Prêmio FNLIJ 2009 – Melhor Tradução
Posted: 10th junho 2009 by Vanessa Barbara in ClippingTags: literatura, tradução
The Freak Fido
Posted: 3rd junho 2009 by Vanessa Barbara in ClippingTags: Fido Nesti, graphic novel, HQ, Máquina de Goldberg, New Yorker, quadrinhos
Só diretoria
Posted: 1st junho 2009 by Vanessa Barbara in ClippingTags: Alfaguara, Livraria Cultura, O Verão do Chibo
Lagartas e outras distrações
Posted: 24th maio 2009 by Vanessa Barbara in Crônicas, Metrópole, O Estado de São PauloTags: lagartas, mandaqui
No meio do fechamento de uma matéria, ou de um prazo apertadíssimo, meu pai abria a porta do quarto e interrompia tudo para mostrar uma joaninha. Ele coletava os animais no jardim e vinha me mostrar nos horários mais inconvenientes, oferecendo um relatório dos hábitos diurnos dos bichos. Dava preferência às lagartas: acompanhava a evolução dos casulos, aparecia para contar as novidades e às vezes abrigava algum bom lepidóptero debaixo de uma folha, quando estava chovendo.
Em casa, surgiam vizinhos no meio da tarde pedindo para passar um fax a respeito de um álbum incompleto de figurinhas da Barbie. Ou um desconhecido vinha trocar sacolas de supermercado por pães de mel, sabe-se lá com que intenções. Alguns pediam ajuda para imprimir o currículo. Tocava-se a campainha pelos motivos mais diversos, e a gente emprestava escadas, livros, cebolas e chaves de fenda, às vezes nessa ordem, no mesmo dia e para a mesma pessoa.
Com isso, minha mãe acabou inaugurando um novo sistema de troca entre os habitantes locais – ela é uma espécie de Centro Local de Necessidades do Cidadão. Fulano está precisando de uma placa de rede para o PC ou de uma pedicure, ela encaminha às instâncias cabíveis e cuida para que todos fiquem satisfeitos. Sicrano não sabe o que fazer com quinze sachês de molho agridoce, ela encontra alguém que está precisando. Um dia deixaram um espelho no nosso jardim. A gente arrumou um destinatário imediatamente. Ela também coleta computadores de dez anos atrás, tenta consertá-los e implora peças com os profissionais do ramo, que ainda lhe dão dicas de eletricidade. E funciona 24 horas, vejam só.
Às vezes ela recebe um pão de calabresa em agradecimento, plantas, abacates ou uma posta de peixe. Já as freiras da região pagam em dinheiro e em orações – que ela pode pedir para terceirizar, quando sabe que outra pessoa está precisando.
Acabei me desviando do assunto; a questão é que, lá em casa, era difícil se concentrar em qualquer tarefa. A tarde era um constante ir-e-vir de gente descarregando coisas e telefonando, o que pode ser edificante quando não se tem que entregar um texto para anteontem. Trocavam-se incessantemente pilhas, panquecas, santinhos, agulhas de vitrola e programas de computador. Além disso, meu pai passava de lá pra cá com um radinho de pilhas colado ao ouvido esquerdo, desde a época da invenção do aparelho ou desde as 5 da manhã. Hoje, com a mudança para um bairro menos movimentado, há que se acostumar com o silêncio.
Mas nem tudo está perdido: minha nova vizinha acaba de ganhar um cachorro e vai precisar de jornais velhos para absorver os pormenores intestinais do animal – com todo respeito à perenidade e à relevância do trabalho periodístico –, portanto, agora teremos que montar um esquema diário para a exportação e importação dos jornais. Boa notícia. Espero que a vizinha de baixo goste de falar de lagartinhas.
O legado de Kudno Mojesic
Posted: 10th maio 2009 by Vanessa Barbara in Crônicas, Metrópole, O Estado de São PauloTags: automóveis, carros, Kudno Mojesic, transportes
“Foi demais para Kudno Mojesic”, anunciou o jornal Sunday Mirror. Em janeiro de 1976, em Belgrado, Kudno foi preso por atacar os automóveis da rua com um machado, aos berros: “Acabem com todos os carros, eles são obras do diabo!”. Daí pra frente, a situação só piorou: hoje os automóveis são a forma de vida dominante no planeta Terra, segundo O Guia do mochileiro das galáxias, e não há nada que o diligente Kudno possa fazer.
