Nenê Gigante

Itaú Cultural
Brechas Urbanas, fev. 2020

por Vanessa Barbara

Há anos circula pela internet o vídeo “Caminhando com Tim Tim”, que resume bem o que é andar pelas ruas da cidade na companhia de uma criança pequena.

A artista Genifer Gerhardt descreve a venturosa jornada de Valentim, de 1 ano e 4 meses, até a “casa da vovó”, que fica a duas quadras de distância. O menino dispara na frente, estanca, volta, examina pedrinhas, sai correndo de novo. Ele anda de forma cambaleante, tem um penteado arrojado e veste sandálias vermelhas e azuis. Genifer, que é mãe, “palhaça, bonequeira e poeta”, descreve os quatro encontros do garoto nesse curto percurso: ele cumprimenta seu João, morador de rua e flanelinha; seu Jorge, o guardador de carros do restaurante da esquina; o “homem do mercadinho” e seu gato; e os três senhores do almoxarifado do hospital.

Com Valentim ela aprende que “chegar não é mais valioso que a andança, e que o encontro é precioso e necessário”. O menino exibe as sandálias para um dos amigos, faz carinho no gato de outro, dá a mão para atravessar a rua. Não tem pressa. Às vezes parece se perder observando uma pedra.

Penso sempre nesse vídeo quando passeio com minha filha de 1 ano e 7 meses, que atende pelo codinome de Batatinha. Ela frequenta uma creche que fica a 400 metros de casa. O horário de saída é às 6 horas. Porém, quando vou buscá-la, é comum chegarmos em casa lá pelas 7, cansadas e falantes, cheias de aventuras para contar.

Batatinha gosta de reparar nos buracos da calçada e pedir que os passantes tomem cuidado com as poças d’água. Gosta de ver os balões azuis da loja de sapatos, os passarinhos que dão voos rasantes, o pandeiro da loja de instrumentos musicais, uma letra “O” gigante em um letreiro de estacionamento. (Ela gosta do “O” porque é uma letra que está sempre espantada.) Empolgadíssima, avisa a todos quando vê um carro vermelho ou o caminhão do lixo.

É comum que ela pare subitamente e fique encarando alguém em específico: outro dia foi um pai com um menino na garupa de uma moto estacionada. Estavam ambos de capacete, o que lhe pareceu bastante intrigante. Ela passou uns bons minutos olhando séria para os dois, sem dizer nada. Nessas horas, eu já nem fico mais constrangida; apenas aguardo, respeitando o tempo misterioso de suas contemplações. Só parou de encará-los quando a moto foi embora. Então retomou o passo.

Batatinha gosta de ir comprar pão na “padaria da Raíssa”, que é a atendente do turno da tarde da padaria da esquina, e às vezes leva uma florzinha para ajudar a pagar a conta. Ela gosta de procurar a “lua magrinha” (minguante) no céu e fica feliz quando consegue avistar uma estrela. Quando os funcionários de uma clínica oftalmológica jogam arroz para os pombos, o percurso ganha uns 15 minutos a mais.

Sair para caminhar com uma criança pequena é uma aula prática de relatividade: o tempo e o espaço se distorcem, e nada é tão objetivo e direto quanto um dia já pareceu. Uma quadra pode ser percorrida em 20 segundos ou 20 minutos; às vezes escurece assim que dobramos a esquina.

Há dias em que saímos de casa apenas para visitar duas extraordinárias atrações do bairro: o “nenê gigante” e o “cabelo maluco”. O primeiro é a foto grande de um bebê de gorrinho no letreiro de uma loja infantil. Ele está abrindo a boca com ar de deslumbramento. Perdi a conta de quantas vezes fui até lá só para apreciar essa surpreendente obra de arte contemporânea; não sei como ainda não me cobraram ingresso. O Nenê Gigante evoca na Batatinha um enlevo estético que nenhum museu seria capaz de replicar. (Acho que é o ar de espanto.)

