandiosa quanto ela: abriga 61 empresas de ônibus com 331 linhas que atendem 611 localidades em todos os estados brasileiros, com exceção do Amazonas e do Acre,e mais quatro países sul-americanos (Uruguai, Paraguai, Argentina e Chile).

Por isso, conhecer esse terminal rodoviário é conhecer aspectos essenciais da vida da cidade e dos seus habitantes, dos migrantes que chegam cheios de esperança para se tornarem “paulistanos” ou dos que partem desiludidos com a cidade. “O Livro Amarelo do Terminal”, da jornalista Vanessa Barbara, desvenda não apenas os segredos desse terminal (não todos, porque o faturamento dos banheiros ainda é um dado guardado a sete chaves pelo administradores) mas as histórias dessa gente que chega, parte, espera.

Vanessa divide seu livro em 22 capítulos nos quais mostra a história do prédio inaugurado em 9 de maio de 1982, na avenida Cruzeiro do Sul, junto á estação Tietê do metrô; os segredos da administração, a vida de quem trabalha lá, dos motoristas e atendentes do balcão de informações; das responsáveis pela seção de achados e perdidos; e das pessoas que passam por lá.

O que impressiona, no primeiro momento, é a grandeza. Vanessa detalha o prédio, formado por dois terminais distintos (o terminal de embarque e o terminal de desembarque) mais os dois blocos de serviços localizados no andar superior.

Mas, essa descrição ganha vida quando Vanessa começa a mostrar as pessoas que movimentam o terminal. Ela passeia pelos terminais de embarque e desembarque e pelos dois blocos de serviço, anotando com sensibilidade histórias diversas. Mostra o trabalho das atendentes do balcão de informações, de coque, sombra nos olhos e lencinho no pescoço, prontas para dizer como chegar em qualquer lugar. Elas não falam inglês nem espanhol, mas atendem os estrangeiros na certeza de que, de uma forma ou de outra, acabam se entendendo. Mostra também o trabalho dos motoristas, das faxineiras dos banheiros com seu faturamento secreto, dos seguranças que tem ordens de impedir fotos ou reportagens desautorizadas dentro do terminal, carregadores, vendedores da loja de malas, pedintes e até do dono da voz dos auto-falantes da rodoviária.

As histórias do usuários são esclarecedoras. São lojistas do interior de São Paulo e de outros estados, que vêm a São Paulo fazer compras na 25 de março, gente que chega e procura por parentes que deveriam buscá-los, jovens surfistas que dormem sobre suas pranchas enquanto esperam, estrangeiros que querem passear em Ilhabela. Histórias de uma grande cidade, com gente que joga chicletes no chão e papel higiênico fora do lixo, pisa em salgadinhos, carrega malas e sacos pretos enormes, compara esnobe as condições do terminal com as condições oferecidas pelos terminais europeus. Tudo anotado e colocado no livro com um texto sensível, esclarecedor e coadjuvado por uma edição inovadora, com recortes de jornais, manchetes das revistas de fofocas expostas nas bancas de jornais do terminal, frases dos livros de auto-ajuda à venda etc. Enfim… um microcosmo da cidade.

Ioga para homicidas

Posted: 14th novembro 2010 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
Tags: ,

Talvez seja culpa da velhice, mas acho surpreendente, quase inexplicável, a existência de um seriado como “Dexter” (FX, qui. às 22h), que atinge picos de audiência de 2,6 milhões de espectadores nos EUA.

Para quem nunca viu, a série fala de um analista forense da polícia de Miami, especialista em padrões de dispersão de sangue, mas que também acumula o ofício de serial killer nas horas vagas.

Sim, é um mocinho sociopata que esfaqueia, asfixia e retalha o próximo, embrulha seu cadáver e o despeja no mar, a bordo de um iate chamado “Fatia da Vida”.

É verdade que em sua lista de vítimas figuram apenas homicidas impunes, e que só raramente ele mata alguém por engano. “Eu sou um monstro limpinho”, afirma, referindo-se aos rolos de plástico com que costuma forrar a cena do crime.