Em São Paulo, a frota de automóveis particulares chegou a 4,76 milhões, com uma taxa de ocupação de uma pessoa e meia por veículo. A cada mês, milhares de novos carros entram em circulação. Toda essa multidão, atordoada, decide dispor de seu direito de ir e vir geralmente ao mesmo tempo, provocando congestionamentos que já chegaram a 266 quilômetros, em maio de 2008 – a distância equivale a 3,325 milhões de potes de Yakult. Já a frota de ônibus não chega a 15 mil unidades, a oferta de linhas do metrô é insuficiente, andar de bicicleta é para gente ousada e os pedestres não fariam feio numa violenta partida de queimada.
A vida de quem não tem carro oscila entre longos trechos a pé e o “vai descer no próximo?”, num ônibus lotado que não avança há dez minutos. É verdade que às vezes grudamos a cara no vidro e damos bananas aos motoristas de carro, ao passarmos velozmente num corredor exclusivo. Mas isso é raro, e ninguém pode nos culpar. A média de tempo gasto com o deslocamento diário é de 33 minutos nos veículos individuais e 69 no transporte coletivo. Há casos em que o tempo de viagem no coletivo triplica, o que pode ficar realmente incômodo se você estiver de pé num 118C – Jardim Pery Alto, com uma sacola na mão direita e um vizinho decididamente tísico.
É por isso que, na esteira de Kudno, alguns tentam reconquistar as ruas. “Não estamos atrapalhando o tráfego, nós SOMOS o tráfego”, diz um movimento antiautomóveis. Há gente que veste os carros de porco para protestar, como ocorreu em Frankfurt, em 2007. Outros pedalam pelados pela avenida Paulista. Há ainda quem acople estruturas de arame em torno das bicicletas, ocupando o mesmo espaço de um carro. E há um alemão chamado Michael Hartmann, que se denomina o primeiro atropelador de automóveis do mundo. Ele sai pisando nas máquinas estacionadas na calçada, recusando-se a contornar os carros que estão no caminho. Levado aos tribunais, em 1995, foi sentenciado a pagar uma multa, porque, segundo o juiz, poderia desviar dos carros pela direita ou pela esquerda.
Foi então que, para orgulho de Kudno, ele resolveu andar no meio da rua e comer um pão em plena avenida, num ponto onde os automóveis também pudessem contorná-lo. Naturalmente, não foi bem recebido. “Não sou popular em Munique”, confessou, antes de ser internado num hospital psiquiátrico.
24 horas de TV Assembleia
Posted: 4th maio 2009 by Vanessa Barbara in Reportagens, Vice MagazineTags: política, sociedade, tortura, TV, TV Assembleia
Vice Magazine – May 2009
por Vanessa Barbara, translated by Peter Azen
versão em inglês: http://www.hortifruti.org/obra/?p=736
Em fevereiro de 2008, o senador Mário Couto (PSDB-PA) desceu da tribuna e se arremessou em direção ao rival Gilvam Borges (PMDB-AP), que devolveu o gesto com um empurrão. Antes de serem apartados pela cintura, trocaram vigorosos insultos verbais. “Vossa Excelência é safado”, esbravejou Couto. “Vagabundo”, revidou Borges. Em outra ocasião, a deputada Angela Guadagnin (PT-SP) protagonizou, em plena Assembleia Legislativa, uma animada dancinha comemorando a absolvição de um colega das acusações de corrupção. Entre as cadeiras do plenário, ela sacolejou com gosto e foi captada pelas câmeras da TV pública.
Foi a expectativa de topar com imagens dessa envergadura que levou à ideia de assistir 24 horas ininterruptas da TV Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, canal 7 da programação de cabo local. A empreitada teria início no sábado, 4 de abril, às 20h, e se estenderia até o domingo às 20h. Na palpitante agenda do fim de semana, seriam veiculadas sessões do parlamento paulista, debates sobre assuntos atuais, documentários de interesse público e programas voltados ao cidadão com insônia.
A repórter estava animada. Tomou um banho caprichado, vestiu seu melhor pijama e postou-se diante do sofá. “Dentro da inteligência mediana que Deus me deu…”, começa um deputado, de forma auspiciosa. Segue-se o primeiro debate da noite, em que dois sujeitos de sapatos lustrosos explicam em minúcias a situação da economia agrária na cidade de Jundiaí. A certa altura, defendendo-se dos protestos populares contra a instalação de uma cadeia na cidade, o deputado declarou: “Isso já está superado, do ponto de vista que já está instalado”.