O Cabelo Maluco se refere ao penteado dos manequins de uma loja de roupas. Um dia, Batatinha conseguiu testemunhar o momento em que uma das vendedoras vestiu com um macacão branco o manequim pelado, que ainda por cima estava sem braços. A funcionária deixou que a extasiada visitante tocasse no cabelo maluco, que se enrola para o alto feito um sorvete de casquinha.

Batatinha só falou disso pelo resto da semana.

Manequins sem cabeça também despertam o interesse filosófico da menina, que logo se apressa em checar se a dela continua no lugar. Não se conforma com a negligência dos bonecos, que deixam cair a cabeça pela rua. Outro dia refletiu bastante, apalpou meu pescoço e declarou, aliviada: “A mamãe não perdeu a cabeça”. (Eu não seria tão categórica assim.)

Agora que Batatinha já sabe falar, todas essas aventuras ganham comentários descritivos em tempo real: “O menino espirrou”, “Olha o cabelo azul!”, “Oi, cachorrinho, tudo bem?”, “O moço tá dormindo”, “Acabou o Natal”, “O vento levou o chapéu”, e assim por diante. As peripécias são relembradas e recontadas ao longo de vários dias. As experiências do passeio de ontem são evocadas no passeio de hoje, como se pregássemos dezenas de placas comemorativas em cada ponto de interesse.

No domingo passado nós simplesmente saímos para dar uma volta no quarteirão, sem destino. Foi como uma road trip sem automóvel. Encontramos cachorros, lixeiras sem tampa, o Guigui de bicicleta, um homem soldando uma porta, um sapato esquecido no chão (“Pega, Cinderela!”). Sentamos na escadaria da rua para tomar água. Puxamos conversa com 13 ou 14 passantes.

A cidade da Batatinha tem a medida exata do seu assombro.

Cabelo Maluco
Deforestation in the Amazon (above) has skyrocketed under Brazil’s right-wing President Jair Bolsonaro. Photo: Joao Laet/AFP/Getty Images

Vogue | Up Front
Jan. 2020

by Vanessa Barbara

IT WAS A MONDAY AFTERNOON when day turned into night in the city of São Paulo. I was visiting an expensive nursery school for my 13-month-old daughter, trying to look remotely worthy of such a sophisticated institution. Although it was not supposed to rain that day, the sky suddenly disappeared behind a dense layer of low, heavy clouds. A two-year-old boy stepped out of his classroom, rubbed his eyes, and looked inquisitively at the principal, who said, “No, it isn’t night yet, dear, and your father’s not here to pick you up. Go back inside.”

Later that day, meteorologists struggled to explain the midday darkness. They eventually blamed low-lying clouds from a cold front combined with smoke from the fires in the Amazon rain forest, thousands of miles away. Many people saw this as a sign. While we Brazilians were carrying out our day-to-day activities in oblivion, our rain forest was sending an unequivocal distress signal. How were we going to answer? Was there anything we could do besides posting angry rants on social media?

In August, Brazil’s National Institute for Space Research reported an 84% increase in fires in the country compared with the same period in 2018. More than half of these were in the Amazon region. Thanks to images from NASA and NOAA satellites, one can see the extent of the devastation: dozens of smoldering patches of land clouding the otherwise dark-green landscape. The smoke from the flames had already swept across several Brazilian states, including São Paulo.

These were not natural wildfires—nor caused by weather and other factors, like the recent, devastating blazes in California. They were likely set by cattle ranchers, farmers, and loggers to clear the land for commercial purposes. Their method is well known: First they pull trees by their roots, using tractors equipped with chains. They wait a few months for the dry season, and when the piles of wood have finally dried, they set fire to everything.

It’s been going on for decades. For a while, between 2004 and 2014, a stricter enforcement of environmental laws had effectively curbed the pace of deforestation. But over time, a coalition of landowners, soy producers, and other rural players—the so-called agribusiness caucus—has gained more and more power in Brazilian politics, pushing its economic interests further into the forest. Then came the election of far-right politician Jair Bolsonaro—a notorious anti-environmentalist who sneers at the rights of indigenous people—and all hell broke loose.

