Em 28 de novembro de 2009, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) invadiu o reality show A fazenda, dando prosseguimento à sua política de ocupação de latifúndios improdutivos. Assim que chegaram, com transmissão ao vivo e em rede nacional, os militantes fizeram um pronunciamento à imprensa: “Não descansaremos enquanto uma real alternativa de mudança não for forjada, sem ilusões e nem conciliação de classe. Somaremos ação e pensamento na construção de um país justo, soberano, democrático e socialista. Contra o neoliberalismo e o agronegócio”. O apresentador Britto Jr. aprovou a estratégia de jogo dos novos participantes: “Mandaram bem, né?”.

Na revolução televisionada, a primeira providência foi convocar uma assembleia para definir como se daria a divisão do lotes e o esquema de alimentação, trabalho e segurança no assentamento. Para a coordenadora do núcleo de base Rosa Luxemburgo, seria preciso organizar primeiro o setor da produção de hortaliças, instituindo uma meta de 100 talos por semana para garantir a autossustentação da unidade. Insatisfeita, a celebridade Cacau Melo pediu a palavra: “O Xuxa não quer ajudar com a louça”, dedurou, saindo imediatamente para brincar com Engels, o novo cão da fazenda. Uma subcomissão diplomática foi enviada para resolver a contenda.

Discutidas as prioridades do assentamento, Britto Jr. convidou a todos para um desafio de formação política, em que se avaliou a familiaridade dos peões com as formulações teóricas do marxismo clássico. Houve um desentendimento entre MC Leozinho e o militante Zé Rufino no que tange à questão agrária segundo Plekhanov, Kautski e Lênin, discussão que acabou em troca de obscenidades e beliscões. Após a prova, Sheila Mello foi escolhida para a eliminação. “Me confundi quando me perguntaram sobre a tese ortodoxa da inviabilidade da pequena propriedade camponesa. Achei que ele estava falando de outra coisa”, explicou a ex-loira do Tchan. Seus colegas tentaram consolá-la, mas a dançarina não conseguiu conter as lágrimas. “Vou ser expulsa das frentes de trabalho!”, exclamou, de biquíni, diante das câmeras.

Os dias que se seguiram foram de muito trabalho na lavoura, cuidados com os galináceos e bronzeamento compulsório. O fazendeiro da semana, Maurício Manieri, foi duramente deposto por setores do campesinato que elegeram um Conselho Deliberativo, responsável pela fiscalização das atividades contábeis, administrativas, financeiras e produtivas do acampamento. Aos poucos, o plantio de hortaliças começou a dar resultados. Houve, porém, um incidente grave: a celebridade Adriana Bombom confundiu agrião com rúcula e acabou arruinando uma colheita de dez hectares. “É tudo planta, né?”, justificou-se, e foi imediatamente eliminada do programa. Entre os restantes, instaurou-se a dúvida de que o movimento estaria se tornando stalinista.

À noite, organizaram-se festivos cursos de formação político-ideológica, enlevados pelo espetacular aumento de 40% na colheita. A Fazenda, agora, possuía um setor de autossustentação, ao qual se vinculavam a horta, a produção de leite e o cultivo de produtos destinados ao consumo próprio. Além disso, a piscina foi transformada em caixa d’água e as celebridades foram proibidas de passar protetor solar nas costas dos companheiros de luta. A prova final acontecerá após uma experiência agrária quinquenal, quando os espectadores saberão quem é mais hábil no manejo da terra. O vencedor ganhará um lote na fazenda de Fernando Henrique Cardoso.

Resenha Jornalismo B

Posted: 19th novembro 2009 by Vanessa Barbara in Clipping
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Site Jornalismo B
19 de novembro de 2009

por Luiza Monteiro

Recentemente terminei um dos tesouros obtidos este ano na Feira do Livro de Porto Alegre: trata-se de O Livro Amarelo do Terminal, da jornalista Vanessa Barbara, editado pela excelente Cosac-Naify.

Repórter da revista Piauí, Vanessa se infiltrou no Terminal Tietê de bloquinho na mão, disposta a captar impressões, dados e histórias do local, sua construção, seus funcionários e as milhares de pessoas que nele embarcam e desembarcam cotidianamente.

Se o uso da expressão “se infiltrou” na frase anterior parece despropositado (sendo o Terminal um bem público), quem lê o livro vê que é bem isso: Vanessa preocupou os departamentos de assessoria de imprensa e Relações Públicas e enfrentou dificuldades, inclusive, por não estar ligada a nenhum grande veículo- tudo isso aparece n’O Livro Amarelo. Os telefonemas a inúmeros departamentos (cada um deles redirecionando a outro departamento), os dados que “são públicos mas são privados”. E, com ironia, a “ficha de geração de matéria automática” da assessoria.

