“Estado” apresenta novos colunistas

Posted: 28th setembro 2008 by Vanessa Barbara in Clipping

O Estado de São Paulo
28 de setembro de 2008

 

A antiga rodoviária da Júlio Prestes

Posted: 17th setembro 2008 by Vanessa Barbara in Clipping
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Veja São Paulo, ed. 2078
17 de setembro de 2008

Memória paulistana

por Daniel Nunes Gonçalves [Giovana Romani e Sara Duarte] 

Antes de o Terminal Rodoviário Tietê ser construído, os ônibus de viagem chegavam e saíam da capital pela Praça Júlio Prestes, no bairro da Luz. Inaugurada em 1962, a antiga rodoviária era um monumento kitsch, com sua cobertura colorida. Mas o caótico trânsito do centro fez com que ela ficasse inviável, conforme relata a jornalista Vanessa Barbara em O Livro Amarelo do Terminal, da Editora Cosac Naify. Aberta em 1982, num terreno de 120 000 metros quadrados na Zona Norte, a rodoviária do Tietê é a segunda maior do mundo, atrás apenas da de Nova York. No lugar do antigo terminal funciona um shopping de roupas populares que está em processo de desapropriação para abrigar a São Paulo Companhia de Dança.

Fuga do “café-com-leite

Posted: 1st setembro 2008 by Vanessa Barbara in Clipping
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Contraponto – PUC/SP
Setembro de 2008

por Letícia Mendes e Paula Fazzio

 

Eles não valem nada

Posted: 1st setembro 2008 by Vanessa Barbara in Traduções
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Eles não valem nada

por Juliana Foster
tradução Vanessa Barbara

Piauí n. 24
Setembro de 2008

ACIDENTES

Segundo estatísticas, homens adultos têm três vezes mais chances de sofrer acidentes fatais do que as mulheres, e são de duas a cinco vezes mais propensos a acabarem no hospital com ferimentos. Isso não significa que os homens são imprudentes, dizem os especialistas, apenas mais vulneráveis às “condutas de risco” – em outras palavras, a agir de maneira estúpida.

Da infância em diante, os homens gostam de brincar com objetos potencialmente capazes de mutilar, queimar, morder, aleijar, decapitar ou causar algum tipo de mal. Como eles zombam dos cuidados básicos de saúde e segurança, qualquer sugestão de que não se deve mexer no rádio durante o banho é recebida como um insulto cruel à sua virilidade.

ADOLESCENTES

São criaturas únicas. Como alguns animais exóticos, são esquivos e por vezes perigosos. Cientistas e observadores ainda têm muito a descobrir sobre a constituição e os hábitos dos adolescentes, mas algumas peculiaridades foram estudadas e registradas. Vejam a seguir:

Postura física. Apesar de ter, como o restante da espécie humana, desenvolvido a habilidade dos bípedes, é evidente que o adolescente possui mais ligações com nossos ancestrais símios. Veja como são longos os seus braços, em desproporção ao resto do corpo. Seus dedos ficam mais próximos do chão do que os nossos. Seu modo de andar é instantaneamente reconhecível – o dolorosamente lento arrastar dos pés, os ombros recurvados, os olhos baixos – e torna-se mais pronunciado conforme aumenta sua tristeza e sensação de perigo, ou seja, é quase uma condição permanente, já que o adolescente é o membro mais sensível e vulnerável do reino animal.

Características faciais. O adolescente é dado a periódicas erupções de pústulas virulentas e pegajosas, que podem aparecer pelo corpo todo, mas brotam sobretudo no rosto, exacerbadas pela crina oleosa que cai aos montes sobre a testa e os olhos, protegendo essa tímida criatura da visão dos curiosos. As pústulas podem parecer alarmantes e um pouco repulsivas, mas são na verdade uma bênção da Mãe Natureza, já que afastam qualquer possível interesse do sexo oposto até que o adolescente tenha obtido algumas qualificações necessárias, protegendo-o da paternidade precoce e de uma vida inteira de salário mínimo no McDonald’s.

Habitat. O adolescente não é uma criatura noturna, embora raramente seja visto antes do meio-dia, pois prefere passar as primeiras horas da manhã enterrado nos cobertores encardidos de sua toca. Às vezes, ele emerge de seu habitat natural numa incursão ao mundo exterior apenas para se alimentar ou se socializar com seus pares. Nem todos têm estômago para adentrar nos domínios privados dessa espécie, mas os intrépidos exploradores que se aventurarem a isso hão de saber que não é nada agradável.

CARROS

Na hora de escolher um carro, as mulheres têm uma lista básica de exigências: o veículo deve ser capaz de levá-las de forma segura de A a B, não pode custar uma pequena fortuna na sua manutenção, deve ter um rádio e um CD player fáceis de mexer e precisa de um bom espelho, de preferência iluminado. É isso. Naturalmente, adoraríamos ter um carro esportivo moderninho, mas, na verdade, não é tão importante assim.

Para o homem médio, a coisa muda de figura. “Meu carro é maior, mais rápido, mais brilhante, mais barulhento, mais novo e mais caro que o seu, blá, blá, blá.” Muitos homens vêem seus carros como extensões de si mesmos, de acordo com o recente estudo A Vida Secreta dos Carros e o que Eles Revelam sobre Nós. (Quer dizer que os carros têm vidas secretas? Será que eles saem das nossas garagens à noite, enquanto estamos dormindo, e se reúnem numa boate exclusiva para carros, onde literalmente perdem os freios?) É claro que isso não é novidade. Nós, mulheres, sabemos que nossa existência fica em segundo plano diante dos fortes vínculos entre o Homem e o Carro.

COZINHA

Em âmbito culinário, há dois tipos de homens: a) aqueles para quem cozinhar é um dos grandes mistérios da vida, b) aqueles que preparam uma refeição como se fossem pintar o teto da Capela Sistina.

Para os homens, cozinhar não é uma tarefa cotidiana. Eles não julgam seu dever preparar diariamente uma refeição nutritiva, saborosa e econômica para toda a família. Isso é trabalho nosso. Para eles, cozinhar é um hobby, executado apenas quando há uma platéia receptiva. É uma superprodução, um espetáculo milionário de canto e dança.

Os preparativos começam horas antes da chegada dos convidados, em geral de manhã, impedindo qualquer outra pessoa de cozinhar naquele dia. Primeiro, reúnem-se os utensílios vitais de cozinha, que consistem basicamente em todos os potes, panelas, facas, tábuas de carne, tigelas e colheres de pau disponíveis. Mesmo os mais inúteis instrumentos de jardinagem que você comprou sem querer serão resgatados e dispostos para o uso.

Depois de quinze horas de culinária pesada, quando você já estiver esmurrando a porta trancada da cozinha, implorando inutilmente para deixá-la entrar a fim de consertar parte do estrago, os convidados irão chegar. Você lhes servirá as bebidas e passará as horas seguintes tentando explicar os barulhos, estrondos e resmungos de raiva e frustração vindos da cozinha. Na hora de servir o jantar, pouco antes da meia-noite, os convidados estarão tão bêbados e esfomeados que devorarão com gosto qualquer coisa, o que apenas conferirá a seu homem a autoconfiança suficiente para marcar outro jantar na semana seguinte. Oba…

Enquanto você limpa incansavelmente a sujeira que ele fez, fica imaginando por que ele usou a máquina de massas se não havia macarrão no cardápio (até onde você sabe; na verdade, é difícil dizer). E por que há pedaços de carne no espremedor de suco? Ele não pode ter usado para fazer o molho (infelizmente, acho que usou).

CHURRASCO

É fácil saber por que o churrasco atrai os homens. Ele envolve: a) enormes pedaços de carne, b) fogo e c) cerveja em abundância. Isso sem falar na oportunidade de vestir um avental cômico, que o faz parecer um fisiculturista ou uma mulher de biquíni, ou que traga no peito o trocadilho “Licença para grelhar”.

Outro motivo é a parafernália toda que acompanha a ocasião: os utensílios gigantes e as substâncias altamente inflamáveis e nocivas. Isso sem contar o próprio churrasco. Na mente masculina, quando o tema é churrasco, o tamanho faz diferença. Podem-se organizar churrascos que ocupem um jardim inteiro, deixando apenas um quadrado de grama para acomodar os convidados, que se vêem obrigados a se acotovelar para longe das chamas de 10 metros de altura.