Landowners have felt emboldened by the new president’s rhetoric. Some of them even coordinated a recent “fire day” in the northern state of Pará to declare their right to burn land. Worse, several reports have described a gruesome uptick in attacks on indigenous territories since Bolsonaro won the presidency, with several cases of homicide, stoning, and arson. Last January, dozens of men armed with machetes, chainsaws, and firearms entered the protected territory of the Uru-eu-wau-wau tribe to claim land for commercial purposes. They marked trees and staked out plots for sale. For months the tribespeople have fought back. Now part of this territory is on fire.

The author with her daughter, Mabel, photographed in the Brazilian city of Juiz de Fora. Photo courtesy of Vanessa Barbara

SO THERE WE WERE in the streets of one of the world’s largest cities as the sky turned dark. Ironically, my husband and I were interested in that upscale nursery school mainly because it is one of only a few in the neighborhood with a large outdoor area, a place where children are not confined to a concrete room depressingly devoid of windows. In a dense city like this, where trees are such a luxury, it can be hard to believe there’s hope for the Amazon.

But I’ve long since learned that being Brazilian is an exercise in helplessness. Protesting in the streets, organizing strikes, or calling the United Nations to beg for international attention—it can all feel beside the point given the Brazilian government’s legendary ability to ignore its own people. Sometimes policies temporarily change—under the heat of media pressure, perhaps—only to worsen exponentially later, when the news cycle has moved on.

The feeling of helplessness is acute for someone like me, a writer and journalist who is constantly taking stock of her country. One of my columns for the New York Times, for instance, praised the United Nations’ special rapporteurs—independent experts who monitor countries on behalf of the international body. I’d learned about them through my work: Whenever I researched a serious Brazilian matter related to, say, the environment, or the rights of the indigenous people, I would find out there had been a stern, accurate statement from a special rapporteur condemning exactly this situation. And the statements were always ignored. “Let’s keep working together on being neglected,” I wrote at the end of my piece. And I meant it.

But helplessness is no way to live, or else why would I have chosen to have a child? There is something endearingly foolish about a couple deciding to bring a new life into this world, I think. And things were not good when I decided to take the leap of faith: President Dilma Rousseff had been recently impeached on controversial charges of manipulating the federal budget. The incumbent government was enjoying an approval rating of 3%—almost lower than the poll’s margin of error. And yet I decided to go for it. I mean, the future had to be brighter, right? Little did I know that I would be nursing my tiny baby when the unimaginable happened: Jair Bolsonaro elected the 38th president of Brazil. The retired military man who praised the country’s history of dictatorship and who disparaged women, blacks, and homosexuals. The same man who vowed to put an end to all activism in Brazil. Indeed things could get worse. At home, watching the returns come in, I cried so much that my daughter stopped nursing to look up at me. She was wearing a rainbow onesie that day.

The grim new reality gave fresh resonance to another leap of faith I’d taken some years before. This was at another moment of powerlessness—personal and professional—and I’d first considered such remedies as studying medicine, opening a turtle sanctuary, or joining one of the remarkable environmental NGOs that work in Brazil. Feeling unsuited for any of it, I settled instead on one of the few true freedoms that we have: the choice of what to eat. I became a vegetarian.

At first I was guided only by ethical reasons: Animals are sentient beings that feel pain and are due certain moral rights. Killing a living creature seemed to me justified only in extreme circumstances; consuming an animal just for your own pleasure, convenience, or out of habit was morally wrong. I felt strongly about this, but I knew it would be difficult—for a number of reasons—to stop eating meat. I hate to cook; there are very few vegetarian restaurants in this city that open for dinner. I’ve had anemia before; I struggle with chronic depression. None of it would be easy, I complained to a vegan friend. (Until then, the only thing we had in common was our commitment to amateur astronomy.)

He just replied, “You are seeing this from the wrong point of view.” When we moan about difficulty, what we really mean is we’re not willing to stand up for fundamental change. Try talking about difficulty to a cow waiting in the line to get a captive bolt in her skull. Try talking about difficulty to indigenous tribes being exterminated to make room for livestock. Would I resign myself to helplessness? How serious was my indignation? I decided to get my act together; I consulted a nutritionist and stopped eating meat on the same day.