Aparece a história de Marcos, “a voz mais bonita do terminal”, que interrompe conversas pra anunciar pelo rádio a necessidade de comparecimento dos funcionários a um determinado balcão ou uma criança perdida perto do quiosque de informações. E de Rosa, que jura que a Marinha Britânica está vindo para levá-la pra longe do caos paulista. O Natal dos migrantes. A faxineira Augusta. As onipresentes freiras e pranchas de surfe.

Há também algo que se aproxima da reportagem clássica, com farta consulta a arquivos de jornais e documentos, reconstruindo a história novelesca da construção do Terminal Tietê e a imagem popular (remontada a partir de letras de músicas de sucesso à época) desse processo.

Popular, governamental, público, privado, histórico, atual, urbano, rural, factual, imaginário: tudo isso se funde no livro de Vanessa. O tipo de livro que explica por que, com todas as dificuldades que ela apresenta, eu continuo amando a profissão.

Cosac Naify
05 de novembro de 2009

A Cosac Naify comemora mais seis estatuetas na 51ª edição do Prêmio Jabuti. A cerimônia de entrega foi realizada ontem, na Sala São Paulo, na capital paulista.

A editora, que já tinha 20 indicações para o prêmio deste ano – um recorde em sua história de títulos selecionados – trouxe para casa os troféus de 1º lugar na categoria Reportagem, com O livro amarelo do Terminal, de Vanessa Bárbara, os 1º e 2º lugares na categoria Juvenil, respectivamente para O Fazedor de Velhos, de Rodrigo Lacerda, e Cidade dos deitados, de Heloisa Prieto (da coleção Ópera Urbana, com ilustrações de Elizabeth Tognato; uma coedição Edições SESC-SP), e também o 1º lugar na categoria Capa para Moby Dick, de Herman Melville, criação da designer Luciana Facchini [conheça o site especial do livro aqui].

Também foram premiados O santo sujo – a vida de Jayme Ovalle, de Humberto Werneck (3º lugar em Biografia) e a tradução de Satíricon, de Petrônio, realizada por Claudio Aquati (2º lugar).

O “Livro do ano”, na categoria Ficção, ficou para o romance de Moacir Scliar, Manual da paixão solitária(Cia. das Letras); a obra vencedora, Não-ficção, foi Monteiro Lobato: livro a livro (Editora Unesp/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo), de Marisa Lajolo e João Luís Ceccantini.

O que Petrônio diria aos convidados na Sala São Paulo, na entrega do prêmio Jabuti? Claudio Aquati responde.Humberto Werneck seria capaz de um arroubo kerniano, como devolver o prêmio, como Sartre fez com o Nobel? Descubra aqui

Como Vanessa Barbara pretende alimentar seu jabuti? Veja a receita.

Confira detalhes dos livros clicando sobre os links abaixo:

Moby Dick,
de Herman Melville
Melhor capa [1º lugar], projeto gráfico de Luciana Fachinni

O livro amarelo do Terminal,
de Vanessa Barbara
Melhor reportagem [1º lugar]

O santo sujo – a vida de Jayme Ovalle,
de Humberto Werneck
Melhor biografia [3º lugar]

Satíricon,
de Petrônio
Melhor tradução [2º lugar], com tradução de Cláudio Aquati

O Fazedor de Velhos,
de Rodrigo Lacerda
Melhor juvenil [1º lugar]

Cidade dos deitados,
de Heloisa Prieto (texto) e Elisabeth Tognato (ilustrações)
Melhor juvenil [2º lugar]. Coedição: Edições SESC-SP

A menina e o Jabuti

Posted: 29th outubro 2009 by Vanessa Barbara in Clipping
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Canto dos Livros
29 de outubro de 2009

por Rodrigo Casarin

vanessa
Nino Andrés/ Cosac Naify

Com apenas 27 anos, ela já integrou mesa de discussão na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) e, em 2009, levou para casa o prêmio Jabuti na categoria Reportagem com O Livro Amarelo do Terminal. Falo de Vanessa Barbara, que se formou em jornalismo pela Cásper Líbero, apresentando como TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) exatamente a obra que mais tarde lhe valeria um troféu em forma de tartaruga. A escritora, que está abandonando a carreira jornalística para se dedicar exclusivamente a textos de ficção e trabalhos de tradução, concedeu por e-mail para o Canto dos Livros a bem-humorada entrevista abaixo, onde, dentre outras coisas, relata como começou sua paixão por pudim.