Uma das coisas mais irritantes sobre homens e churrascos é que eles esperam que você fique grata por lhe propiciarem uma “pausa na cozinha”, embora tudo o que eles façam seja tostar umas fatias de carne. Todos os preparativos e a limpeza posterior ficam para nós porque, exaustos após um dia árduo de trabalho e empapuçados de cerveja, os homem se jogam no sofá para uma boa soneca.

COMUNICAÇÃO

Ele diz: “Não estou perdido. Sei exatamente onde estamos.”
Ele quer dizer: “Estamos irremediavelmente perdidos. Aliás, estou apavorado, pois logo você vai perceber que andamos em círculos desde a última hora.” E ficará repetindo a noite toda que devíamos ter pedido informações.

Ele diz: “É um lance de homem. Você nunca entenderia.”
Mas quer dizer: “É uma coisa que desafia toda a lógica e a razão. Não faço idéia de como posso contar a você sem parecer um grandessíssimo idiota.”

Ele diz: “Comprei essas flores no caminho para te mostrar o quanto te amo.”
Na verdade quer dizer: “Fiz uma merda. Espero que você nunca descubra, mas, em todo caso, aqui estão algumas flores que comprei às pressas para usar em minha defesa quando a discussão fatalmente cair no tópico ‘você não me dá atenção’.”

Ele diz: “Não sei bem o que quero.”
Ele gostaria de dizer: “Não sei bem o que quero, mas tenho certeza de que não é você.”

Ele diz: “É claro que não me importo que você saia hoje com as suas amigas. Ficarei sozinho e com saudades, mas não se preocupe. Encontrarei alguma coisa para fazer.”
Ele quer dizer: “Oba! Vou passar a noite bebendo até cair, assistindo em paz a reprises infinitas de Top Gun. De qualquer forma, é bom jogar esse papinho de culpa, para você não reclamar da próxima vez que eu sair com os meus amigos.”

Ele diz: “Eu tenho os meus motivos.”
Ele quer dizer: “Estou desesperadamente tentando pensar em uma desculpa para explicar o que fiz.”

Ele diz: “Sua amiga X é legal, né?”
Ele quer dizer: “Que amiga gostosa! Fiquei super a fim.”

Ele diz: “É claro que eu ouvi o que você falou!”
Ele quer dizer: “Ops. Parei de escutá-la há uma hora e fiquei assistindo a Top Gun por cima dos seus ombros. Espero que não me peça para repetir o que diss… Ah, meu Deus, você acaba de pedir. Droga.”

Ele diz: “Esse vestido fica lindo em você. Acho que deve ir com ele.”
Ele bem que quer dizer: “Meu Deus, mulher! Quantos vestidos você vai ter que provar antes de se decidir? Preciso te empurrar para o carro agora mesmo, senão iremos chegar ao jantar com quatro dias de atraso.”

CRISE DE MEIA-IDADE

Algo acontece com os homens que chegam a certa idade. Um dia, eles acordam, se arremessam da cama em direção ao banheiro, olham-se no espelho e ficam paralisados. Percebem com horror suas rugas, as entradas no cabelo e a barriga de cerveja, como se as vissem pela primeira vez. “O que está acontecendo comigo? Há algo de errado com o espelho.”

Passam o resto do dia num transe paralisante, cada vez mais deprimidos conforme encaram a realidade de sua existência, que até então lhes parecia perfeitamente satisfatória e tranqüila. De repente, o salário decente, a esposa tolerante e o amor pelos filhos adolescentes parecem sufocá-lo. “Ah, não. Não, senhor. Não vou deixar isso acontecer. Vou me libertar. Vou recuperar a minha juventude, antes que seja tarde.” É quando começa o problema.

Quem tem um marido em crise de meia-idade vive sempre no extremo. A vida pode ser excitante, irritante, terrível, devastadora, constrangedora ou engraçada, ou tudo ao mesmo tempo. Vamos analisar alguns dos episódios mais comuns:

Sair com os filhos. Essa forma particular de crise pode ser situada na categoria “constrangedora”. O homem que antes vivia no sofá com seu pulôver e chinelos, reclamando que “a juventude devia ter respeito pelos mais velhos”, e gritando para os filhos pararem “com essa porra dessa bagunça”, subitamente se transforma numa paródia grotesca do adolescente moderno, lançando-se inteiramente às coisas da juventude.

Ele salpica suas conversas com palavras como “cara” e “demais” (“Tipo, cara, o novo disco do Green Day é demais!”). Em vez de ligar para você, ele te manda um torpedo (KD VC? BJKSSSS, T+). Começa a chamá-la de “gata”. Abre uma conta no Orkut. Passa a noite em claro matando zumbis no PlayStation.

Sem destino. Para certos homens, a aproximação da meia-idade traz consigo uma ânsia irrefreável de cair na estrada e comer poeira. Ele arruma um apelido do tipo “Tiagão Hurricane” e “Rafa Rota 66”. Insiste em usar couro da cabeça aos pés, sem se importar com a ocasião ou com o calor lá fora. Faz uma tatuagem de corpo inteiro com desenhos de motos, crânios e mulheres nuas, ou mulheres nuas em motos com crânios no lugar do rosto. Faz questão de cultivar um melancólico rabo-de-cavalo e diz que pedirá o divórcio se você cumprir a ameaça de cortá-lo durante a noite.

Vaidade, teu nome é homem. Seu marido tem o mesmo par de jeans há vinte anos. Mesmo que a calça tenha se desintegrado com o tempo, principalmente na braguilha, até que um único e puído fio a separe da vergonha pública, ele insiste que a roupa está boa e se recusa a comprar uma nova, pois aquela é confortável e é isso o que importa. Sua noção de se aprontar para sair é uma ducha rápida (sem a necessidade de esfregar nada, pois “a água escorre naturalmente e leva a sujeira”) e um tapa no cabelo com o pente.

Subitamente, da noite para o dia, tudo muda. Diante da deplorável realidade do envelhecimento corporal, esse mesmo homem se transforma numa criatura tão obcecada com a aparência que deixa no chinelo o modelo fotográfico masculino médio de 20 e poucos anos. Ele está sempre perguntando: “Minha bunda fica grande nessa calça?” Às vezes, sai em “viagem de negócios” e volta com um novo nariz / mais cabelo / pele esticada.

DEFICIÊNCIAS SENSORIAIS

Há uma condição neurológica conhecida como Transtorno de Deficiência Sensorial, em que o cérebro tem dificuldade em processar informações dos cinco sentidos e que, de acordo com essa infinita fonte de conhecimentos que é a Wikipédia, “pode causar dor e confusão”. Não se deve rir dessa doença e não estou sugerindo que todos os homens a tenham, mas é possível traçar certos paralelos entre a moléstia e o fato de que muitos homens só enxergam e ouvem o que querem.

Deficiência visual. O primeiro indício de que a visão do homem não está bem é a síndrome do “Onde está…?”. Exemplo: “Onde está o controle remoto?”, ele resmunga. Você consegue vê-lo perfeitamente. Está na mesa de centro, no lugar de sempre, a poucos centímetros dele, nítido como um dia de sol. Mas, para sua diversão, você decide ficar calada. Desanimadamente, ele tateia as almofadas do sofá por alguns segundos, sem sair de sua posição semi-reclinada. “Não consigo achar e a corrida está para começar.” Ele olha para você com olhos de cãozinho abandonado, quase às lágrimas diante da possibilidade de perder alguns minutos do curioso espetáculo em que carros velozes ficam correndo em círculos. Você dá de ombros e volta a ler sua revista. Ele solta um suspiro e começa a perscrutar desenfreadamente a sala, varrendo com os olhos os cantos e o teto, como se esperasse encontrar o controle pendurado no lustre, mas ainda assim sem sair de sua cômoda posição. É quando a pergunta “Onde está…?” assume uma versão mais agressiva, a saber: “O que você fez com…?” Ele rosna: “Onde diabos você pôs…?” Você fica tentada a dizer que deu para o cachorro comer ou arremessou pela janela, mas já basta. “Não fiz nada com o controle! Está BEM NA SUA FRENTE!” Ele fica chocado com o seu descontrole, o que só a irrita mais. “Tudo bem! Não precisa falar assim! Eu estava só perguntando…”

Deficiência auditiva. Ele assiste à tevê com o volume tão alto que as paredes tremem e os vizinhos estão tomando Valium. Liga umas caixas acústicas tão grandes no aparelho de som, que não há espaço para os outros móveis na sala, e a travessia do corredor para a cozinha é como passar por uma exaustiva pista de obstáculos de treinamento do Exército. Nas mesas minúsculas dos bares, ele e os amigos conversam aos gritos. Quando ele telefona, grita tanto que é possível escutá-lo mesmo se você deixar o telefone sobre a mesa enquanto vai ao quarto arrumar algo.