Às 20h15, o tema era a carência de recursos hídricos em Jundiaí. Às 20h31, o assunto foi subitamente encerrado e teve início um programa sobre a varonil cidade de Campinas, quando a repórter que vos escreve, num acesso de loucura, decide tirar fotos do próprio pé (fig. 1). “O amanhã já chegou em Campinas”, exclamava o locutor, enumerando os marcos científicos e culturais da localidade paulista. O programa terminou às 20h56, após cenas de uma seresta no coreto da praça principal e uma ode à “cordialidade e amistosidade [sic]” dos locais. Em seguida, toda a atenção foi para um comercial institucional orientando os munícipes a tirarem dúvidas presencialmente no Centro de Atendimento ao Cidadão, localizado no subsolo S-46 da Assembleia Legislativa.
21h03 – O deputado Aldo Demarchi (DEM) se dirige àqueles que acompanham o trabalho da assembleia pela televisão (a repórter olha para os lados) e afirma que aprendeu muito “com respeito a respeitar o direito dos cidadãos”.
21h16 – Terceira ocorrência da elegante construção “onde que”, em frases do deputado.
21h19 – “São Paulo é uma pérola”, diz o deputado, chacoalhando seu relógio dourado de pulso. O apresentador interrompe com uma pergunta sobre o plantio intensivo de gramíneas no interior.
21h25 – A essa altura, o debate versa sobre frangos de corte e o sujeito que trouxe a semente do eucalipto da Austrália.
21h29 – Anotação importante: ao que tudo indica, o senhor deputado tem o mindinho torto.
21h32 – Começa um documentário sonífero sobre o rio Tietê, que em meia hora de duração fala sobre os indígenas, o Descobrimento e a etimologia da palavra Tietê, “o mais paulista dos rios”, “onírico” e “teimoso”. Às 21h48, a repórter pede uma pizza por telefone. A expressão “borda de catupiri” ganha contornos verdadeiramente oníricos. É findo o documentário, ao som de gemidos abafados de desespero.
22h01 – Debate sobre a inspeção ambiental veicular. Às 22h06, primeira pausa para fazer xixi. A repórter anota mentalmente: “Parece setembro”.
22h34 – Chegada da pizza.
22h36 – A programação da TV Assembleia atinge seu ápice com o seguinte pronunciamento de um deputado: “A prioridade mais prioritária exclui a prioridade menos prioritária. Isso é lógica. Isso é elementar.” O público vai ao delírio.
22h46 – A repórter ameaça ir ao cinema, mas continua anotando furiosamente os melhores momentos do debate sobre a inspeção veicular.
22h57 – O deputado Barros Munhoz (PSDB), presidente da Assembleia Legislativa, ganha os primeiros elogios de seus pares, sendo chamado de “camarada” e “pessoa excepcional”. Até o fim deste experimento, certamente terá alcançado o status de deidade.
23h01 – “Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos”, diz a deputada Célia Leão (PSDB), abrindo a sessão solene de homenagem a uma associação de ajuda a portadores de Síndrome de Down. O evento irá “marcar nos anais desta augusta casa de leis um trabalho de envergadura…”.
23h06 – Primeiras substituições dos verbos “ver” por “visualizar” e “sentar” por “assentar-se”, por parte dos nobres deputados. Também se usa “literalmente” sem o necessário sentido literal.
23h09 – Execução do Hino Nacional Brasileiro pela banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Há um gordinho no trompete.
23h11 – A deputada fala aos deficientes auditivos presentes no local. Ela pede desculpas pela demora do intérprete de linguagem de sinais. Grande momento da Assembleia Legislativa: sim, ela está falando com os surdos, que se entreolham.
23h13 – Mais um elogio ao deputado Barros Munhoz: “Grande líder, grande homem, ministro, já foi prefeito de Itapira […]. Pode ser chamado de cidadão e de pessoa humana, porque no seu interior, em sua síntese, ele o é.”
23h17 – Ao que tudo indica, São Francisco de Assis é bolinho perto de Barros Munhoz.
23h19 – Primeira utilização da palavra “quiçá”, que mais tarde será até flexionada: “quiçás”.