Canto dos Livros: De onde surgiu a idéia de falar do terminal do Tietê?
Vanessa Barbara: Queria fazer um livro sobre as ruas de São Paulo, mas teria que falar de calçadas, semáforos e meios-fios, o que me deixaria imensamente avoada, então acabei escolhendo a rodoviária porque é o lugar que mais se parece com a rua. O terminal traz histórias que ilustram contradições da metrópole: a modernização, o movimento repetitivo das pessoas que vão-e-vêm, a inconstância, a idéia de massas; e, por outro lado, a sensação de não-pertencimento, a vontade de retornar ao lugar de partida, o anacronismo dos personagens, a permanência – aquilo que nunca muda.

Canto dos Livros: Como foi o processo de apuração e redação d’O Livro Amarelo do Terminal?
VB: Foi uma apuração de aproximadamente um ano, durante o qual vivia apavorada. O que mais me incomodava, além dos entraves burocráticos, era a minha completa inaptidão para conversar com as pessoas. Às vezes eu ficava em silêncio ao lado de algum entrevistado vendo os ônibus passarem, por puro pânico e falta de perguntas. Isso às vezes era uma vantagem, porque o sujeito acabava falando qualquer coisa que lhe viesse à mente.

Já a parte da redação foi mais tranquila e correu bem. De início, seria um livro de crônicas, mas os textos foram saindo num gênero mais híbrido e, como no formulário de inscrição dos TCCs não havia a opção “crônica”, acabei me rendendo ao formato de reportagem.

Canto dos Livros: O livro tem forma e linguagem que foge totalmente do que vemos na grande imprensa e do que é ensinado nos cursos de jornalismo. Como ele foi recebido pelos professores e avaliadores do seu TCC?
VB: Meus orientadores, Marcelo Coelho e Welington Andrade, gostaram bastante do trabalho e me deram liberdade para fazer o que eu bem entendesse. A banca avaliadora era formada por Sérgio Alcides, Flávio Lobo e Nanami Sato, que a propósito caiu da cadeira logo no início da apresentação – mas não porque estivesse impressionada com o trabalho, como se poderia supor. De qualquer forma, eles gostaram do livro, me deram nota 10 e sugeriram algumas alterações, que mais tarde acabei incorporando.

Canto dos Livros: O seu livro se encaixa nos preceitos do Jornalismo Literário. Em algum momento você se preocupou com que o livro se encaixasse neste “rótulo”?
VB: Jornalismo Literário não é nada mais do que escrever não-ficção usando uma técnica narrativa de ficção. Não é intrinsecamente bom ou mau, é uma técnica. Se for malfeito, pode ser tão ruim quanto uma matéria convencional mal apurada. Como falei, tentei misturar o estilo mais convencional com um tom de crônica, sabe-se lá Deus por quê.

Canto dos Livros: Qual era a sua expectativa para o Jabuti e o que ganhar este prêmio representa para você?
VB: Não achava que um livro totalmente amarelo pudesse vencer o Jabuti, mas veja só que surpresa. É um livro incomum, diferente e um tanto experimental, então fiquei surpresa de ver que uma coisa esquisita assim também podia ganhar prêmios. Acho que os jurados se convenceram ao tomar conhecimento de uma frase do John dos Passos (“Repara no amarelo, é lindo”) e de outra do Van Gogh (“Como é agradável o amarelo! Ele simboliza o sol”).

Canto dos Livros: Você já participou de mesa na Flip e levou um Jabuti com 27 anos. Como uma jovem é recebida no meio literário, cujas pessoas costumam ser mais velhas?
VB: Tenho 27, mas sou a mais idosa das escritoras. Gosto de usar pijamas, de escrever com uma manta xadrez nos joelhos e até hoje não aceito a reforma ortográfica de 1971, aquela que aboliu a maioria dos acentos diferenciais, como o de flôres e de agôsto. Aos 30 anos, estarei nas ruas protestando contra as discotecas, esses templos de licenciosidade pagã.

Canto dos Livros: Você já está trabalhando em algum outro livro? Sobre o que será? Já tem previsão de lançamento?
VB: Estou escrevendo uma história em quadrinhos em parceria com o ilustrador Fido Nesti, que se chama A máquina de Goldberg. Tenho um livro infantil que vai sair ano que vem pela editora 34, ilustrado pelo Andrés Sandoval, que se chama Endrigo, o escavador de umbigo. E estou escrevendo um romance, mas esse é segredo.

Canto dos Livros: Quais são as suas principais referências literárias?
VB: Para o Amarelo, li alguns jornalistas e escritores como Joseph Mitchell, Gay Talese, Truman Capote, Hemingway, John dos Passos, João do Rio, Rubem Braga, Luis Fernando Verissimo, George Orwell, Charles Dickens e até um quadrinista, o Will Eisner. Na literatura de ficção, gosto de Flaubert, Cortázar, Borges, Kafka, Campos de Carvalho, Cervantes, Sterne, Drummond, Poe, Svevo e Lewis Carroll.