Por causa disso, podemos concluir que foi esse entusiasmo que o deixou completamente surdo. Mas não é o caso. Sua habilidade de ouvir é seletiva: ele pode ligá-la e desligá-la a qualquer momento.

“Você está impossível hoje”, podemos dizer a ele. “Só o que fez o dia todo foi ficar sentado no sofá assistindo futebol. Se não desligar isso e botar a roupa pra lavar, jogarei sua cerveja na pia.”

Mas o que ele escuta é: “Blá blá blá blá, futebol, blá blá blá blá, cerveja, blá blá blá blá, sexo, blá blá.”

DOENÇA

Um homem está deitado no sofá, os olhos entreabertos, a mão pousada na testa úmida, em uma atitude que sugere grande sofrimento e dor inimaginável. Cada espirro e tosse é acompanhado de um gemido excruciante. Ao apanhar um lencinho, ele estremece e geme ainda mais, como se alguém o tivesse espetado com um graveto em brasa. Ele está cercado de dúzias de frascos de comprimidos, pomadas e sprays nasais – o bastante para abrir sua própria farmácia.

“Querida?”, ele implora debilmente, num sopro de voz. Não há resposta.

“Por favor, querida.” Dessa vez ele ergue a voz, mas o esforço o faz levar a mão à cabeça e se queixar em voz baixa.

Uma mulher visivelmente incomodada aparece à porta. “O que foi? Aconteceu alguma coisa?” Segue-se uma longa pausa, entrecortada por gemidos chorosos. Por fim, ele pára.

“Não… estou… me… sentindo… bem.”

“Estou vendo. Posso fazer alguma coisa?”

“Não, nada”, ele murmura. “Eu vou… morrer.”

Essa patética criatura padece da mais virulenta e perigosa das doenças humanas. O avanço da moléstia é inevitável, é uma epidemia de proporções dantescas. Numa cruel reviravolta do destino, os homens a contraem, embora nas mulheres possa se manifestar sob a forma de um resfriado banal. Essa doença se chama Gripe Masculina, e é de se torcer o nariz, com o perdão do trocadilho. Infelizmente, ainda não foi descoberta a cura.

Uma vítima típica da Gripe Masculina não entende que aquele resfriado bobo que a namorada teve na semana anterior é a mesma doença que a dele. Não, sua doença é fatal e debilitante. “Não é possível”, ele pensa, “tem alguma coisa de errado comigo. Acho que preciso de uma ambulância.”

FUTEBOL

Os homens não fazem nada em seu tempo livre, exceto assistir a outros homens correndo e chutando bola. Estes, por sua vez, só se submetem a isso porque recebem quantias inacreditáveis de dinheiro, o que só se justifica pela existência de fanáticos por esporte que não conseguem tirar suas bundas gordas do sofá para se exercitarem e viverem as próprias vidas.

Há certas épocas terríveis para nós. Estou me referindo aos seres humanos (em geral do sexo feminino) que não têm orgasmos ao assistir a um bando de homens chutando uma bola – quando não chutam uns aos outros. A existência de campeonatos quase o ano todo significa que não há escapatória. Há sempre uma partida na televisão, às vezes em vários canais ao mesmo tempo. Ficamos imaginando como a população masculina reagiria se Sintonia de Amor e O Diário de Bridget Jones passassem em vinte canais, alternadamente, por várias semanas seguidas. Não muito bem, aposto.

MAUS HÁBITOS

Sejamos honestas (pelo menos uma vez): homens e mulheres têm maus hábitos como tirar meleca do nariz, roer as unhas ou estalar os dedos. As mulheres, porém, tendem a ser mais conscientes no que diz respeito a essas práticas deploráveis. Vez ou outra, podem ceder a uma longa sessão de remoção de melecas (convenhamos: é, sim, uma experiência particularmente satisfatória), mas em geral são discretas e reservam esse agradável passatempo aos momentos de privacidade doméstica, a quatro paredes, sem possíveis testemunhas. Já os homens não demonstram qualquer pudor em exibir hábitos tão repulsivos, que lhes renderiam cadeia em sociedades menos tolerantes. Práticas pessoais nojentas são o assunto preferido das mulheres que gostam de reclamar dos homens, portanto vamos nos ater às mais comuns.

Atenção: as descrições a seguir podem provocar náusea, vômito e trauma. Leia por sua conta e risco.

Rearranjo das partes íntimas. Sacode, aperta e coça, sacode, aperta e coça. O dia todo. De onde vem essa necessidade constante de apalpar as “partes baixas”? Seria, talvez, para conferir se elas continuam lá, que não fizeram as malas e foram procurar uma moradia mais limpa e higiênica? Será que os homens pensam que elas vão cair, caso não as segurem firmemente? Será que se orgulham tanto de seus dotes que desejam chamar a atenção para si, fazendo as mulheres desfalecerem e os homens morrerem de inveja à visão de suas portentosas partes pudendas?

Cuspir. Na Idade Média, cuspir era normal e socialmente aceitável. Não havia nada de errado em parar no meio de uma conversa para puxar um bom bolo de catarro e arremessá-lo aos pés do interlocutor, fosse ele um nobre ou um plebeu. Felizmente para nós, que passamos mal só de imaginar a cena, os tempos mudaram. Então por que os homens não aceitam o fato de que cuspir em público é o cúmulo da grosseria? Por que ainda temos que aturar esse ruído deplorável e mucoso que soa como se alguém estivesse sugando um cérebro e nos gritando para abaixar, antes de sermos atingidas por uma bola de catarro viajando à velocidade da luz? Será que queremos mesmo voltar à Idade Média?

Nacos de unhas do pé. Alguns homens desenvolvem fortes laços com certas partes do corpo, enquanto o resto do mundo não pensa duas vezes antes de jogá-las fora. Isso é particularmente verdadeiro no que se refere aos nacos de unhas do pé. Os homens não conseguem se livrar deles. Costumam deixar pilhas no canto da banheira, como suntuosos monumentos à Pátria, e montinhos esparsos de crostas amarelas pelo carpete da sala. Alguns até alçaram as unhas do pé à categoria de arte, em que o artista exibe cinco anos de cascos em um domo de vidro ou executa uma colagem que, de acordo com os críticos, “explora ludicamente os temas de ego, personalidade e identidade”.

MENTIRAS

As mulheres mentem aos homens. E os homens mentem às mulheres. As mulheres são mais propensas a mentirinhas brancas, que visam a agradar ou evitar magoá-los (“Você é bem mais bonito que o Johnny Depp” ou “Não, o jantar que você fez estava uma delícia. Devo ter pegado uma infecção estomacal no trabalho”). Os homens mentem por dois motivos: para protegerem seus egos e para se eximirem da culpa.

O lamentável da mentira masculina é que eles são ruins nisso. As mulheres são especialistas. Já os homens são amadores incompetentes. Mas não conseguem admiti-lo, e é por isso que ficam tão impressionados com os incríveis poderes da “intuição” feminina que desconfiam de suas frágeis balelas. Na verdade, mesmo a criança mais ingênua, aquela que acredita em Papai Noel, é capaz de enxergar suas mentiras.

“Para mim, você nunca envelhece. É por isso que eu sempre esqueço o seu aniversário.” Esse tipo de bajulação constrangedoramente cínica é terrível. Pior é a negação irrestrita. “Não esqueci! Encomendei o seu presente semanas atrás! Não é culpa minha se a empresa não fez a entrega a tempo. Vou ligar lá e eles vão ver só.”

“Então ligue”, você diz.

“Hum, mais tarde. Devem estar em horário de almoço.”

“São dez e meia da manhã. Ligue agora.” Então você senta no sofá, meio chateada e meio entretida, enquanto o assiste gritar ao telefone com algum funcionário perplexo, que não faz idéia do que ele está falando.