THE FACT THAT most Brazilians don’t think, even for a moment, about vegetarianism— that we are one of the world’s most carnivorous countries—spurred me along in my defiance. The case for eating meat is conservative, as conservative as the people who voted for Bolsonaro. They’d argue that meat-eating is natural, normal, and even necessary.

They’d appeal to tradition, evoke images of Christmas turkeys roasting in wealthy suburban homes. According to their worldview, vegetarians are outsiders, along with homosexuals, feminists, atheists, environmentalists, indigenous people, blacks, and immigrants—the same groups that Bolsonaro once swore to eradicate. Such an honor, I thought.

Gradually my choice became more about politics—and about the climate. These facts are fairly well known: Going vegetarian is one of the four biggest environmental contributions a single person can make—along with having one fewer child, living car-free, and avoiding air travel (especially transatlantic flights). The livestock sector is horribly inefficient, representing nearly 15% of global greenhouse gas emissions, while providing just 18% of calories and a third of the protein consumed around the world. In 2010, the U.N. reported that a significant reduction of the impact from greenhouse gases could be possible only with “a substantial worldwide diet change, away from animal products.” And in October 2018, a report in Nature argued that a shift toward plant-based diets was essential to mitigate the effect of greenhouse gases. According to the research, citizens from rich nations such as the United States would need to cut beef consumption by 90%.

And, of course, Brazil is the world’s largest exporter of beef and the second-largest soy producer. (Around 70% of the world’s soybean ends up as feed for animals—not for direct human consumption.) Livestock production is by far the leading cause of deforestation in the Amazon. According to a 2004 report from the World Bank, medium- and large-scale cattle ranching accounts for 80% of all converted land in the forest. Which is probably why President Bolsonaro recently declared that environmental issues matter only to “vegans, who eat only vegetables.” He was speaking for the status quo.

In the end, we didn’t choose the upscale school for our daughter—and not only because it was too expensive. I feared she would grow up among rich, entitled children of the same conventional families, and she would lack a diversity of perspective. We decided to hang around a few more months on the waiting list for the public nursery schools, which are unpretentious but have very nice teachers. I supposed she would be more comfortable there, with her rainbow onesie and her feminist toys. (She has a knitted Molotov cocktail, which we often throw at the chauvinist Easter Bunny. She also wears a secondhand onesie that says prince, which my neighbors find outrageous.)

I have to admit I feared the conversations I would have with the other parents in that upscale school. Already I catch myself dodging small talk in order to hide the fact that I’m a vegetarian; I’ve also learned to make excuses to skip barbecues or feijoadas, serving a traditional Brazilian dish made with black beans and pork. I mostly try not to sound judgmental, since I feel that people here can see my dietary choices as a threat to their way of life. After all, everyone knows that a woman should cook, obey her husband, and honor the Lord by diligently consuming His creatures. If I refuse to follow these rules, there must be something wrong with me. Maybe I’m secretly trying to boycott the Brazilian meat industry. Maybe I’m not patriotic. Maybe this will become one of the many subversive acts that call for punishment.

I am equally aware that the efforts of a single person are barely a scratch in the grand scheme of things. A vegetarian mother does not create a greener, compassionate world for her child (and my daughter is eating meat . . . for now. I’ll let her decide for herself when she’s older). I’ve never been the one to make decisions by weighing their consequences, for better or worse, so in a way it doesn’t matter if my vegetarianism has any effect on whether Brazilians continue to raise and kill animals for food. Brazil may indeed become a country with no place for indigenous people, homosexuals, blacks, feminists, environmentalists, and vegetarians. The fires may persist, the smoke continuing to gather. But I will choose not to participate in that grim barbecue.

Women performing “Un violador en tu camino,” or “A Rapist in Your Path,” in a demonstration against gender-based violence in front of the National Stadium in Santiago, Chile, last month. Credit: Esteban Felix/Associated Press

Women in Chile, Brazil, Argentina and elsewhere know: Stopping violence against women starts with politics and power.