Canto dos Livros: É verdade que você quer parar de escrever não-ficção? Por quê?
VB: Como ficou sabendo? Sim, é verdade. Dei um tempo no jornalismo porque tenho muita dificuldade de fazer a apuração, de conversar com as pessoas, e percebi que ficava cronicamente apavorada com a obrigação de fazer isso. Então, decidi me dedicar mais a ficção, crônica e tradução. Também reviso legendas de filmes em polonês.

Canto dos Livros: De onde vem e como você lida com o seu fascínio por pudim?
VB: Começou em 1984, quando eu estava ocupada mastigando os meus próprios dedos e de repente me deparei com um grande e translúcido pudim. Meus preferidos são os de leite, mas os de laranja também são dignos de nota e – por que não? – os flans de chocolate e de ameixa têm um espaço cativo no meu coração. É tudo questão de consistência e da qualidade dos ovos.

O clã do Jabuti – Reportagem

Posted: 23rd outubro 2009 by Vanessa Barbara in Clipping
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Blog da Cosac Naify
23 de outubro de 2009 às 17:34

Se o nadador recordista Cesar Cielo fosse um livro,  e se esse livro fosse amarelo, sem dúvida seria esta reportagem, que vem granjeando prêmios no Brasil e no mundo.

Sentada à janelinha de seu Livro amarelo do TerminalVanessa Barbara já faturou o prêmio da APCA e emplacou o primeiro lugar no Jabuti, ao lado (ou melhor, um passinho à frente) de veteranos de grosso calibre como Zuenir Ventura.

O projeto das designers Maria Carolina Sampaio e Elaine Ramos foi um dos 50 livros de 2008 destacados pela AIGA, a associação americana de designers, em Nova York. O papel de impressão é aquele amarelinho, usado em bilhetes rodoviários. Na balbúrdia tipográfica criada pelas designers, Elaine enfim encontrou uma utilidade para sua vasta coleção de passagens de ônibus e congêneres: reproduzir graficamente, sem usar uma única foto, a aparente anarquia do Terminal Tietê.

O livro inaugurou uma nova série de jornalismo na Cosac Naify, mas ao mesmo tempo se filia à linha de literatura da editora (pelos recursos que toma emprestados da ficção), e é primo-irmão dos livros da Coleção Particular, que reúne edições experimentais de grandes textos de ficção.

Afeita a atividades de natureza vária, como o cultivo de hortaliças, o volibolismo, a tradução literária e a digitalização da enciclopédia O mundo pitoresco, a pequena notável dedica-se antes de mais nada a promover os encantos de seu rincão natal, o plácido bairro paulistano do Mandaqui. Foi lá, nas imediações do Bar do Firmo, que conheceu o escritor Emilio Fraia, com quem tentou encontrar um vibrafone e assinou, no mesmo 2008 do Livro amarelo, um romance a quatro mãos: O verão do Chibo.

Trocadilhos tolos e conduta absurda à parte, o que faz esta reportagem ganhar prêmios e fisgar tantos leitores? É possível arriscar alguns palpites.

Um deles: dos melhores repórteres, Vanessa Barbara herdou o olhar serendipitoso, a disponibilidade para escutar. Dos melhores ficcionistas, o humor, a liberdade na linguagem e a habilidade para tratar um tema social — o povão da rodoviária — sem idealizações ou caricaturas.

Será isto o tal jornalismo literário?

Veja abaixo um pouco do pensamento vivo de nossa premiada.

O seu Livro Amarelo do Terminal já ganhou o prêmio da APCA de Melhor Livro-Reportagem, foi selecionado pela AIGA entre os melhor livros de 2008 e agora leva o Jabuti de Reportagem. Em quanto tempo pretende receber a Ordem do Cruzeiro do Sul?
Tenho cá para mim que a Ordem do Cruzeiro do Sul virá naturalmente, assim que eu receber ao mesmo tempo o prêmio Nobel e o IgNobel pelo conjunto da minha obra. Será por conta da sequência do Livro Amarelo, a Trilogia O Livro Bege da Plataforma PetrolíferaO Livro Magenta dos Paraísos Fiscais e O Livro Ocre do Mandaqui.

Como responde aos rumores de que será lançada uma edição comemorativa de seu livro, adaptada à reforma ortográfica de 1943?
Estou na expectativa – finalmente poderemos acentuar com galhardia as palavras flôres, pilôto, côr e agôsto. Dou fé aos rumores e prometo fazer o máximo possível para que a edição comemorativa saia antes do próximo aniversário da Socicam, que na edição será grafada “Socicão”.