23h32 – Mais uma vez, a deputada diz que esta sessão solene ficará marcada ao longo “das próximas décadas e dos próximos séculos”. Ela saúda um político que veio “abrilhantar a nossa festa”, mas que logo vai embora.
23h57 – O representante do município de Valinhos acena para a câmera. Ele usa abotoaduras.
0h06 – Discurso: “Não posso deixar de perder a oportunidade de…”.
0h22 – “Se mais pudéssemos fazer, assim o faríamos”, filosofa o deputado João Barbosa (DEM).
0h29 – Durante um depoimento na tribuna, a presidente da mesa é surpreendida falando ao celular. Ela disfarça e esconde o aparelho sob a bancada. Presume-se que está mandando torpedos às amigas.
1h – Depois de uma atividade solene de duas horas, sem pausas, passa-se a um debate sobre suplementos vitamínicos, esteróides e doping.
1h22 – “Meu caso clínico é gotoso”, confessa um deputado, a respeito de sabe-se lá o quê.
1h34 – A repórter pensa seriamente em aderir ao doping.
1h52 – “Eu, por exemplo, quando como ovo, me dá uma sonolência”, observa a apresentadora, genuinamente interessada no tema.
2h – Desviando-nos temporariamente do sono, há um interessante debate sobre biocombustíveis, embora o prólogo do palestrante seja longo demais e comece com: “Há dez mil anos, o homem era um mero coletor”, passando pela revolução industrial e a peste.
2h19 – O entrevistado demora 11 minutos para responder a uma pergunta.
3h – Debate sobre projeto de lei relativo a faltas escolares. As pálpebras da repórter começam a se fechar.
3h13 – A repórter é rendida por um cochilo avassalador, do qual desperta apenas às 6h55, a tempo de acompanhar um documentário que descreve florestas, canaviais e exalta a conservação da biodiversidade. Naturalmente, cai novamente no sono e é acordada pouco depois por um debate que pretende resolver o problema da habitação de pessoas de baixa renda.
10h06 – Começa um instigante documentário sobre a represa de Guarapiranga, seguido por um programa educativo que nos leva ao Jardim Botânico.
12h33 – Na plenária, acontece uma sessão parlamentar sobre o Plano de Metas da prefeitura, apresentado por um sujeito chamado Manoelito. Agora a programação da Assembleia é dominada por sessões da Câmara dos Vereadores, por conta de uma parceria com a TV Câmara.
13h03 – “Tem a palavra Vossa Excelência por cinco minutos na forma regimental.”
13h22 – “Vejam, senhores, que coisa esdrúxula. Não fiquei satisfeito, senhor vereador, em que pese o meu respeito…”
13h55 – O vereador Jooji Hato (PMDB) sobe à tribuna para pedir o veto ao transporte de passageiros na garupa das motos, que, segundo ele, incentiva os assassinatos na Grande São Paulo. Está obcecado pelo assunto.
14h11 – O vereador e cantor Agnaldo Timóteo (PR) se exalta ao protestar contra a imprensa, que veiculou imagens humilhantes dos políticos na Câmara. Os vereadores foram expostos de maneira torta e covarde, diz ele, que mais tarde se perde no raciocínio e declara que a ditadura militar brasileira “só existiu para quem era terrorista, para quem matava”. Timóteo chama os jornalistas de vagabundos e sai furioso.
14h44 – “Não vou cansar Vossas Excelências com meu discurso já combalido pelos anos…”, diz um vereador grisalho.
14h57 – Começam as votações aos projetos de lei pendentes, como a criação da carteira de saúde bucal para os alunos da rede municipal, caixa de gordura obrigatória nos prédios, preferência para deficientes nos corredores de ônibus e demais questões que se seguem uma após a outra, enquanto a repórter decide passar a roupa acumulada da semana. Em geral, os vereadores favoráveis devem permanecer onde estão para rejeitar os projetos, alguns datados de cinco anos atrás. A maioria é vetada sem que os vereadores levantem o dedo.
15h30 às 16h15 – Nesse período, a repórter entrou num grave estado de catatonia e não respondeu aos estímulos externos.
16h18 – Recuperação da repórter mediante vasta ingestão de chocolate. Começa uma discussão interminável sobre um projeto de lei que dispõe sobre a concessão urbanística pela prefeitura de áreas do bairro da Luz. Grande polêmica. O vereador Cláudio Fonseca (PPS) reclama do ambiente de dispersão.