A tática de negação total é empregada tanto por meninos quanto por homens maduros. Mas é diferente surpreender seu filho de 6 anos com as mãos vermelhas, em frente a uma parede suja, cercado de creions, e ouvir que o culpado foi um dragão de 2 metros que entrou pela janela, pintou a parede e saiu. É menos engraçado e fofo quando seu namorado inventa uma história igualmente fantástica para justificar algum delito. Tal como:

“Era para eu te pegar na casa da sua irmã, eu sei, mas, quando estava para sair, derrubei as chaves do carro na privada e entalei a mão tentando pescá-las. Com isso acabei me atrasando. Daí, estava na avenida e fui parado por uma mulher grávida que precisava de uma carona para o hospital, e não havia nenhum táxi, então eu disse que a levaria, mas ela entrou em trabalho de parto no banco de trás e eu tive que parar e fazer o parto ali mesmo. Depois, quando eu estava para chegar, fiquei preso no congestionamento causado por uma horda de elefantes que escapou do zoológico e que investiu contra o meu carro. Achei que seria melhor dar meia-volta e voltar para casa. Foi por isso que não apareci.”

MODA

De acordo com a mídia, a última década testemunhou uma verdadeira revolução na moda masculina. Aparentemente, os heterossexuais de hoje são tão obcecados por moda e aparência quanto as mulheres e o gays, e o imenso volume de revistas de moda e cosméticos masculinos no mercado apenas reafirma essa hipótese. Mas onde estão esses heterossexuais atualizados e elegantes? Você já viu alguém parecido com o George Clooney passeando pela rua numa tarde de sábado? Eu não. Fico imaginando se, depois de décadas vestindo às pressas qualquer roupa que não esteja tão suja a ponto de criar vida própria, ou que tenha sido imposta sutilmente por mães e esposas, os homens finalmente se interessaram por nossos intermináveis (e às vezes paradoxais) conselhos de moda. Com isso em mente, aqui vão algumas dicas simples para os menos inspirados.

Traje esportivo. Sim, agasalhos de moletom são confortáveis, assim como perambular o dia todo de roupão pela casa. O que não significa que você irá sair na rua desse jeito (se acha que sim, nem precisa continuar lendo – você está acima de qualquer possibilidade de salvação).

Altos e baixos. A julgar pelos desastres ambulantes de moda que vemos todos os dias na rua, parece que encontrar um par de calças masculinas decentes e do tamanho certo é uma tarefa quase impossível, análoga a um dos doze trabalhos de Hércules. Não deve ser tão difícil comprar uma calça que: a) não exponha toda a glória de seu cofrinho peludo para os passantes desavisados ou b) não fique logo abaixo do sovaco. Há um meio-termo. Por favor, encontre-o.

Sungas. A menos que você tenha um corpo de Adônis, sungas não são agradáveis. Não custa enfatizar. Mesmo que você tenha a compleição física do Davi de Michelangelo, acredite: ninguém merece ver detalhes tão nítidos.

PAQUERADORES

Uma mulher atraente está sentada sozinha num bar lotado e barulhento. Ela lê uma revista, toma um drinque e de vez em quando olha para o relógio. Obviamente, está esperando alguém. Numa mesa próxima, um bando de homens corados de meia-idade pede a terceira ou quarta rodada de cerveja. Eles se tornam progressivamente mais escandalosos e estridentes. Vez ou outra, um deles se vira para olhar a mulher, depois se volta e faz um comentário aos amigos, que explodem em gargalhadas bêbadas. Então, para azar da moça, um se levanta. “Ah, não. Por favor. Não venha pra cá”, ela pensa. “Talvez ele esteja indo ao banheiro.” Mas não, o grupo fica em silêncio enquanto seu intrépido comparsa caminha em direção à mulher.

“Doeu?”, ele pergunta.
“Desculpe?”
“Doeu?”, ele repete, dessa vez bem alto. Ela ouve os amigos dele rindo.
“Doeu o quê?”
“Quando você caiu do céu.”
Segue-se uma pausa longa e constrangedora.
“Olha, não quero ser grossa, mas estou esperando um amigo e…”
O homem interrompe. “Ah, vamos lá, querida. Venha tomar uma cerveja com a gente.”
“Obrigada, mas não estou interessada.”
“Como quiser. Não sabe o que está perdendo.”

O homem volta à mesa trançando as pernas, dando de ombros e com um sorriso amarelo. Seus amigos riem e a mulher pode ouvir nitidamente: “Deve ser lésbica” e “Era meio baranga, mesmo.”

Infelizmente, isso acontece todos os dias em todos os bares do país.

Uma dica para as mulheres: às vezes, a única forma de passar o recado ao paquerador é dar uma resposta matadora, instantânea e rápida.

Ele diz: “Se eu te vir pelada, morrerei feliz.”
Você responde: “Se eu te vir pelado, morrerei de tanto rir.”

Ele diz: “Acho que já nos conhecemos de algum lugar.”
Você responde: “É por isso que eu não vou mais lá.”

Ele diz: “Que tal irmos para a minha casa?”
Você responde: “Sua caverna é para duas pessoas?”

Ele diz: “Este lugar está vazio?”
Você responde: “Está, e esse aqui também, se você se sentar.”

Ele diz: “Qual é o seu número?”
Você responde: “Está na lista telefônica.”

Ele insiste: “Mas não sei o seu nome.”
Seu xeque-mate: “Também está na lista telefônica.”

PIADISTAS

O fato de que as mulheres não sabem contar piadas é uma verdade universalmente aceita. Está certo e não há o que discutir. (“Um coelho e um padre estão num barco e… não, não, não é isso. Estão num helicóptero, e tem esse camelo e o padre diz: ‘Por que a cara amarrada?’ Não, não é isso, vou começar de novo…”) Mas a verdade é que, enquanto zombam da inabilidade feminina de lembrar quantos elefantes cabem em um fusca, os homens ignoram que suas piadas nunca são engraçadas, ao contrário das respostas espertinhas e dos casos divertidos e bem contados. Na verdade, elas são dolorosamente sem graça.

Infelizmente, há uma categoria de homem que não entende isso. Todos sabemos como identificá-lo: o Piadista. Você pode estar no meio de um jantar sofisticado, participando de uma conversa tensa, porém civilizada, sobre política, religião ou economia, e o piadista vai dizer: “Vocês conhecem aquela do bispo e da atriz?”, na ingênua certeza de estar desanuviando a sala.

O que ele procura é garantir instantaneamente que a conversa morra, pois todos são forçados a parar a fim de ouvir suas inanidades e aturar suas caretas, enquanto aguardam o clímax patético.

Também você pode estar ocupada trabalhando freneticamente para cumprir um prazo, e acaba sendo interrompida pelo piadista do escritório, querendo entreter um grupo de colegas bufões com uma interminável torrente de gracejos, que em geral incluem algum estereótipo misógino ou racial. Nesse caso, a menos que você queira ser lembrada para sempre como desmancha-prazeres, é preciso cerrar os dentes, tentar ignorá-lo e imaginar que está quebrando o monitor na cabeça dele. Como disse Mark Twain: “É melhor ficar quieto e parecer um tolo do que falar e tirar a dúvida.”

TAREFAS DOMÉSTICAS

Qual é o problema dos homens com as tarefas domésticas? Há inúmeras teorias.

Complexo de Édipo. Os homens de certa idade foram criados por mães que se matavam de cozinhar, limpar, lavar, passar, dobrar, espanar e esfregar, enquanto seus pais iam alegremente para o escritório, onde brincavam com papéis e flertavam com as secretárias. Ao voltarem, eram recebidos por uma sorridente esposa com um belo vestido e uma refeição de três pratos. Para esses homens, deve ter sido um choque crescer e perceber que os tempos mudaram, que as mulheres saíram da cozinha para ocupar a diretoria das empresas e não têm mais o dever de executar as tarefas do lar. Até hoje, eles não aceitam essa condição e se limitam a enfiar a cabeça na terra, recusando-se a acreditar que a utopia masculina dos anos 50 esteja morta e enterrada.

Confusão de preposições. Cientistas descobriram recentemente que o cérebro masculino é incapaz de compreender preposições como “dentro” e “sobre”. Tudo bem, isso eu inventei. Mas se um cientista tivesse a perspicácia de conduzir uma pesquisa dessas, ele – ou, provavelmente, ela – descobriria que o fenômeno é real. Vejam bem: as mulheres sabem que a louça suja vai dentro da pia. Os homens, porém, não conseguem entender isso. No fundo, eles têm consciência, mas quando chega o momento, seu pobre cérebro condicionado insiste em entender que a louça deve ser deixada sobre a pia. O mesmo se aplica às roupas sujas, mas nesse caso há agravantes, pois as expressões “ao redor” e “por aí” interferem na situação. As roupas sujas devem ser colocadas dentro do cesto, e não sobre ele, nem espalhadas ao redor dele ou por aí. Mesmo assim, os homens não conseguem evitar. Não têm capacidade intelectual suficiente, os pobrezinhos.