Como pretende alimentar seu Jabuti? Corre à boca pequena que você já está munida de ração especial para quelônios.
São crustáceos desidratados que ganhei do Cassiano. Mas aposto que o jabuti Jacinto será adepto da carne moída crua, como todo bom mandaquiense no exílio.

Quando publicaremos um texto seu exclusivo para o Blog da Cosac Naify?
Em breve, em breve. Agora estou de férias, dando a volta ao mundo de patins.

A moça do Livro Amarelo

Posted: 7th outubro 2009 by Vanessa Barbara in Clipping
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Boteco Sujo
7 de outubro de 2009

por  Fausto Salvadori Filho

 

Admiração é para pessoas dignas e respeitáveis. Gente desqualificada como eu tem mesmo é inveja. E uma figura que eu invejo é Vanessa Bárbara. Não porque ela seja escritora premiada com o Jabuti, colunista do Estadão e repórter da Piauí, tudo isso aos 27 anos. O que eu invejo mesmo é o texto da mina.

O Gerador Automático de Reportagens aí de cima (clique para ler inteiro, vale a pena), uma tiração de sarro com os jornalistas que escrevem sempre as mesmas matérias sobre o terminal Tietê, é um dos muitos achados d’O Livro Amarelo do Terminal, que na semana passada levou um merecido Jabuti na categoria de melhor reportagem. Isso é o livro: uma fuga de tudo o que seja fórmula ou lugar-comum. Vanessa sempre escolhe as formas mais inusitadas para narrar esse perfil sobre a rodoviária do Tietê e as figuras que circulam por ali. No texto dela, o terminal é uma Macondo de histórias fascinantes e personagens surpreendentes.

— Sempre procurei escrever minhas matérias do jeito mais diferente — ouvi Vanessa contar numa palestra sobre “jornalsmo literário” na Livraria da Vila. (A maioria das redações e faculdades de jornalismo busca exatamente o contrário, obrigando profissionais e estudantes a encaixar as informações sempre dentro dos mesmos escaninhos textuais, mas isso é para outro post…).

E Vanessa não cai nas armadilhas que costumam atacar muitos que se metem a fazer o tal do “jornalismo literário”. Acontece que o texto criativo de Vanessa não é uma roupinha frufru para esconder a apuração deficiente. É parte integrante (não pode ser vendida separadamente) dos sentidos da autora: um olhar para as crianças que brincam diante de pais sonolentos nas cadeiras do terminal; um par de ouvidos para as histórias de carnes inchadas de vermes carregadas em malas e velas acesas dentro de gavetas para o cumprimento de promessas.

E o livro também não cai na superficialidade, outro pecado geralmente associado ao jornalismo literário mal compreendido. Não é só uma crônica esticada sobre o Tietê, fruto de alguns passeios pelo lugar e meia dúzia de entrevistas com a galera. O capítulo mais extenso é uma longa história sobre a construção do terminal, baseada em centenas de matérias de jornais e documentos oficiais empoeirados. Vanessa transforma essa narrativa histórica num conto surrealista cheio de humor e lances inusitados, entremeado por trechos de canções do período.

Eu invejo Vanessa Bárbara, mesmo ela tendo dois nomes e nenhum sobrenome. Aliás, se sobrenome tivesse, poderia ser Talese. Ou mesmo Eisner.

Francamente, dr. Pathaday!

Posted: 1st outubro 2009 by Vanessa Barbara in esquinas, Reportagens, Revista piauí
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AH1293467961x04411Piauí n. 37
Outubro de 2009

por Vanessa Barbara

Programa de ginástica por correspondência faz repórter crescer 1 centímetro

“Você mede menos de 168 centímetros? Acredite: Eu sei como você se sente!”, anuncia o folheto distribuído numa esquina do Itaim, bairro rico de São Paulo. E vai além: “Eu sei o que é estar apaixonado por alguém e ser trocado por outra pessoa – mais alta. Sei como é frustrante procurar emprego e ver que as melhores posições são sempre oferecidas para as pessoas mais altas.”

Segundo o panfleto, desde tempos imemoriais os indivíduos compridos são os mais valorizados e desejados, além de terem mais sucesso no amor e no sexo. Mas não se deve desanimar: mesmo depois dos 18 anos de idade, qualquer cristão pode aumentar sua estatura – é o que promete a publicação da Doutores Editora e Comércio de Livros Ltda.