“Vivi na escuridão por um bom tempo. Então meus olhos foram se ajustando até que a escuridão tornou-se o meu mundo e eu pude enxergar”, filosofa.

Durante a segunda temporada da série, que já está em seu quinto ano, o canal australiano Foxtel precisou tirar do ar um comercial que foi considerado de mau gosto. Além disso, meia dúzia de psicopatas em atividade confessaram sua admiração pelo personagem, o que estranhamente ainda não gerou nenhuma passeata de senhoras escandalizadas com a atração.

O que é ótimo, pois enquanto isso podemos assistir cenas de Dexter na aula de ioga: “Este é absolutamente, sem dúvida nenhuma, o pior momento da minha vida”. Então a professora começa a dançar e pede que Dexter seja tão belo quanto os flocos dourados de poeira diante da luz do sol. “Eu provavelmente poderia matá-la antes que alguém percebesse o que houve”, pensa.

Dexter é um justiceiro engraçado, do tipo que hesita em matar um psiquiatra homicida só porque precisa de mais uma sessão de terapia. Sua narração em off tem humor negro, tiradas tétricas e trocadilhos bobos. “Mais um belo dia em Miami – cadáveres mutilados e chances de tormenta no fim da tarde.”

Em certa ocasião, a esposa pergunta como ele pode ficar impassível diante do sofrimento do filho tomando uma injeção, ao que Dexter retruca mentalmente: “Serial killer, lembra?”.

Como se não bastasse, o fim da quarta temporada é de matar.

Ratinho tem um problema

Posted: 7th novembro 2010 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
Tags: ,

Às voltas com a queda dos índices de audiência e os boatos de cancelamento em 2011, o “Programa do Ratinho” (SBT, seg.-sex. às 18h) tem feito de tudo para se recuperar. A atração de auditório, comandada por Carlos Massa, é focada na exploração e resolução de disputas domésticas, em que maridos ofendem ex-mulheres, esposas agridem amantes e há escândalos em profusão.

Ratinho já tentou de tudo: mudou o cenário, a direção, o formato e até tentou convocar Palmirinha Onofre para seus quadros. Nada parece surtir efeito.

Desta feita, aqui vai uma sugestão infalível para revitalizar a atração.

O fato é que, a todo momento, o apresentador promete resolver os problemas do público, sejam eles quais forem. Em geral, são mães tentando comprovar a paternidade dos filhos, que não raro também se envolvem na cizânia, e não raro partem para a agressão física. No estúdio, há seguranças a postos para apartar os mais belicosos.

A sugestão, portanto, seria diversificar a natureza desses problemas, incluindo questões metafísicas e dúvidas de cunho ético. Um exemplo: o sujeito chega ao Programa do Ratinho com um problema. Solícita, a produção se dispõe a ouvi-lo, mas não garante a solução imediata do imbróglio.

Ele dispara: “Se um trem sai da cidade A em direção a B com uma velocidade média estimada de 50 km/h, em movimento retilíneo, e um trem sai da cidade B em direção a A a 30 km/h, sendo que estas cidades se encontram a uma distância de 100 km, quando os trens irão colidir?”.

Dá para imaginar Ratinho consultando o ponto, a moça da produção sacando a calculadora e os peritos pedindo mais detalhes (“Condições normais de temperatura e pressão, você disse?”).

Seria proveitoso convidar populares angustiados e filósofos niilistas que tenham coragem de subir ao palco e perguntar coisas como: “Pode Deus criar uma pedra que não consiga levantar?”, ou: “Em um gás ideal, a entropia é uma variável extensiva?”.

Sempre haverá aquele que, tomando com fúria o microfone, exporá um problema fatal: “Um burro bom e barato é raro. Tudo que é raro é caro. Um burro bom e barato é caro. Um burro bom…”

E assim por diante, até que os seguranças venham contê-lo com um livro de palavras cruzadas.

TV Chimpanzé

Posted: 31st outubro 2010 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
Tags: , ,

No último dia 18, às 23h, o canal Animal Planet exibiu com exclusividade o primeiro filme rodado por chimpanzés (“TV Chimpanzé”).