16h25 – Começa a chover. Torcida para acabar a luz no apartamento.
16h47 – O vereador Chico Macena (PT) discute a utilização do adjetivo “singelo” na redação do texto do projeto de lei. Diz que o texto é “singelo” por ser simples mesmo, não estando à altura desta augusta casa de leis. Leva quase dez minutos para desenvolver essa argumentação.
16h55 – O vereador Netinho (José Police Neto, do PSDB) apela para a noção de “sofisma”, na sequência acalorada da discussão.
17h07 – Chico Macena (PT) não para de falar. “É isso o que falta nesse projeto: um projeto”, conclui. Não é possível dizer com precisão há quanto tempo ele está discursando.
17h40 – Há praticamente dez vereadores presentes e interessados no assunto, e eles se revezam no microfone até completarem as duas horas mínimas de discussão. Um vereador passa bocejando. Outro afirma que o tempo mínimo é de duas horas, sim, mas é preciso falar mais.
18h04 – Quando tudo parece perdido, o vereador Jamil Murad (PcdoB) começa seu discurso falando que a cidade tem 455 anos de idade e que ele se lembra do quarto centenário, ano em que o time dele ganhou o campeonato com um gol do Cabecinha de Ouro.
18h30 – Finalmente é votado o projeto de lei sobre o bairro da Luz. É aprovado por 40 a 6, para desespero do vereador Alfredinho (PT).
18h34 – É decidida a ampliação do nome da CPI da Pedofilia para “CPI da Pedofilia e do Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil na Cidade de São Paulo”.
19h01 – O presidente de uma das comissões delibera sobre a conservação dos campos de futebol da cidade.
19h36 – Jooji Hato volta a defender o veto à garupa das motos. Ele sonha com uma cidade onde os alunos não entrem nas escolas com armas, onde se possa ir e vir sem ser molestado, onde o filho do governador não seja assaltado.
19h42 – Na reta final deste doloroso experimento, um parlamentar se mostra ofendido com a obrigatoriedade de divulgar as contas pela internet. “Existe fronteira entre ser homem público e fazer gracinha à população, exibindo seus gastos.”
19h46 – Wadih Mutran (PP) diz que não tem obrigação de publicar na internet suas contas. “Quem é que vai corrigir na internet? Qual é o valor jurídico disso?”
19h56 – Wadih Mutran fala sobre economia de 700 mil reais que a Câmara está fazendo.
19h58 – Carlos Apolinário (DEM) volta triunfalmente à tribuna e fala do respeito que tem pelo vereador Netinho. “Grande líder do governo, é companheiro, é leal.”
20h – Com a proteção de Deus, estão encerrados os presentes trabalhos.
20h01 – Repórter beija o chão da sala e desliga a tevê. Passará as próximas horas chamando os vizinhos de Vossas Excelências e procedendo à execução da janta, que, por questão regimental e pela ordem, com a proteção de Deus e do presidente desta augusta casa de leis, foi devidamente apreciada sob a forma de item bovino. Nada mais havendo a tratar, se despede, não sem antes deixar ressaltada sua imensa satisfação em proceder ao registro de tão magistral momento et cetera, et cetera, et cetera.
24 Hours of Legislative Assembly Television
Posted: 4th maio 2009 by Vanessa Barbara in Reportagens, Vice MagazineTags: politics, society, torture, TV Assembleia
Vice Magazine – May 2009
Words and photos by Vanessa Barbara, translated by Peter Azen
versão em português: http://www.hortifruti.org/obra/?p=740
versão na revista: http://www.viceland.com/int/v16n5/htdocs/these-assholes-wont-shut-up-849.php?page=1
In February 2008, Senator Mário Couto of the Brazilian Social Democratic Party came down from the podium and threw himself toward his rival, Gilvam Borges of the Brazilian Democratic Movement Party. Borges retaliated by pushing him. Before being separated, they vigorously insulted each other: “Your Honor, you are a charlatan!” Couto shouted. “You bum,” replied Borges. On another occasion, Angela Guadagnin of São Paulo’s Workers’ Party carried out, in the middle of the Legislative Assembly, a cheerful jig to celebrate the absolution of corruption charges against a friend. Between the chairs of the plenary congregation, she shook her ass vigorously in the high Brazilian tradition as cameras immortalized the event on public television.