“Sem mágica e nem truques, apenas ciência aplicada!”, afirma. Fortalecendo os músculos certos, o exclamativo manual garante ser possível dilatar a distância intervertebral e, assim, com apenas 2 milímetros a mais entre cada vértebra, ganhar 5 centímetros de altura. As promessas são notáveis: alguns leitores relataram um aumento de 7 cen-tímetros, outros de 15, após cumprir o exclusivo programa do dr. John Pathaday, o que “depende da carga genética, da resposta biológica e da disciplina de cada pessoa”.

O anúncio também enumera motivos para querer crescer: “as pessoas mais altas são mais respeitadas”, “a estatura é uma forma mais fácil de se destacar num grupo”, “pessoas mais altas são mais atraentes”, e, por fim, “as mulheres sonham com homens altos, capazes de protegê-las”. Tudo isso por apenas 45,80 reais no boleto bancário – frete já incluído. (O folheto ignora que Pablo Picasso,1,63 metro, Charles Chaplin, 1,62, Getúlio Vargas, 1,60, e o patrono dos baixinhos, Napoleão Bonaparte, 1,68, parecem nunca ter tido problemas com a autoestima.)

Ainda assim, uma repórter de piauí, que desde os 13 anos mede 1,60 metro de altura, encomendou o livro e passou a se exercitar diariamente segundo os preceitos do bom dr. Pathaday. O programa de atividades começou em 17 de maio com a leitura do primeiro capítulo – no qual se condenam o conforto supérfluo e a lassidão da vida sedentária. A primeira série consistia em dois exercícios de alongamento com dez repetições cada, e um terceiro em que se ficava na ponta dos pés e com os braços bem estendidos para cima durante 100 longos segundos. Nada que um tampinha bem motivado não consiga executar com galhardia.

A cada quinze dias, incluiu-se uma série diferente à rotina de alongamentos. Na segunda rodada, acrescentou-se uma vassoura. Na terceira, um exercício deitado no chão. A essa altura, cerca de 45 dias após o início dos trabalhos, a repórter subiu na balança da Drogaria Nebraska, no bairro de Santa Cecília, e continuava com 1,60 metro de altura. Havia, porém, engordado. Tinhosa, não desistiu.

Um dos exercícios da terceira série se revelou absolutamente incompreensível: “De joelhos e com os braços erguidos, estique o corpo, barriga, estômago e cabeça até os dedos das mãos. Flexione o corpo com a cabeça erguida; as costas, completamente retas, e os braços esticados no mesmo nível das costas, até tocar o chão, sentando-se sobre os calcanhares.” Impossibilitada de esticar o estômago até os dedos da mão, optou por pular essa fase.

A quarta série trouxe como novidade um exercício de sustentação das cócoras durante 100 segundos, além de outros dois alongamentos. À época, a repórter já gastava meia hora diária de estica e puxa, e começava a se irritar. “Há pessoas doentes por uma série de ideias perturbadoras que não têm outra origem a não ser uma imaginação doentia, produto de um egocentrismo sem limites”, alertou o dr. Pathaday. Era um aviso. “Nestes casos, a ginástica influi beneficamente, sempre e quando o indivíduo puser empenho e esforço em dominar sua vontade e reduzir sua imaginação.”

***

Nesse ponto, dois meses após iniciar os trabalhos, a repórter foi medir a altura. Surpresa: havia diminuído 1 centímetro. Dois meses de exercícios diários, sem pausas para o fim de semana, e o resultado era um ultrajante encolhimento corporal. Francamente, dr. Pathaday.

Com base no pensamento positivo e nas promessas de “graça e elegância”, e já se imaginando uma sílfide à la Uma Thurman, deu prosseguimento ao programa. Quase no fim de julho, foi a vez da quinta série, que devolveu à cobaia o centímetro perdido e inaugurou certos exercícios que usavam como apoio os degraus de uma escada. “Quanta beleza se pode conseguir utilizando uma escada”, suspira o autor. À página 55, dr. Pathaday foi firme: “É chegado o momento de canalizar energias e vontade, se não queremos viver o resto da vida dependentes do vidro de comprimidos como recurso pouco aconselhável para controlar os nervos.” Então foi hora de partir para os “exercícios juvenis de ginástica”, a sexta série, quando a promessa era atingir um bom funcionamento orgânico – o que quer que isso significasse.

Foi quando tudo ruiu: no final do mês de agosto, surgiram os temíveis “exercícios completos de grande elasticidade”, a série sete, quando o autor passou a chamar o leitor de “ginasta”. Sim, ginasta. Mediante movimentos rápidos, dizia o livro, o ginasta devia cumprir metas vigorosas que só Rocky Balboa conseguiria transpor. Também devia aderir à ducha fria. “Deitado no chão, faça respiração profunda em dois tempos; com movimento juvenil e dinâmico, valha a expressão, sente-se abrindo ao mesmo tempo as pernas e fazendo com que estejam esticadas ao máximo, ou seja, que os joelhos não se flexionem ao abri-las. Em seguida, baixe o corpo até tocar o chão com o queixo.” Tocar o chão com o queixo?