A estreia dos bonobos na indústria cinematográfica foi patrocinada pela BBC e viabilizada pela cientista comportamental Betsy Herrelko, que, na tentativa de descobrir o que se passa na mente dos chimpanzés, decidiu fornecer-lhes o material e o embasamento tecnológico para produzirem seus próprios vídeos caseiros.

Betsy escolheu 11 chimpanzés residentes no zoológico de Edimburgo, no Reino Unido. Passou 18 meses ensinando-os a mexer em telas touchscreen e a assistir televisão sem esperar recompensa –– tarefa difícil, pois os macacos não só possuem maior inteligência do que nós, que aceitamos qualquer porcaria, como preferem interagir com a tela e dar socos raivosos em franca manifestação de desagrado à programação.

Ainda assim, os primatas abraçaram a carreira de cineastas. Sem terem recebido noções prévias de foco, enquadramento, contra-plongée, iluminação e roteiro, os membros da equipe ganharam uma caixa vermelha resistente (à prova de chimpanzés) com uma câmera digital dentro. No topo da caixa havia uma tela para que eles pudessem acompanhar o que estava sendo filmado.

O resultado foi um curta experimental claramente influenciado pelo Dogma 95, em que predominam os closes de narinas, a exibição de gengivas, os gritos simiescos e alguns travellings arriscados. Nenhum ser humano foi maltratado durante as filmagens.

Assistir à promissora TV Chimpanzé foi como acompanhar o trabalho da genial tartaruga cineasta do Caribe, que estreou na direção quando um mergulhador perdeu sua câmera subaquática em Aruba, em novembro de 2009. Dois meses depois, a tartaruga marinha encontrou o objeto em Honduras, tentou comê-lo e acidentalmente apertou o botão de gravar.

Ela nadou enroscada ao aparelho e produziu um belíssimo curta oceânico, em que suas próprias nadadeiras são vistas de relance, junto a cardumes de peixes, raios de sol e uma cor de água absurdamente azul. (YouTube: “Sea turtle finds lost camera”.) Nos minutos finais, ela enjoa da atividade, larga a câmera e sai boiando em sua majestosa queloneidade, decerto rumo a Hollywood.

Autores e ideias – Mona Dorf

Posted: 29th outubro 2010 by Vanessa Barbara in Clipping

Entrevista publicada em Autores e Ideias, Mona Dorf, ed. Benvirá, 2010.

Jornalista, tradutora, editora do periódico virtual A Hortaliça e colaboradora da revista piauí. Publicou: O livro amarelo do terminal (CosacNaify), prêmio Jabuti 2009 na categoria reportagem e O verão do Chibo (Alfaguara), com Emilio Fraia, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2008, na categoria escritor estreante.

Como surgiu na sua vida a escrita como expressão? Por que você começou a escrever?

Porque não gosto muito de falar e ganhei uma máquina de escrever. Quando eu era pequena, só podia usar tinta vermelha ou nenhuma tinta (só o sulco da tecla no papel), porque a fita era cara. Mesmo assim, escrevi inúmeros romances mirabolantes sobre times de vôlei e tartarugas detetivescas, alguns ousadamente transparentes.

Comente um pouco seu livro O livro amarelo do terminal. De onde veio a idéia e do que ele trata? 

É uma coletânea de crônicas e reportagens sobre a Rodoviária Tietê, escritas originalmente como trabalho de conclusão de curso de jornalismo, em 2003. Na época, eu queria escrever sobre as ruas de São Paulo, mas precisava de um foco. Então pensei na rodoviária, que não passa de uma grande rua onde as pessoas estão sempre partindo, chegando, trabalhando e tirando um cochilo em cima de suas bengalas, à espera do ônibus. O terminal tem as mesmas contradições da metrópole: a modernização, o movimento repetitivo dei vai-e-vem, a inconstância, a idéia de massas; e, por outro lado, a sensação de não-pertencimento, a vontade de retornar ao lugar de partida, o anacronismo – aquilo que nunca muda.

Você transita bem em ficção e também em não-ficção. Qual a diferença entre as duas escritas? A realidade é tão interessante quanto a ficção?