The New York Times
Jan. 29, 2020

by Vanessa Barbara
Contributing Opinion Op-ed Writer

SÃO PAULO, Brazil — During the jury selection process for Harvey Weinstein’s criminal trial this month, dozens of women gathered outside a Manhattan courthouse to perform a version of the dance/chant known as “Un violador en tu camino,” or “A Rapist in Your Path.” First in Spanish, then in English, they sang: “Patriarchy is our judge that imprisons us at birth/And our punishment is the violence you don’t see.”

This performance, which quickly went viral, was created last year by the feminist collective Lastesis in Valparaíso, Chile, and is based on the work of the Argentine-Brazilian anthropologist Rita Segato. The lyrics describe how the state upholds systematic violations of women’s rights, through institutions such as the judiciary and the police. It’s not just that members of those institutions simply disregard the complaints — looking the other way, doubting the victims — but that they are often the perpetrators themselves. “This oppressive state is a macho rapist,” the chant goes.

“Un violador en tu camino” was first performed in front of a police station by a small group during a protest in Valparaíso on Nov. 20. It was then repeated five days later in the capital, Santiago, by hundreds of activists on the International Day for the Elimination of Violence Against Women. In early December, a group of thousands sang the anthem together outside Santiago’s National Stadium, which was a detention and torture center during Chile’s military dictatorship. (In one verse, the song mentions the “disappearance” of women.)

From there, it has spread all over the world: London, Berlin, Paris, Madrid, Barcelona, Tel Aviv, New Delhi, Tokyo, Beirut, Istanbul, Mexico City, Caracas, Lima, Buenos Aires, among other places. In Manhattan, according to The Associated Press, it caused “a commotion so loud that it could be heard in a 15th-floor courtroom.”

Protesters performing “A Rapist in Your Path” outside the Manhattan courthouse where Harvey Weinstein’s sexual assault trial is underway. Credit: Carlo Allegri/Reuters

The choreographed dance begins with a driving drum beat, as the women do a side-to-side movement and stomp out the rhythm with their feet. Many verses speak universally about the violence against women: They mention rape, femicide, impunity for the killers. “And it’s not my fault, not where I was, not how I dressed,” they shout, as if collectively rebuffing the same old forms of victim-blaming.

But the performance also carries strong local elements that might go unnoticed by the broader public. One verse sarcastically quotes the Chilean police anthem word for word: “Sleep calmly, innocent girl/ Without worrying about the bandit,/ Over your dreams smiling and sweet,/ watches your loving police.” The title, “A Rapist in Your Path,” is also an ironic appropriation of an old slogan used by the national police, “a friend in your path.”

The performance also makes references to police abuse in Chile, and by extension in neighboring countries. Part of the choreography includes squatting down, hands behind the head, a common search procedure still performed in many Latin American countries: Police officers and prison wardens often force women — sometimes even children — to squat, naked, in order to do a body cavity search.

The activists wear a black lace blindfold as a symbol of the often invisible ways that women are made vulnerable, but also as a nod to the hundreds of protesters who were partly blinded by the Chilean police in the past three months. (Since the beginning of the demonstrations, Chilean’s National Human Rights Institute has filed 1,080 lawsuits against the state, 770 for allegations of torture and inhumane treatment and 158 for sexual abuse, including four rapes.)

In Latin American countries, women performing the song also wear pañuelos verdes — the green scarves symbolizing the campaign for legal abortion. (The use of green scarves as an abortion-rights emblem derives from the white scarves carried by the Madres de Plaza de Mayo, whose children disappeared during Argentina’s military dictatorship.)

But “Un violador en tu camino” is way more than its Latin American specificities. This is why it has spread so far and so quickly. It speaks about something that is true in too many countries — not only Chile, Argentina or Brazil. “The rapist is you,” the women repeat here and everywhere, either pointing to a courthouse, to the police headquarters or to the presidential palace. They mean that violations against women are not isolated events, not merely connected to interpersonal relations, but rather, essentially political. Activists point a finger at institutions that facilitate gender-based violence by systematically dehumanizing women and promoting ideologies to keep them under control.