Stuff like this happens with such frequency that I decided to spend a weekend watching a broadcast of the Legislative Assembly Television of the State of São Paulo for 24 hours straight. I kept a diary of the proceedings so that the rest of the world can understand what local politics are like in Brazil. To prepare I took a nice shower, put on my best PJs, and planted myself on the sofa. I switched the television to channel 7 and caught a representative in midspeech: “Within the medium intelligence that God gave me…” Soon the first debate of the night started, and two citizens with shiny shoes explained the trifling details of the agro-economic situation in the city of Jundiaí. Later, defending himself against the popular protests against the installation of a prison in the city, a deputy declared, “This is already surpassed, from the point of view that it is already installed.” It was going to be a very long night.
9:03 PM Within the cozy confines of basement S-46 of the Legislative Assembly, deputy Aldo Demarchi speaks to the television audience, stating that he’s learned a lot “in respect to the respect of citizens’ rights.”
9:16 PM The deputy has just made his third utterance of the elegant phrase “where at” in his proceedings.
9:19 PM “São Paulo is a pearl,” says the deputy, while shaking his golden wristwatch. The host interrupts with a question about the intensive planting of grains in the countryside.
9:25 PM At this point, the debate transitions from factory farming to the person who originally introduced Australia’s eucalyptus seed into Brazil.
9:29 PM Important note: It seems the deputy has a crooked pinkie finger.
9:32 PM A tiring documentary about the Tietê River begins, and for half an hour it focuses on the indigenous people of Brazil and the etymology of the word “Tietê.” At exactly 9:48, I order a pizza. Shortly after, the documentary ends with the desperate sounds of sultry moans.
10:01 PM There’s a debate going on about an inspection vehicle’s environmental inspection. At 10:06 I take my first pee break and make a mental note: “It seems like September.”
10:34 PM The pizza arrives.
10:36 PM An unidentified deputy: “The priority that is the biggest priority excludes the priority that is a smallest priority. This is logic. This is elementary.” The crowd goes insane.
10:57 PM The Legislative Assembly’s president, Barros Munhoz of the Brazilian Social Democratic Party, receives some compliments from his colleagues. They call him “comrade” and “an exceptional person.”
11:01 PM “Under God’s protection, we started our work,” says the deputy Célia Leão of the Brazilian Social Democratic Party, starting the session that will serve as an homage to an association of people who suffer from Down syndrome. This event will “be important in this respected house of laws as a work of spreading…” I feel slightly nauseated.
11:06 PM The noble deputies begin to substitute the words “visualizing” for “watching” and “to seat” for “sit.” “Literally” is also being used outside of its literal meaning.
11:09 PM The Brazilian national anthem is being played by the Military Police of the State of São Paulo. There is a fatty playing trumpet.
11:11 PM A deputy speaks to those with hearing disabilities. She apologizes because the sign-language interpreter is late. The deaf look confused.
11:13 PM Another compliment is paid to Barros Munhoz: “He is a great leader, a great man, a minister who served as the mayor of Itapira… He can be claimed as a humane person because, deep inside, in his synthesis, he is.”
11:32 PM For the first time the word “maybe” is used. Later they will exclusively use “perhaps.”
11:57 PM The representative of the county of Valinhos waves to the camera. He is wearing a short-sleeved button-up shirt.
12:22 AM The Democrat João Barbosa philosophizes: “If we could do more, then that’s how we would do it.”
12:29 AM During a deposition, the board’s president is surprised when her cell phone rings. She pretends that nothing happened and hides the phone under the table. It appears that she was sending a text message to a friend.
1:00 AM A debate about vitamin supplements, steroids, and doping begins.
1:22 AM “My problem is the gout,” confesses a deputy. I have no idea what he’s talking about.
1:52 AM “For example, when I eat an egg I get tired,” says the program’s host, who seems engrossed in the current theme.
2:00 AM An interesting debate about biofuels stirs me briefly from my half-conscious state, even though the prologue of the speaker is too long. He begins: “Ten thousand years ago, the man was a mere collector.” Then he outlines the history of the Industrial Revolution.
2:19 AM The interviewee takes approximately 11 minutes to answer a single question.
3:00 AM My eyelids start to droop as a debate begins about the relative law that deals with the lack of schools.