Em reportagem, aprendemos a escrever de uma forma limpa e direta, e entendemos como encadear as coisas num texto minimamente legível. Em ficção, está tudo liberado – mas é preciso ter um olhar específico, um foco em determinadas coisas que se aprende com o jornalismo. As duas são complementares.

 

ENTREVISTA

Você é repórter da piauí, e trabalha também como revisora para boas editoras. Como essas atividades contribuíram para O livro amarelo do terminal?

Além de revisora, eu sou tradutora da Companhia das Letras e da CosacNaify. Considero os trabalhos de revisão e tradução essenciais pra quem quer escrever porque, a partir deles, você aprende as técnicas dos escritores, o ritmo, as saídas de cada um, as construções. As matérias para a piauí também me ajudam muito. Principalmente porque eu me deparo com uma situação real e tenho que encontrar a melhor forma de descrevê-la.

Usar a técnica literária para narrar fatos reais foi comum no século XIX. Autores como Balzac, Flaubert, depois Zola, só pra ficar nos franceses, trabalhavam assim. Seu estilo é bem detalhista, realista como o deles. São escritores que freqüentam suas estantes? Que outros autores tiveram influência sobre você?

Gustave Flaubert é meu escritor preferido: Bouvard e Pecuchet  e Madame Bovary são os melhores. Além dele, gosto muito de Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, J. D. Salinger. Também gosto de livros mais diferentes como Alice, de Lewis Carroll, Tristram Shandy, de Lawrence Sterne, e Armadilha para Lamartine, de Carlos & Carlos Sussekind.

Quais livros você traduziu?

Traduzi Cabeça tubarão, de um autor contemporâneo chamado Steven Hall, que é incrivelmente bom, Breakdowns, uma graphic novel do Art Spiegelman, nem preciso comentar, e também Três vidas, da Gerturde Stein, que são três contos sobre três mulheres diferentes. Você acaba aprendendo na tradução porque vai construindo o texto com o autor, se depara com as saídas que ele teve, aprende a construir a narrativa. O último romance que traduzi é sobre um personagem esquizofrênico, de um autor jovem chamado John Wray. Ainda não foi publicado.

Que dica você daria para outros jovens jornalistas acostumados com a reportagem do dia a dia, mas desejosos de melhorar a escrita?

O principal mesmo é ler bastante, de livros clássicos até folhetos de astrólogas que trazem a pessoa amada em dez dias. E ir escrevendo sem pressão o que der na telha, com liberdade.

Fora isso, oficinas literárias sempre ajudam, não é?

São interessantes, mas para mim, outras coisas são melhores. Cursos de literatura, de sapateado, astronomia e filmes às vezes ajudam mais.

Como foi escrever a quatro mãos O verão de Chibo, com Emílio Fraia?

Foi uma espécie de jogo que durou dois anos. A gente trocava trechos do livro por email e ia construindo a trama, os personagens, tudo a quatro mãos. No final, tentamos apagar os limites do que era de um e de outro, para resultar um texto e uma história coesos. Foi uma experiência bem interessante que acabou dando certo, depois de muitos percalços.

Como representante de uma nova geração de escritores, você teve uma bela estreia. O que você imagina daqui pra frente, para impulsionar sua carreira?

Meu próximo livro é sobre um menino que perdeu a nuca e se chama O livro negro da cócora. Não! É brincadeira! Ainda não sei o que vou fazer daqui pra frente, mas quero continuar escrevendo tanto crônica como literatura, até ficar bem velhinha.

 

JOGO RÁPIDO

O que você está lendo?

A demanda do Santo Graal, uma edição portuguesa do Heitor Megale. É engraçadíssimo. Recomendo.

O que pretende ler?

A consciência de Zeno, de Ítalo Svevo, que todo mundo me diz pra ler. Pessoas diferentes me dizem que eu vou adorar, que é uma história maravilhosa.

O que você recomenda dos autores estrangeiros que estiveram na Flip?

Rosencrantz e Guildenstein, do Tom Stoppard, e Sandman, do Neil Gaiman. A boa história em quadrinhos não perde em nada pro melhor romance.