Francamente, dr. Pathaday. Três meses de alongamento juvenil e dinâmico foram mais do que suficientes para encerrar prematuramente a experiência, faltando as duas últimas séries de respiração para completar o treinamento. Restou à repórter seguir os conselhos do livreto-bônus e aderir à auto-hipnose para aumentar a estatura. “Através da hipnose, podemos reativar os hormônios do crescimento mesmo se já tivermos passado da idade normal”, garante o dr. Pathaday, ressaltando, porém, que isso “pode não parecer muito convincente”. No livreto, ainda há truques para aparentar ser mais alto enquanto se aumenta a estatura. “Vista-se confortavelmente e use cores lisas. Isso não só melhorará sua bela aparência, mas fará de você o centro das atenções aonde quer que vá.”

Já era quase setembro na Drogaria Nebraska quando a repórter resolveu medir-se pela última vez, para encerrar a peripécia. O resultado: crescera 1 centímetro. Agora media glorioso 1,61 metro. Quase que imediatamente, ao sair da balança, os homens passaram a notá-la com mais interesse, o pote de arroz ficou acessível no armário e a repórter foi promovida no emprego, pois, como diz o dr. Pathaday, “um corpo sadio trabalha mais e reclama muitíssimo menos”.

25 Mulheres

Posted: 23rd setembro 2009 by Vanessa Barbara in Clipping
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Revista Criativa
23/09/2009 – 20:05

Com seus dois primeiros livros lançados no ano passado, ela foi a convidada mais jovem da Festa Literária Internacional de Parati e foi eleita uma das 25 mulheres de destaque em 2008

Vanessa Barbara
escritora, 26 anos

Há seis anos, Vanessa Barbara confidenciou a um amigo que, ao completar 25 anos, deixaria de ser quem era para transfigurar-se em Deus. “Quero transformar o Atlântico numa sopa de letrinhas”, dizia. Talvez ela não tenha conseguido cumprir a primeira parte de seus planos (há divergências). Mas, no que se refere às letras, Barbara foi, em certa medida, oceânica. Um mês após deixar os 25 anos ela publicava, simultaneamente, duas obras de gêneros diferentes: o originalíssimo livro-reportagem O Livro Amarelo do Terminal (Cosac Naify) e o igualmente invulgar romance O Verão de Chibo (Alfaguara), este escrito com Emílio Fraia, como ela jovem talento do bairro paulistano do Mandaqui. Tradutora e repórter da revista piauí, ela tornou-se ainda, em 2008, a mais jovem convidada oficial da Festa Literária Internacional de Parati, e assumiu uma coluna no centenário jornal O Estado de S. Paulo.

(Cassiano Elek Machado é diretor editorial da Cosac Naify )

15/09/2009 – 02h00

ANAÍSA CATUCCI
colaboração para a Folha Online

Fotomontagem/Folha Online
Livro-reportagem de Vanessa Barbara reúne jornalismo e histórias sobre o terminal Tietê
Livro-reportagem de Vanessa Barbara reúne jornalismo e histórias sobre o terminal Tietê

 

O trânsito das ruas concentrado em um ambiente. A rodoviária do Tietê (zona norte) foi o lugar escolhido pela autora Vanessa Barbara, 27, para retratar o movimento das ruas de São Paulo. O vai e vem dos passageiros, motoristas, funcionários e outros personagens compõem o “O Livro Amarelo do Terminal” (Cosac Naify).

Tentando fugir do modo tradicional das entrevistas jornalísticas recheadas de perguntas direcionadas, Barbara sentava na rodoviária, ficava observando e deixava as pessoas conduzirem as conversas, fazendo uma viagem pelas histórias individuais relacionadas ao terminal.

Escolhido como um dos finalistas do 51º Prêmio Jabuti, o livro foi construído durante um ano, como uma proposta de trabalho de conclusão de curso de jornalismo e marcou a primeira publicação da autora.

Ouça trecho do livro “O Livro Amarelo do Terminal”, escolhido pela autora.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/podcasts/ult10065u617492.shtml

O teste do pijama

Posted: 1st setembro 2009 by Vanessa Barbara in esquinas, Reportagens, Revista piauí
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AH1293109127x339Piauí n. 36
Setembro de 2009

por Vanessa Barbara

Insônia e nariz entupido na pestana média do paulistano

No corredor, ajeitando a gravata de seda, um sisudo executivo de meia-idade falava sobre finanças ao ce-lular. A cena seria normal, não fosse um detalhe: debaixo do braço, ele trazia um travesseiro azul-bebê com borboletinhas estampadas. Quando a conversa acabou, o sujeito retornou à sala de espera, onde dezenas de adultos, crianças e famílias inteiras aguardavam para serem atendidas, cada um com seu travesseiro preferido: colorido, listrado, duro ou fofo, de pena de ganso ou de espuma (havia uma abundância de motivos florais). Também levavam mochilas com itens de higiene pessoal e um jogo de pijama. Estavam ali para um exame de sono.