Cegueira à imundície. Mais uma vez, trata-se de um fenômeno provocado por maus genes, deficiência cerebral ou algo assim, portanto não podemos culpá-los. Apenas ficamos com pena. Quando uma mulher olha para, digamos, o chão da cozinha, enxerga uma massa asquerosa de pegadas enlameadas, migalhas e manchas sinistras não-identificadas, proliferando bactérias mortais que precisam ser imediatamente exterminadas. Um homem olha para o mesmo chão e enxerga uma superfície reluzente e higiênica, na qual é possível até conduzir uma cirurgia cardíaca de emergência.

PREGUIÇA

Ao escarrapachar-se no sofá, o homem médio tende a permanecer assim o resto do dia, como se estivesse colado às almofadas. Ele só deixa o lugar em circunstâncias extraordinárias, como um tsunami ou a necessidade de pegar mais cerveja.

É provavelmente uma volta aos tempos pré-históricos, quando o homem tinha que permanecer o mais imóvel possível para surpreender a caça. Os mais impacientes eram imediatamente devorados por um tigre-dentes-de-sabre, garantindo que os restantes – mestres na arte de não fazer nada – sobrevivessem para perpetuar a espécie masculina. É uma herança por demais deplorável para as mulheres modernas.

PRESENTES

Todas nós já recebemos um presente ruim do homem amado. Não é uma experiência agradável. Você está sentada, o coração acelerado de ansiedade ao vislumbrar o embrulho que o seu amor lhe oferece com as patinhas suadas. “O que será?”, você pensa. “Seria alguma das inúmeras dicas que eu tenho soltado todos os dias nos últimos seis meses?” Sem conseguir conter a empolgação, você agarra o presente, rasga o papel e abre a caixa para descobrir… um novo ferro de passar. “Um ferro?!”, você pensa (porque, àquela altura, é incapaz de articular um discurso coerente). “UM FERRO?!” Então você abre o berreiro ou arremessa o objeto ofensivo na cabeça do sujeito, com a força que só uma mulher furiosa e desapontada pode reunir.

Querem saber quais são os piores presentes, os que nenhuma mulher em sã consciência desejaria ganhar de Natal, os mimos que nos fazem querer esganar nossos homens com as próprias mãos?

Bichos de pelúcia. Por acaso, a amada tem 12 anos? Ou é uma dessas mulheres que se vestem de rosa, usam linguagem infantilizada e ainda brincam de Barbie? Se não é, provavelmente não achará graça em um gigantesco urso de pelúcia abraçando um coração de cetim com as palavras “Amo você” escritas em caligrafia rebuscada.

Coisas que ele quer. É o truque mais velho do mundo, tão óbvio que uma criança de 2 anos consegue apontá-lo, e ainda assim eles insistem. Curiosamente, o homem é todo sorrisos quando você, uma mulher de 30 anos, puxa um PlayStation3 da caixa. No ato, ele se lança alegremente a uma noite de tiroteios com metralhadoras, enquanto você se recolhe à cozinha para derramar umas furtivas lágrimas.

Lingerie sexy. Muitas mulheres adoram ganhar um fio insignificante de seda com lacinhos, de alguma marca famosa, mas, para o cidadão médio, a compra de uma lingerie realmente desejável está cercada de perigos impossíveis de contornar. Para começar, a idéia do que é sexy para os homens raramente é a mesma das mulheres. Calcinhas com abertura frontal e sutiãs transparentes podem parecer o epítome da sofisticação erótica; nós estremecemos diante de sua impraticabilidade e feiúra. Há também a questão do tamanho. Ou a peça em questão é ridiculamente pequena, destruindo a auto-estima da presenteada, ou é imensamente grande, o que igualmente leva a sentimentos de inadequação. É um campo minado – a ser evitado a todo custo.

Extraído do livro “Moan about men”, de Juliana Foster_ © Juliana Foster_Publicado em acordo com Moan About LimitedT_www.moanaboutmen.co.uk

Uma rede de futuros escritores

Posted: 31st agosto 2008 by Vanessa Barbara in Clipping
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JCNet – Jornal da Cidade de Bauru
31 de agosto de 2008

por Karla Beraldo

Um longo caminho separa um jovem autor da publicação de seu primeiro livro. No entanto, para alguns “talentosos sortudos da rede”, esse percurso pode durar a mesma fração de tempo necessária para um “post”. O crescente número de publicações que transportam para o papel textos feitos originalmente na Internet – e mais especificamente nos blogs – e os tantos “blogueiros” que se dedicam à criação literária, têm feito com que muitos encarem a rede como um promissor berço de futuros escritores.

Um recente exemplo é a escritora Vanessa Bárbara, de apenas 26 anos, cuja trajetória até as prateleiras foi um caminho breve. Dona do “Hortaliça” (www.hortifruti.org), uma espécie de fanzine publicado na Internet desde 2002, a jovem chamou a atenção na web por sua habilidade com as letras e, se não bastasse um primeiro livro, lançou dois logo de uma só vez: “O Livro Amarelo do Terminal” e “O Verão do Chibo”, este escrito em parceria com Emilio Fraia.

Vanessa, que também é jornalista e colaboradora desde a primeira edição da revista “Piauí”, não nega que, pelos feitos citados acima, muito deve à visibilidade alcançada com o almanaque produzido na Internet.

“Fui chamada pela ‘Piauí’ porque os editores leram a ‘Hortaliça’ e acharam tudo muito apropriado. Na verdade, eles nem sequer sabiam que eu era formada em jornalismo, portanto, todo crédito ao ‘legume’. No caso da editora, o Paulo Werneck também me chamou para ser preparadora de originais por causa da minha horta. Assim, tanto o ‘Hortaliça’ quanto a minha experiência jornalística e editorial contribuíram para que eu fosse publicada”, conta a paulistana, esbanjando humor, em entrevista ao JC Cultura.

Em “O Livro Amarelo do Terminal”, nascido da necessidade de um tema para um livro-reportagem para o trabalho de conclusão de curso, Vanessa faz um relato do que é o Terminal Tietê, em São Paulo, a maior rodoviária da América Latina. Por meio da reportagem que se utiliza de técnicas literárias para contar uma história, a escritora reuniu entrevistas, material de arquivo, relatos tocantes e personagens curiosos, todos costurados capítulo a capítulo.

“O livro é a cara do que faço na Internet. Pode até ser confundido com um almanaque da rodoviária, pela polifonia do texto e design. É tudo feito por meio de um jornalismo que procura a melhor forma de abordar um assunto, sem medo de experimentar. Aliás, toda minha seriedade jornalística e editorial pode ser atribuída à ‘Hortaliça’”, afirma a jovem que considera que o “praticar” na Internet foi essencial para dar o pontapé inicial na sua carreira de escritora.

Para Vanessa, a liberdade é um dos principais benefícios daqueles que caminham pela via contrária, migrando da rede para o papel. “É um meio onde se pode escrever o que dá na telha, na hora que quiser e para quem quiser. A liberdade é única”, considera. Para ela, a Internet concede ao autor um tipo de liberdade que ele provavelmente não teria se começasse direto com o livro impresso.

“Nos sites, blogs e fanzines, não há necessidade de escrever com as mãos atadas, do alto de um guarda-roupa e com um vestido de festa: pode-se fazer um texto de pijamas sem umbigo nem cabeça. Essa falta de solenidade fica para o resto da vida – e não significa um texto desleixado, mas um texto que não se leva a sério, um texto que não se gaba de nada”, defende Vanessa, que teve ambos os livros lançados em julho, na 6.ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), na qual a escritora compôs a primeira mesa de debates do evento, como representante da nova geração de escritores brasileiros.

Da mesma opinião da escritora compartilha Silvia Ferreira, estudante de jornalismo da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru. Para a jovem de 22 anos, as postagens em seu blog (www.desmascarandodemagogias.blog-se.com.br) é uma maneira de explorar a criatividade e fugir da prática do jornalismo convencional.

“É um espaço para reflexões que, muitas vezes, não temos condições de fazer fora da rede. Além de ser uma ótima maneira de exercitar. Lendo posts antigos é nítida a evolução: hoje os textos estão mais bem escritos e argumentados”, avalia a futura jornalista, que está no seu quarto blog.