6:13 AM I pass out and awake three and a half hours later, just in time to watch a documentary about forests, cane plantations, and biodiversity.
1:22 PM (the following day) Whoops, I fall asleep again for about seven hours and wake up to a debate about low-income housing. “Listen, sirs… What a low thing! I wasn’t satisfied, Mr. Councilman, in its importance to me…”
1:55 PM Councilman Jooji Hato of the Brazilian Democratic Movement Party stands up to veto a bill about the transportation of passengers in motorcycles, which, according to him, increases the amount of homicides in greater São Paulo. He is obsessed.
2:11 PM The councilman and singer Agnaldo Timóteo of the Party of the Republic gets excited while protesting the recent leak of humiliating images of the politicians in the chamber to the media. “The councilmen were exposed in a twisted and cowardly manner,” he explains. Later he loses his train of thought and declares that the Brazilian military dictatorship “only existed for those who were terrorists, those who killed.” Timóteo declares that journalists are a “bunch of bums” and leaves in a fury.
2:57 PM Voting begins for the current batch of proposed laws. They include the creation of an instructional card about mouth health for students in public schools, obligatory boxes of sweets in public buildings, priority for disabled people in bus corridors, and other miscellaneous bullshit. I decide to iron some clothes.
3:30 to 4:15 PM During this period, I become inexplicably catatonic and unresponsive to external stimuli.
4:18 PM I recover after a massive ingestion of chocolate.
4:25 PM It begins to rain and I pray for a blackout.
5:07 PM Macena won’t shut up. “This is what’s missing in this project: a project,” he concludes.
5:40 PM There are only ten councilmen interested in Macena’s ranting, and all of them talk until they reach the minimum of two hours of discussion on this subject. Another councilman yawns.
6:04 PM When everything seems lost, councilman Jamil Murad of the Communist Party of Brazil starts his argument by saying that the city is 455 years old and that he still remembers its fourth centennial. It was the same year that his team won the soccer championship.
6:34 PM The council decides to change the name of the Parliamentary Commission of Questioning of Pedophilia to the Parliamentary Commission of Questioning of Pedophilia and the Fight Against Sexual Violence in the City of São Paulo.
7:01 PM The president of some commission discusses the maintenance of a soccer field in the city.
7:36 PM Jooji Hato is once again defending the veto concerning motorcycle passengers. He dreams of a city where the students don’t go to school with guns, you can go anywhere without being molested, and the son of the governor won’t get robbed.
7:42 PM A parliament member is offended by his obligation to publish his bills on the internet.
7:46 PM Wadih Mutran of the Progressive Party says that he is not obliged to publish his bills online. “Who is going to correct the internet? What is the judicial value of this?”
8:00 PM With God’s help, my work is done.
8:01 PM I kiss the living-room floor and turn off the TV. I will probably be calling the neighbors “Your Honor” for weeks and plan to proceed with the execution of the dinner, which, by regimental question and order and with the protection of God and the president of this respected house of laws, was appreciated in bovine form.
“O santo sujo” e “O Livro Amarelo do Terminal” recebem APCA 2008
Posted: 29th abril 2009 by Vanessa Barbara in ClippingTags: CosacNaify, O Livro Amarelo do Terminal
CosacNaify
29 de abril de 2009
Foto: Nino Andres
O jornalista Humberto Werneck, autor de O santo sujo, eleita a melhor biografia de 2008
A Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) premiou, na última terça-feira, 28 de abril, os melhores do ano em dez categorias de arte, em cerimônia de realizada no Teatro Sérgio Cardoso, na capital paulista. Dois livros editados pela Cosac Naify estavam entre os ganhadores.
Em Literatura, O santo sujo – a vida de Jayme Ovalle, escrito pelo jornalista Humberto Werneck, foi eleito a melhor biografia do ano. A obra desvenda a incrível e pouco conhecida personalidade do compositor que influenciou gente como Manuel Bandeira e Vinícius de Moraes. [Leia entrevista com o autor]
Na mesma categoria, O livro amarelo do Terminal, de Vanessa Barbara, conquistou o prêmio de melhor livro-reportagem com uma original abordagem da rodoviária do Tietê ao retratar as mais diversas histórias de vida que ali se cruzam, além de uma criteriosa investigação jornalística sobre sua construção. [Leia entrevista com a autora]
Para se chegar a este resultado, votaram os críticos Amilton Pinheiro, Dirce Lorimier Fernandes, Ricardo Nicola, Rodrigo Manzano e Ubiratan Brasil. As nove categorias que complementam a premiação são Artes Visuais, Cinema, Dança, Literatura, Música popular, Música erudita, Rádio, Teatro, Teatro infantil e Televisão.