No Instituto do Sono, na Vila Mariana, em São Paulo, cerca de oitenta pessoas fazem esse exame por dia (ou, mais precisamente, por noite), de domingo a domingo. A polissonografia, como é chamada, custa 800 reais e é coberta pelo sus e por alguns convênios. Consiste em dormir num quarto escuro enquanto técnicos observam o padrão de sono, a partir de uma sala de controle com monitores de tevê. Os aparelhos digitais analisam a atividade elétrica cerebral (eletroencefalograma), o movimento dos olhos (eletro-oculograma), a atividade dos músculos (eletromiograma), a respiração, a oxigenação do sangue (oximetria), a posição corpórea e a desagradável constância do ronco.

Às nove da noite de uma quinta-feira recente, os pacientes preencheram suas fichas e entraram no elevador que leva às salas de exame. Pais de família passaram a trocar impressões sobre seus hábitos noturnos. Como é impossível manter a compostura com um travesseirinho e um pijama em mãos, o jeito é abrir o coração ao insone mais próximo. “Eu não consigo dormir por nada nesse mundo”, queixou-se um homem de olhos puxados e olheiras profundas. “Já eu durmo muito bem”, garantiu um senhor meio gordinho, “é a minha esposa que não dorme. Ela diz que eu ronco…”

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Nos três últimos andares do edifício ficam os quartos individuais com televisão e banheiro. O colchão, alto e confortável, é observado por uma câmera no teto que impede o paciente de ceder ao ímpeto de subir na cama e dar saltos mortais. Antes de se recostar, é preciso preencher um extenso formulário sobre sonolência diurna, consumo de cafeína, higiene do sono, dependência de medicamentos e outros detalhes demasiadamente delicados, como xixi na cama e sudorese excessiva.

Às onze, um enfermeiro vem colar cerca de dez eletrodos na vítima. As ventosas são fixadas na pele e os fios se espalham por todo o corpo do paciente, inclusive nas pernas, barriga, rosto e cabeça (os eletrodos abaixo dos olhos são particularmente desconfortáveis). No dedo indicador, gruda-se, à base de fita crepe, um medidor de oxigenação do sangue. O enfermeiro fala um pouco de futebol, apaga as luzes e dá boa-noite. A turma pode dormir até as seis da manhã.

Consciente de seu dever de bem informar a sociedade brasileira, piauí enviou uma repórter atilada para dormir no Instituto do Sono. Jornalisticamente alerta, a repórter-paciente perdeu o sono, e passou mais de cinco horas acordada, pensando em todas as coisas do mundo em ordem alfabética – aipos, bolinhos, cambalhotas, dromedários etc. O vizinho de quarto tinha o nariz entupido e, em algum lugar, havia uma senhora com tosse. Fazia frio. Podia-se ouvir os técnicos na sala de controle conversando sobre o gol do Palmeiras. Para ir ao banheiro, era preciso tocar uma campainha e pedir que alguém viesse em socorro; alguns dos eletrodos eram removidos e arrastava-se um feixe de fios rumo ao reservado. De volta à cama, um silêncio triste e a desolação de quem não pode levantar para assaltar a geladeira. Nada de o sono chegar.

Lá pelas quatro da manhã, finalmente o cochilo. O primeiro estágio do sono fora superado e os belos sonhos começavam a dar o ar de sua graça. Mas a alegria dura pouco: os pacientes são acordados duas horas depois por um rancoroso enfermeiro que não aceita ser posto no snooze (“Só mais dez minutinhos.”). A avaliação chegara ao fim. É hora de levantar e se submeter a um vagaroso processo de retirada dos eletrodos.

Em seguida, a paciente vai congraçar-se com os colegas de exame num letárgico café da manhã oferecido pelo Instituto. Todos, sem exceção – o executivo, o das olheiras e o gordinho -, tinham as bochechas amassadas. Os resultados foram inconclusivos, já que não houve ocorrência de sono rem, apenas uma excruciante noite em claro. O relatório limitou-se a registrar os 321,5 minutos de vigília e os 83,5 míseros minutos entregues ao torpor. Pelo montante empenhado, mais valeria desfrutar a insônia em um quarto, ainda que com vista parcial para o mar, no Copacabana Palace.