For proof that this is really a global political issue, look to Turkey, where the police broke up a performance of the song in Istanbul and confiscated the activists’ megaphone. Six women were arrested for supposedly insulting the president and degrading the institutions of the state. In a separate incident, courts issued arrest warrants for 25 women who protested in Izmir, while nine were detained. “Turkey has become the only country where one has to have immunity to stage this protest,” said a lawmaker, Sera Kadigil, as she and other colleagues staged a version of the protest in the parliament.

It should come as no surprise that female representatives make up only 17 percent of the Turkish parliament and 11.8 percent of the ministerial positions. The country ranks 130th out of 153 countries in the World Economic Forum’s Global Gender Gap Report for 2020.

Performing the piece in front of the Supreme Court in Brasília last month. Credit: Eraldo Peres/Associated Press

Here in Brazil, we face similarly depressing statistics. Activists here have added a couple of verses to the lyrics of “Un violador,” saying: “Marielle is present. Her killer is a friend of our president.” These refer to Marielle Franco, a Brazilian City Council member who was assassinated in 2018, and to the fact that President Jair Bolsonaro has ties to both of the suspects in the killing. (The investigation is ongoing.) In Brazil, women occupy 15 percent of the lower house seats and 9 percent of ministerial positions.

“It’s the cops. It’s the judges. It’s the system. It’s the president. The rapist is you.”

According to the 2020 Global Gender Gap Report, the largest gender disparity in the world still lies in the sphere of political empowerment. I dare say that’s where everything else begins. Only 25 percent of the 35,127 global parliamentary seats are taken up by women, a figure that drops to only 21 percent at the ministerial level. In nine of the 153 countries the forum examines, women are not represented at all. Over the past 50 years, 85 countries have had no female head of state.

It is no wonder that women from Chile, where the song was created, are demanding gender parity for a forthcoming constitutional convention. There will be no justice for women as long as we are kept out of the political process. There won’t be any hope of equality. The rapists will continue while most of us stand powerless outside courthouses, police stations and presidential palaces, furiously pointing at them, to no avail.


Vanessa Barbara is the editor of the literary website A Hortaliça, the author of two novels and two nonfiction books in Portuguese, and a contributing opinion writer. 

A version of this article appears in print on Jan. 29, 2020, Section A, Page 27 of the New York edition with the headline: A Feminist Performance Goes Global.

“Un violador en tu camino,” Estadio Nacional, Santiago, Chile. Creditos: Esteban Felix/Associated Press

The New York Times
Jan. 29, 2020

Vanessa Barbara
Traducción Yahoo Noticias

SÃO PAULO, Brasil — Este mes, durante el proceso de selección del jurado para el juicio penal de Harvey Weinstein, decenas de mujeres se reunieron afuera de un tribunal de Manhattan para interpretar una versión del himno feminista conocido como “Un violador en tu camino”. Primero en español y luego en inglés, ellas cantaban: “El patriarcado es un juez que nos juzga por nacer / Y nuestro castigo es la violencia que no ves”.

Esta canción y su coreografía, que pronto se hicieron virales, fueron concebidas el año pasado por el colectivo feminista Lastesis con sede en Valparaíso, Chile, y está basada en el trabajo de la antropóloga argentino-brasileña Rita Segato. La letra describe la forma en que el Estado defiende las transgresiones sistemáticas a los derechos de las mujeres a través de instituciones como el poder judicial y la policía. No es solo que los integrantes de esas instituciones sencillamente ignoren las denuncias —al mirar hacia otro lado y poner en duda los testimonios de las víctimas— sino que a menudo ellos mismos son los perpetradores. “El Estado opresor es un macho violador”, dice la canción.

“Un violador en tu camino” fue interpretada por primera vez frente a un cuartel de la policía por un pequeño grupo durante una manifestación en Valparaíso el 20 de noviembre. Luego, cientos de activistas lo repitieron cinco días después en Santiago, la capital, el Día Internacional de la Eliminación de la Violencia contra la Mujer. A principios de diciembre, un grupo de miles de mujeres reunidas cantó este himno afuera del Estadio Nacional en Santiago, el cual fue un recinto de tortura y reclusión durante la dictadura militar de Chile. En una de las estrofas, la canción hace mención de la “desaparición” de mujeres.