Abaixo você confere os outros ganhadores na categoria. Para conhecer todos os premiados, acesse o site da APCA.
LITERATURA
Romance: Flores azuis / Carola Saavedra / Cia. Das Letras
Poesia: Anima animalis / Olga Savary e Marcelo Frazão / Letra Selvagem
Ensaio: A construção do gosto / Maurício Monteiro / Ateliê
Biografia: O santo sujo – a vida de Jayme Ovalle / Humberto Werneck / Cosac Naify
Tradução: Paulo Bezerra / Irmãos Karamazov, Dostoievski / Editora 34
Reportagem: O livro amarelo do Terminal / Vanessa Barbara / Cosac Naify
Memória: Memórias inventadas – A terceira infância / Manoel de Barros / Planeta
O carteiro Gigante
Posted: 26th abril 2009 by Vanessa Barbara in Crônicas, Metrópole, O Estado de São PauloTags: carteiro, mandaqui
É uma tarde de verão no interior da zona norte de São Paulo. O asfalto do chão frita com o calor de 35 graus. De bermuda azul, óculos Ray-Ban e pochete, sem boné, o carteiro Vitor Donizetti Silva, 51 anos, vai trançando os dois lados da rua, distribuindo cartas como se estivesse de olhos fechados. Conhece todos os moradores da área e anuncia sua chegada com um vozeirão que ecoa pelos quintais: “Correio!”. De vez em quando, acrescenta: “Tem que assinar”. As pessoas vão saindo às portas, uma a uma, no ritmo da entrega das cartas.
Conhecido como “Gigante”, Vitor passa pela rua cantando hits variados e cumprimentando as pombas. Aos moradores, dá “Boa Páscoa”. É dezembro. “Quando é Páscoa mesmo, aí é ‘Feliz Natal’”, ele explica, muito sério, arrastando cinco quilos de papéis na mala. Carteiro há trinta anos, trabalha nessa região há seis. Mora no bairro da Cachoeirinha, perto do cemitério. Entrega “desde cartinha de amor até intimação”, embora o impresso mais comum seja a mundana conta de luz.
Acorda às seis todos os dias, entra às 8h30 na central, em Santana, e fica até a hora do almoço fazendo triagem das cartas. Depois começa a jornada pelas ruas do bairro, subindo e descendo morros até escurecer. Gosta muito do frio, porque é menos cansativo. Mas solzão, “peloamordeDeus”, ele diz, maldizendo a chegada do alto verão. “Imagina a hora que o calor pegar”, comenta, entregando um catálogo na casa de duas crianças que nadavam numa piscina de plástico. Ele ameaça entrar na água, mas já está atrasado e tem que apertar o passo.
“Gigante” é um dos nomes que usa para saudar as pessoas na rua. Também utiliza “mister” e “hello”, além de patentes militares ou o próprio sobrenome do morador. Vitor, que tem o exato timbre de voz do cantor Louis Armstrong, sai anunciando: “Ô, coronel! Aqui tem uns dólares, ok?”. E, para outro: “Vai chover. Está aqui na planta”, diz, ao deixar a encomenda em cima de um vaso. Diligente, Vitor sabe de cor quem mora em cada casa. “É do 26, né?”, ele acerta, quando um ilustre mandaquiense passa de carro e abre o vidro para receber a correspondência.
Entre as inquietações do ofício, estão os carros que quase o atropelam, os cães bravos e os chicletes no chão. “Já viu ele com a lanterninha na cabeça?”, pergunta um morador, referindo-se à ousada lanterna de espeleologia. “Eu quase bati o carro quando vi aquela luzinha ali no escuro.” Trata-se de uma das maiores atrações da rua: quando escurece, o Gigante põe uma lanterna na cabeça e sai distribuindo as cartas. “Foi presente do 124”, diz o vaga-lume carteiro, avançando por um dos lados da rua. Falta pouco tempo para o Gigante se aposentar. Ao que tudo indica, vai ser um silêncio nas tardes de calor.