A exemplo de Vanessa Bárbara, a estudante, que está no último ano de jornalismo, também aproveitará o trabalho de final de curso para dar início à empreitada de seu primeiro livro. Juntamente com outros colegas, Silvia pretende contar a história do Armazén Bar, uma das mais antigas casas noturnas de Bauru. “Por meio dele (bar) queremos fazer um retrato de toda uma geração. E ainda vai ser uma maneira de colocar para fora toda essa vontade de escrever”, considera.

Um olhar sobre o Tietê

Posted: 28th agosto 2008 by Vanessa Barbara in Clipping
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Jornalista que cresceu na Zona Norte transforma em literatura coisas comuns que acontecem todos os dias no maior e mais importante terminal rodoviário da América Latina

Diário de S. Paulo – Especial Zona Norte
28 de agosto de 2008

Click click

Posted: 21st agosto 2008 by Vanessa Barbara in Clipping
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Quinta-feira, 21 de agosto de 2008
http://g1.globo.com/platb/zecacamargo/2008/08/21/click-click/

por Zeca Camargo 

cavalo.jpg

Uma das minhas lojas favoritas em Paris fica no Marais, e, ao contrário do que se possa imaginar, não tem nada a ver com moda, não vende nenhum item de comida, e muito menos perfume – para listar três coisas pelas quais a capital francesa é famosa. A loja chama-se Photographie (Fotografia, em português), é de um cara (aparentemente) cinqüentão – magro e, como bom francês, fumante inveterado (já o peguei fumando mesmo dentro da loja, próximo da hora de fechar…) -, chamado Fabien Breuvart. Fica na Rue Charlot, quase esquina da Rue Bretagne – e como quase todas as boas descobertas da vida, eu a encontrei por acaso, procurando uma queijaria que havia visto de relance quando passei por ali de táxi. Naquele pequeno espaço, de menos de vinte metros quadrados, costumo comprar imagens como essa que abre o post de hoje.

São fotos anônimas, esquecidas em gavetas antigas, álbuns abandonados, ou simplesmente jogadas no lixo. Monsieur Breuvart faz um inestimável garimpo por feirinhas de antiguidades (e, imagino, alguns depósitos de entulho) para resgatar essas obras-primas alternativas. Não custam caro (as mais baratas saem por menos de R$ 20,00), mas têm um valor inestimável para fãs do gênero (como eu) – e não exatamente porque elas têm um pedigree, ou uma assinatura famosa, mas justamente porque são registros despretensiosos de pessoas comuns divertindo-se com o prazer de experimentar uma linguagem. Os resultados, quase sempre desastrados, oferecem registros de inesperada poesia, seja no recorte inusitado da foto, ou na inocência de quem estava sendo registrado pelas lentes – como esse casal (de anônimos, claro) patinando, que eu também encontrei naquela loja.

foto1_zeca.jpg

Hoje, claro, com o triunfo das câmeras digitais, imagens como as que são vendidas na Photographie só tendem a desaparecer. O retrato não ficou bom? Apaga e tira outro! De certa maneira, a descartabilidade dessas imagens digitais fez de todos nós perfeccionistas aspirantes – ainda que com critérios bastante duvidosos. Como diz um amigo meu, constantemente abordado por fãs que querem tirar uma foto com ele (sim, ele trabalha também em televisão), todo mundo agora é Cartier-Bresson – quer registrar o “momento decisivo” (para usar a expressão que o famoso fotógrafo ajudou a cunhar), nem que seja com o seu telefone celular…

Nada contra! Eu mesmo, alvo de pedidos semelhantes, poso com paciência (sempre que tenho tempo) para a segunda, terceira, e muitas vezes quarta tentativa de quem me assedia, até que eu escuto: “essa ficou boa!”. O problema é que a avaliação “não ficou boa” é um critério bastante subjetivo: um borrãozinho aqui, um canto da bochecha que ficou fora do quadro ali, um olhar desviado na última hora, o foco que não está afinado, alguém que passa na frente sem avisar, o sorriso que ainda não havia se formado quando a câmera fez click! Pois, para mim, são (repare nas aspas) “imperfeições” assim que fazem a beleza de fotos como essa, tirada num Natal sabe-se lá onde e quando (sabe-se lá até se é Natal… só porque tem alguém vestido de Papai Noel?).

noel.jpgMeu interesse por esse tipo de foto começou quando encontrei, num sebo, o livro “Anonymous: enigmatic images from unknow photographers” (“Anônimos: imagens enigmáticas de fotógrafos desconhecidos”). O entusiasmo com que me apaixonei por aquelas fotos me levou a encontrar outra publicação no gênero, ainda mais incrível: “Other pictures: anonymous photographs from the Thomas Walther collection” (“Outros retratos: fotografias anônimas da coleção Thomas Walther”). São volumes fascinantes, que eu recomendo para a estante de qualquer um que tenha um certo interesse no pouco usual – achei o primeiro por menos de R$ 15,00 numa livraria virtual, e o segundo, um pouco mais raro, por R$ 40,00.

Esta semana tornei a folheá-los – bem como me inspirei a finalmente tirar as fotos que comprei na tal loja parisiense do envelope para emoldurá-las – depois de ter lido dois livros que possuem uma estranha conexão (ambos, quero crer, destaques dessa vigésima – viva! – Bienal do Livro que acontece até domingo, em São Paulo – mas também já disponíveis para o leitor de todo o Brasil): “O livro amarelo do terminal”, de Vanessa Barbara (CosacNaify) e “O instante contínuo – uma história particular da fotografia”, de Geoff Dyer (Companhia das Letras).

A conexão do livro de Dyer com o tema de hoje é um pouco mais óbvia – por isso, vamos começar por ele: Nesse megaensaio de 2005 (lançado só agora em português), o escritor inglês nos convida a um passeio livre pelo seus interesses em fotografia. É um trajeto sem mapa, onde artistas e fotos são agrupados por temas, cuja conexão entre si é bastante intuitiva. Começando por retratos de cegos – mais especificamente pela clássica imagem de uma cega nas ruas de Nova York, registrada em 1916 pelo mestre Paul Strand – o autor nos leva por um itinerário imprevisível: fotos de mendigos tocando acordeão, passageiros no metrô, fotos de mãos, fotógrafos fotografando fotógrafos, nus, chapéus, escadas, camas (desfeitas e arrumadas), bancos de jardim, cercas, parques, homens de sobretudo… e por aí vai!

geoffva.jpgDyer não escreve bem – ou pelo menos, não emociona este humilde blogueiro. Melhor seria dizer que sua escrita é inconstante. Seu livro mais conhecido, “Ioga para quem não está nem aí” (Companhia das Letras), me acompanhou na Volta ao Mundo que fiz em 2004 e me trouxe ao mesmo tempo momentos iluminados e de muita irritação. Quando quer mostrar erudição, ele não tem a naturalidade de um Alain de Botton (curiosamente, quem escreve o texto da contracapa de “O instante contínuo”) e nos obriga a passagens intragáveis. Ao mesmo tempo, ele é capaz de sintetizar idéias interessantes, como essa, que usa para descrever a relação entre dois dos maiores fotógrafos do século 20: Alfred Stieglitz e Paul Strand: “Há nas amizades um momento – e às vezes esse momento pode durar a vida inteira – de absoluta igualdade. O que cada um dá é equilibrado, exatamente na mesma medida, por alguma coisa que o outro oferece, mesmo que uma das partes não tenha consciência disso”.

Em outro parágrafo, em apenas uma frase, Dyer dá a melhor definição que já li sobre o trabalho da americana Diane Arbus (que foi obtusamente interpretada por Nicole Kidman no relativamente recente “A pele”): “Arbus vê as inexauríveis possibilidades da excentricidade, uma multiplicidade de isolamentos”. E, para dar só mais um exemplo, ao comentar uma foto de Stieglitz, “A rua, Quinta Avenida” (1900-01), com um homem encapuzado no centro da imagem, ele diz, quase que como estapeando o leitor: “E pensar que houve um tempo, há mais de um século, em que esse momento foi agora! E aquele vulto da capa – até mesmo ele deve ter tido um pressentimento do modo como aquele “agora” se torna “naquela época”. Brilhante! Pois essa mesma sensação, que serve para um registro do início do século 20, repete-se até hoje, infinitas vezes, a cada instante que as pessoas acionam o botão de sua câmera para rever o que acabou de ser fotografado.