A partir de ahí, se propagó en todo el mundo: Londres, Berlín, París, Madrid, Barcelona, Tel Aviv, Nueva Delhi, Tokio, Beirut, Estambul, Ciudad de México, Caracas, Lima, Buenos Aires, entre otros lugares. Según The Associated Press, en Manhattan provocó “un barullo tan sonoro que llegaba a escucharse hasta el piso 15 de un juzgado”.

La coreografía del baile comienza con un ritmo de repiqueteo de tambor, mientras las mujeres hacen un movimiento de lado a lado y zapatean al mismo ritmo. Muchas estrofas hablan acerca de la violencia contra las mujeres a nivel universal: mencionan la violación, el feminicidio, la impunidad para los asesinos. “Y la culpa no era mía, ni dónde estaba ni cómo vestía”, gritaban como si de manera colectiva rechazaran los típicos argumentos que se usan para culpar a las víctimas.

Pero también tiene fuertes elementos locales que quizás no advierta el público en general. Una estrofa reproduce literalmente con sarcasmo el himno de la policía chilena: “Duerme tranquila, niña inocente / sin preocuparte del bandolero, / que por tu sueño dulce y sonriente, / vela tu amante carabinero”. El título “Un violador en tu camino” también es una apropiación irónica de un antiguo lema utilizado por la policía nacional, “un amigo en tu camino”.

La representación también hace referencia al abuso de la policía en Chile y, por extensión, en países vecinos. Una parte de la coreografía incluye agacharse con las manos detrás de la cabeza, un procedimiento común de cateo que aún se realiza en muchos países latinoamericanos: los oficiales de la policía y los carceleros a menudo obligan a las mujeres —a veces incluso a los niños— a agacharse, desnudos, con el fin de realizar un cateo en las cavidades corporales.

Las activistas llevan una venda de encaje negro en los ojos como símbolo de las formas con frecuencia invisibles en que se vulnera a las mujeres, pero también como un guiño a los cientos de personas que la policía chilena ha dejado ciegas parcialmente en los últimos tres meses en medio de las protestas que se están realizando. (Desde el inicio de las manifestaciones, el Instituto Nacional de Derechos Humanos de Chile ha presentado 1080 demandas contra el Estado, 770 por acusaciones de tortura y trato inhumano, así como 158 por agresión sexual, incluyendo 4 por violación).

En los países latinoamericanos, las mujeres que cantan esta canción también portan pañuelos verdes —que simbolizan la campaña a favor de la legalización del aborto—. (El uso de pañuelos verdes como emblema del derecho al aborto procede de los pañuelos blancos que llevaban las Madres de la Plaza de Mayo cuyos hijos fueron desaparecidos durante la dictadura militar en Argentina).

Pero “Un violador en tu camino” es mucho más que los casos latinoamericanos específicos. Por ello, se ha difundido tan rápido y tan lejos. Habla de algo que es verdad en muchísimos países, no solo en Chile, Argentina o Brasil. “El violador eres tú”, repiten las mujeres aquí y en todas partes, ya sea señalando un juzgado, un cuartel de la policía o el palacio presidencial. Piensan que las agresiones contra las mujeres no son sucesos aislados, vinculados nada más con relaciones interpersonales, sino, más bien, fundamentalmente políticos. Las activistas señalan a las instituciones como las que facilitan la violencia de género al deshumanizar a las mujeres de manera sistemática y promover ideologías que las mantienen sometidas.

Como prueba de que en verdad es un tema político a nivel global, echemos un vistazo a Turquía, donde la policía dispersó una manifestación en Estambul en la que se interpretaba la canción y confiscó el megáfono de las activistas. Arrestaron a seis mujeres por, supuestamente, insultar al presidente y degradar a las instituciones del Estado. En otro incidente aparte, los juzgados emitieron órdenes de arresto en contra de veinticinco mujeres que protestaron en Izmir, mientras que otras nueve fueron detenidas. “Turquía se ha convertido en el único país en donde se debe tener inmunidad para organizar una protesta de este tipo”, dijo la legisladora Sera Kadigil, cuando ella y otras compañeras interpretaron una versión de la canción en el Parlamento.