Obra ou autor que mudou sua forma de enxergar o mundo

J. D. Salinger. Comecei a ler todos os livros dele em seqüência. Ele tem uma visão peculiar dos personagens, uma forma diferente de apresentá-los e de narrar. Mudou a minha escrita e a minha forma de enxergar o mundo.

Romance do Coração

O jogo da amarelinha, de Julio Cortázar. Mas eu prefiro Histórias de cronópios e famas.

Literatura indispensável

Toda aquela que você está lendo no ônibus e depois que desce no ponto, não consegue parar e continua a ler andando.

Escritores da nova safra

Antonio Prata, Chico Mattoso, Emilio Fraia e Fabrício Corsaletti.

Da velha guarda

Franz Kafka, Edgar Alan Poe e Miguel de Cervantes.

Gênero predileto

Crônica e romance.

Cronista essencial

Rubem Braga.

Uma descoberta recente

Tia Júlia e o escrevinhador, de Vargas Llosa.

Cesta básica

Dom Quixote, de Miguel de Cervantes; Madame Bovary,de Gustave Flauber; Tom Sawyer, de Mark Twain; O coração das trevas, de Joseph Conrad.

Uma frase

Acho muito engraçado uma passagem do romance do Tolstói, quando a Anna Karenina recebe o marido dela na estação de trem e pensa: “Meu Deus! Por que lhe terão crescido tanto as orelhas?”. É a única coisa que ela consegue pensar quando se encontra com ele.

Cinco horas com Raul Gil

Posted: 24th outubro 2010 by Vanessa Barbara in Crônicas, Folha de S. Paulo, TV
Tags: , ,

Conta-se que o iogue Swami Maujgiri Maharaj passou 17 anos em pé, entre 1955 e 1973, escorando-se numa tábua apenas para dormir. Mais ou menos nessa época, o faquir Mastram Bapu plantou-se num lugar, sentado, à beira de uma estrada no vilarejo de Chitra (Índia), por mais de duas décadas.

Em busca de iluminação existencial e de uma compreensão superior do mundo, propus-me a assistir, na íntegra, o Programa Raul Gil deste sábado (SBT, sáb., 14h15 às 19h15).

O programa, com a duração de cinco horas, foi inteiramente dedicado às crianças. Tanto os calouros quanto os jurados eram café-com-leite: segundo apuração interna, a média de idade era de 8,3 anos.

Bloco após bloco, hora após hora, o espectador acompanhou a performance de crianças excessivamente artísticas, daquelas que dizem “eu sou criança”, que sorriem para as câmeras e estão sempre na moda. Entre elas, a assistente de palco Yasmin, que faz sucesso ao repetir errado as falas de Raul Gil – levando o apresentador a usar palavras difíceis de propósito.

A única exceção era Guilherme, um moleque tranquilo que tocava cavaquinho e teve que responder para Yasmin que não, não era casado. Ele não dançou, não fez micagens e não tentou ser espirituoso, limitando-se a tocar seu instrumento. Deu de ombros quando uma das juradas elogiou seu figurino. “A apresentação dele foi ex-ce-len-te”, ressaltou a loirinha de 7 anos, qualificando-o de impecável.

Sua presença, porém, foi logo substituída pela de um papagaio gigante, um cachorro azul, centenas de balões e um minicover do Elvis. Uma cantora gospel entrou para gritar os versos: “Como Zaqueu, quero subir o mais alto que eu puder”. A certa altura, dezenas de artistas felizes ocupavam o palco, pulando, cantando e sacudindo os braços, como se não houvesse tristeza no mundo.

De sua parte, Raul Gil parecia cansado e impaciente, repetindo as mesmas palavras para os calouros-mirins: “potencial”, “sucesso” e “talento” foram as mais usadas, e a expressão “todos são vencedores” apareceu umas boas dez vezes.

“Depois de passarem oito meses conosco [na competição], o máximo que a gente pode fazer por vocês é prestar essa homenagem”, ele diz, num ato falho. O calouro agradece.