Por passagens assim, e pelo curioso roteiro fotográfico de Dyer, “O instante contínuo” vale a pena ser lido. Afinal, foi exatamente essa frase que acabei de citar – sobre o “agora” que vira “naquela época” assim que é fotografado – que me veio à cabeça nas linhas finais de “O livro amarelo do terminal”. Não, Vanessa Barbara não escreveu outro tratado sobre fotografia… Mas, ao descrever o cotidiano da rodoviária do Tietê, em São Paulo, ela acabou presenteando o leitor com um fascinante conjunto de instantâneos das pessoas que circulam por lá.

livroamarelo.jpgEssa “galeria”, diga-se, está mais próxima das fotos anônimas vendidas naquela loja parisiense do que do cânone de mestres desfilado por Geoff Dyer. Mas por que você acha que eu comecei o texto de hoje falando justamente desses fotógrafos anônimos? Será por que eles oferecem surpresas menos previsíveis que aquelas que você já espera de um nome consagrado? Vejamos alguns “retratos” de Vanessa:

“Há os que passam, tranqüilos, segurando imensas barras de ferro, persianas, apetrechos estranhos, de utilidade desconhecida. Outros arrastam uma pilha de caixas, correndo meio agachados e derrubando e empilhando e disparando de novo, num rali de caixotes”.

“Jomeri estava irritado. Vigiava um bocado de malas no chão e estraçalhava os botões de sua estonteante camisa florida azul e branca. De pé, encarava os passantes à procura do irmão que prometera buscá-lo. Mas nunca o reconhecia – e olha que já estava prestes a explodir de ansiedade”.

“A rodoviária do Tietê é uma cidade de chicletes abandonados, de pessoas com pressa e de coisas perdidas”.

E esses são apenas três das várias “polaróides” que Vanessa traduziu em letras quando fez um plantão por lá, em 2003. Voltando ao terminal agora, em 2008 – como conta no capítulo final de seu livro -, a autora encontra apenas resquícios do que registrou cinco anos antes. Como diria Dyer, aquele “agora”, tão vivamente “fotografado” por Vanessa, já tinha virado “naquela época”.

Essa dissonância, porém, longe de tirar a força do seu relato, só o torna mais intenso. Mesmo se não houvesse o impacto do projeto gráfico de seu livro – com um texto que flerta o tempo todo (felizmente sem sucesso) com o ilegível e tem a esperteza de usar os grafismos das próprias latarias dos ônibus para ilustrar cada abertura de capítulo (e este é apenas um dos elementos visuais presentes no universo da rodoviária que “contamina” suas páginas) -, mesmo assim, “O livro amarelo do terminal” oferece uma experiência única: a de evocar um cotidiano ebuliente para leitores que raramente têm a chance de passar por lá.

Numa simetria perversa, as pessoas com quem Vanessa conversou – como coloca a própria autora, referindo-se à Rosângela (que trabalhava no balcão de informações) – talvez nunca leiam esse livro. Assim como as pessoas imortalizadas nas fotos que enchem as prateleiras da loja Photographie nunca sonharam que estariam um dia ilustrando este blog. Coisas do acaso…

Eles são Sampa e livros

Posted: 15th agosto 2008 by Vanessa Barbara in Clipping
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Blog Urbanistas/SP
15 de agosto de 2008

por Aline M. Ramos 

Em época de Bienal Internacional do Livro em São Paulo, conversamos com Vanessa Barbara e Emilio Fraia, que, desde o lançamento de seu primeiro romance, O Verão do Chibo (Ed. Alfaguara, 2008), vêm recebendo críticas muito positivas e já estão sendo incluídos na lista dos mais originais escritores brasileiros contemporâneos. Nesta entrevista, eles falam sobre o processo de criação do livro, suas inspirações e os diversos tipos de mídia em que criam.


Como foi escrever O Verão do Chibo a quatro mãos? De quem partiu a idéia inicial do livro e como foi o processo de criação?

Escrevemos O verão em turnos. O Emilio escrevia um trecho, que podia ser de duas linhas ou de uma ou duas páginas, passava para a Vanessa e ela lia, reescrevia e seguia em frente. Foi um processo lento, principalmente no início, quando ainda não tínhamos uma voz coesa. Encontramos o tom no decorrer das páginas, quando o nosso narrador (o Menorzinho) decidiu falar com a gente. A partir daí, fomos escrevendo sem rumo, sem discutir o enredo. Fizemos alguns poucos “colóquios” para uniformizar as idéias, mas em geral foi um processo de muita reescrita, de cuidado com o texto. O Emilio gostava muito quando chegava numa parte difícil de continuar, quando ele mesmo colocava os personagens numa situação complicada e aí era só salvar o arquivo e mandar pra Vanessa, que ela resolvia. Às vezes dava a sensação de que o livro se escrevia sozinho, porque de repente a Vanessa recebia um trecho já pronto, como se tivesse ido dormir e as coisas tivessem acontecido na sua ausência. Apesar da coisa da escrita a quatro mãos ser interessante (poucos são os casos de parceria envolvendo ficção), a sensação pra gente é que ela não importa muito. O Verão pode ser lido como sendo de um único autor. A gente queria contar uma história, fazer com que o leitor se concentrasse nela e só.

Como surgiram a idéia do roteiro, o inusitado cenário da plantação de milho e os personagens?

Nós tínhamos lido uma frase do Kafka, de um conto chamado “Comunidade”, e ela dizia que “além do mais somos cinco e não queremos ser seis”. Isso foi mais ou menos ao mesmo tempo em que a gente pensou em escrever uma história cujo início fosse num tiroteio de balas de goma. Não tem muita lógica (e não sabemos exatamente como surgiu a coisa da plantação). O que nos faz pensar também que um livro não começa a ser escrito quando começa (de fato) a ser escrito. Ele começa antes e depois, e por muitas vezes — caolho, com sono, dor de barriga, soluço, apendicite, dor de dente. O Verão, que começou quando a gente se conheceu e começou de novo quando o Chibo não desceu do carro pra brincar com os amigos, começou muitas outras vezes, e quando descobrimos que os personagens não se entendiam muito bem e que tínhamos ali algo sobre a dificuldade de expressar as coisas, sobretudo as mais importantes.

Vocês foram particularmente influenciados por alguma obra ou autor? Como vocês transitam por diversos tipos de mídia (impressa e eletrônica), para escrever este romance, vocês também foram influenciados por alguma outra forma de arte, que não apenas a literatura?

Fomos influenciados pelo universo inteiro, empilhado. Folhetos publicitários de um iogurte búlgaro, a viagem Paris-Marselha do casal Cortázar-Dunlop, a hipótese de que o realismo seria “mera verossimilhança sem invenção”, um cabeludo tocando guitarra na capa de um disco. O nome “Chibo”, por exemplo, foi tirado de um personagem coadjuvante de um livro do Vargas Llosa chamado Os filhotes. Assistimos também uma porção de filmes com crianças,Brinquedo proibido (de onde pegamos a epígrafe do livro), Os incompreendidosZero de condutaZazie no metrô,Quando papai saiu em viagem de negócios. A Vanessa tirou dentes do siso, o Emilio teve apendicite, vimos A estrada(do Fellini) e também brigamos no início do capítulo seis.

Vocês dois são jornalistas e, além de terem suas próprias publicações eletrônicas (Givago, fanzine que era editado pelo Emilio e A Hortaliça, almanaque virtual editado pela Vanessa), também são colaboradores da revistapiauí. Qual a diferença do processo de criação para cada um destes meios: eletrônico, impresso mensal e literatura?

No meio eletrônico de fanzines e legumes, temos liberdade (em excesso) para escrever o que nos dá na telha, pra lançar edições especiais de “bobice indomável”, pra demorar seis meses entre um número e outro e pra maquinar contos que não têm a menor razão de ser. É bom por ser um exercício divertido e sem a menor solenidade — o que procuramos estender às nossas outras produções. Na piauí, o foco maior é o jornalismo e também tentamos reproduzir os nossos vibrafones e obsessões, sem medo de experimentar, e no caso da literatura, dá pra sapatear bastante no texto e pensar mais detidamente na história (mas sem perder legumes e isqueiros jamais).

O processo de criação a quatro mãos do romance foi diferente do processo que vocês utilizaram para escrever, também em parceria, o conto “Vibrafone”, publicado no Givago?

O “Vibrafone” é uma costura de alguns e-mails que trocamos em 2003, sobre o sumiço de um vibrafone numa música. Não era pra ser um conto, não fomos trocando trechos pensando numa história, como fizemos n’O verão. Tínhamos lido o Jogo da amarelinha, do Cortázar, e estávamos realmente empolgados com o Oliveira, o Gregorovius, a Etienne e a Maga ouvindo jazz e tateando o ar sob as nuvens achatadas e vermelhas do Quartier Latin. Na época, a Vanessa gravou um CD com as músicas que aparecem no livro e deu de presente pro Emilio. Escutávamos a Bessie Smith, o Coleman Hawkins e, de repente, o Emilio percebeu que o vibrafone do Lionel Hampton havia desaparecido da música “Save It Pretty Mama”! Desse sumiço, nasceu o conto.

Apesar de o narrador do romance O Verão do Chibo ser um menino de cerca de sete anos, não se trata de uma literatura infanto-juvenil. É mais difícil escrever para adultos com uma voz narradora infantil?

A voz do nosso narrador é incomum, a visão que ele tem do mundo é muito delicada e achamos mais interessante contar a história do ponto de vista do menorzinho do que dos adultos. Um narrador-criança tem um jeito diferente de ver as coisas e, no nosso caso, tem dificuldade em entender o que está acontecendo, o que é muito interessante para o livro. É um desafio para quem escreve, mas pode ficar interessante.

Vocês estiveram recentemente na FLIP, em Paraty (RJ), como convidados da mesa “Primeiro Tempo”. Há quatro anos, na FLIP de 2004, quando vocês participaram da oficina de criação com Milton Hatoum, vocês já planejavam ter um romance publicado em breve? E esperavam passar de participantes a convidados da festa em tão pouco tempo?

Em 2004, o Emilio se hospedou num albergue cuja TV da sala ficava ligada 24 horas por dia num programa sobre emas. A Vanessa ficou num hotel cuja porta do banheiro não fechava, onde os galos gritavam às 3 da manhã e havia um comitê eleitoral no andar térreo. Ou seja: o convite não só foi inesperado como muito bem-vindo.

Que tipo de leitor vocês idealizam ou idealizaram para O Verão do Chibo? Ou que tipo de leitor vocês gostariam de ter?

Enquanto escrevíamos, não idealizamos nenhum leitor, não pensamos nos amigos nem no que a história poderia causar. Parafraseando o Quiroga: tentávamos criar a história como se ela não tivesse interesse senão para o pequeno mundo dos nossos personagens. Mas, com o livro pronto, a literatura são sempre modos de ler. A mãe da Vanessa, por exemplo, quer um leitor que perceba quão magnífico é o personagem Cabelo. Ele seria o centro do livro e tudo no mundo se encheria de desenhos alienígenas, abelhas e nariz escorrendo. Em outro lugar se ajeitou na poltrona o leitor de um Verão muito sinistro, uma história de terror, de barcos que não atracam, lagartixas cortadas ao meio, tábuas quebradas, a história de um mundo em que a imaginação tenta resistir frente a um exército de figuras mortas e empalhadas. Alguém pode dizer: é o tipo de narrativa de aventura, só que enguiçada! Há crianças, férias, verão, mas parece que o filme enroscou na máquina, que a bóia de pato furou, que as figurinhas perderam o autocolante! Ou então: é a história de um narrador que não entende direito as coisas porque, ora, é criança. É a história de pais que brigam e é a história de como, sem perceber, devagar e aos poucos, as coisas de lá se misturam com as de cá e nos transformamos em pessoas novas e estranhas para nós mesmos.

Vamos pensar em dicas de compras para a Bienal… Quais os livros favoritos de cada um, independentemente de eles terem ou não influenciado este romance?

Emilio: os contos do Onetti; o Gordon Pym e as histórias do Poe.
Emilio e Vanessa: Flaubert, Borges e Cortázar.
Vanessa: Tristram Shandy, do Sterne, e Alice, do Lewis Carroll.
Emilio: A história do olho, do Bataille; Juventude, do Coetzee; A construção, do Kafka.
Vanessa e Emilio: Salinger, A volta do parafuso, do Henry James e A invenção de Morel, do Bioy Casares.
Emilio: a revista Mad; um site que ensina a construir casas na árvore; o manual Você tem muito o que aprender, Charlie Brown!

Vanessa: O Manual de refrigeração e ar condicionado.
Vanessa e Emilio: a entrevista Truffaut/Hitchcock e as histórias do Calvin e do Haroldo.


Na Bienal Internacional, O Verão do Chibo pode ser encontrado, dentre outros, no stand de exposição da editora Objetiva.

Nova autora submerge no terminal Tietê

Posted: 12th agosto 2008 by Vanessa Barbara in Clipping
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Folha de S. Paulo
12 de agosto de 2008

IVAN FINOTTI
EDITOR DO FOLHATEEN

“A rodoviária do Tietê é uma cidade de chicletes abandonados, de pessoas com pressa e de coisas perdidas”, conclui a paulistana Vanessa Barbara no capítulo inicial de “O Livro Amarelo do Terminal” (ela estará hoje na Livraria da Vila). Coisas perdidas: caça-níqueis, duas espingardas, duas motos, uma máquina de serrar azulejos e uma mão mecânica. Eis uma lista do que a jornalista encontrou no setor de achados e perdidos do terminal do Tietê em 2003, quando preparou esse livro-reportagem (lançado agora) para a faculdade de jornalismo. Pessoas com pressa: 2.000 funcionários, 66 mil visitantes/dia, malucos de plantão. Ela radiografa pequenas áreas e compõe um painel impressionante da segunda maior rodoviária da Terra. Chicletes abandonados: Vanessa não esquece, nunca, que os detalhes menos importantes são quase sempre os melhores. Por isso, lemos que, a cada grande faxina, o terminal alivia-se de 300 quilos de goma de mascar grudados nos pavimentos. Por fim, o bom humor do texto permitiu uma edição alucinada do livro: papéis de espessuras diferentes, letras do imaginário rodoviário, cores xerocadas de bilhetes de ônibus. Uma bela viagem.

O LIVRO AMARELO DO TERMINAL
Autora: Vanessa Barbara
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 35 (254 págs.)
Avaliação: ótimo

 

Folha de S. Paulo
12 de agosto de 2008

Encontros com João Moreira Salles e Vanessa Barbara, entre outros, acontecem hoje e amanhã, na Livraria da Vila

Humberto Werneck, autor de “O Santo Sujo”, fala da experiência com biografias; após as mesas, escritores fazem sessão de autógrafos

Nino Andrés

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

A editora Cosac Naify e a revista “Piauí” realizam hoje e amanhã, a partir das 19h30, na Livraria da Vila, um miniciclo sobre jornalismo e literatura. Vanessa Barbara, Matinas Suzuki Jr. e João Moreira Salles vão falar sobre reportagem. Já Humberto Werneck e Fernando Morais abordam biografias. As mesas têm mediação do jornalista Cassiano Elek Machado, diretor-editorial da Cosac Naify (leia ao lado).

A partir das 21h, Vanessa Barbara e Werneck participam de uma sessão de autógrafos de seus títulos mais recentes, “O Livro Amarelo do Terminal”, sobre o terminal rodoviário do Tietê, em São Paulo, e “O Santo Sujo – A Vida de Jayme Ovalle”, respectivamente.

Para Werneck, que levou 17 anos preparando o livro sobre Ovalle, o gênero tem um mercado “mais ou menos virgem” no Brasil, onde faltam biografias de grandes nomes, como Getúlio Vargas (1882-1954) ou Mário de Andrade (1893-1945).

“Há um mercado potencial enorme e estou convencido de que o campo é fértil. As pessoas se interessam por gente e histórias de pessoas”, diz Werneck, jornalista com passagem pelas revistas “Veja” e “Playboy” e ainda “Jornal da Tarde” e “Jornal do Brasil”, autor também de “Tantas Palavras”, reportagem biográfica sobre o cantor e compositor Chico Buarque.

Werneck também deve falar sobre as dificuldades de escrever a biografia de Ovalle.

“Uma das maiores dificuldades foi achar um repositório das informações sobre Ovalle, seu veio biográfico. Isso porque ele foi um poeta sem obra e muitos de seus contemporâneos já estão mortos. Foi como juntar os caquinhos de um avião que explodiu a dez mil metros de altitude.”