No debería sorprendernos que las mujeres conformen solo el 17 por ciento de las representantes en el Parlamento turco y el 11,8 por ciento de los cargos ministeriales. En el Informe Global de Brecha de Género 2020 del Foro Económico Mundial, este país se sitúa en el lugar número 130 de 153.

Aquí en Brasil, las estadísticas son igual de deprimentes. Las activistas han añadido algunas estrofas a la letra de “Un violador en tu camino” que dicen: “Aquí está Marielle. Su asesino es amigo del presidente”. Se refieren a Marielle Franco, integrante del ayuntamiento brasileño que fue asesinada en 2018, y al hecho de que el presidente Jair Bolsonaro tiene vínculos con los dos sospechosos del asesinato. (La investigación está en curso). En Brasil, las mujeres ocupan el 15 por ciento de los escaños de la Cámara Baja y el 9 por ciento de los puestos ministeriales.

“Son los pacos, los jueces, el Estado, el presidente. El violador eres tú”.

Según el Informe Global de Brecha de Género 2020, la mayor desigualdad de género en el mundo se sigue encontrando en el ámbito del empoderamiento en materia política. Me atrevo a decir que es donde comienza todo lo demás. Solo el 25 por ciento de los 35.127 escaños en el Parlamento a nivel global están ocupados por mujeres, cifra que desciende a solo un 21 por ciento a nivel ministerial. En 9 de los 153 países que estudia el foro, las mujeres no tienen representación. Durante los últimos 50 años, 85 países no han tenido ninguna jefa de Estado.

No sorprende que las mujeres de Chile, donde se compuso la canción, estén exigiendo igualdad de género para una próxima convención constitucional. No habrá justicia para las mujeres mientras sigamos fuera del proceso político. No habrá ninguna esperanza de equidad. Los violadores seguirán mientras la mayor parte de nosotras nos quedemos impotentes señalándolos con furia y en vano afuera de los juzgados, los cuarteles de la policía y los palacios presidenciales.

O sol e a cidade

Posted: 22nd janeiro 2020 by Vanessa Barbara in Crônicas
Tags: , , ,
(imagem: Anna Carolina Bueno)

Itaú Cultural
Brechas Urbanas, jan. 2020

por Vanessa Barbara

Reza a lenda que existe uma brincadeira popular no Sesc 24 de Maio, no centro de São Paulo (SP), que consiste em se aproximar das beiradas do edifício, espiar para fora e ficar se perguntando: “É pedaço de céu ou pedaço de prédio? É céu ou pedaço de prédio?”. Aparentemente na região há muitas fachadas cegas de edifícios (face externa sem janelas) que podem ser erroneamente confundidas com lacunas de céu, e a graça estaria em tentar adivinhar o que é concreto e o que é troposfera.

É fato que, na cidade grande, se encontram facilmente lojas que vendem bigodes postiços, sorvetes de gorgonzola e roupas blindadas, além de restaurantes búlgaros, dentistas especializados em coelhos e cursos de sumô – mas difícil mesmo é encontrar o horizonte. Para onde quer que se olhe, edificações dos mais diversos formatos e alturas se sobrepõem em uma desordem encardida, fazendo com que os raios de sol tenham de se espremer por frestas e se esquivar de obstáculos variados em sua incansável trajetória pelo céu.

Tomar sol em São Paulo é um trabalho laborioso. Há pouquíssimos parques suficientemente amplos. A maioria de nossas praças parece uma irredutível aldeia gaulesa em meio à invasão do Império Romano: são diminutos baluartes de resistência verde cercados por torres de 20 andares e monumentais shopping centers. Sustentadas pelo furor inabalável do mercado imobiliário, tais obstruções se multiplicam a cada dia e interferem nessa atividade tão nobremente praticada pelos gatos.

Lembro de, anos atrás, tentar tomar sol no parque Buenos Aires com um livro na mão. Tive de mudar de lugar a cada quinze minutos, sempre que o astro rei era bloqueado por um prédio, um poste ou um ponto de ônibus, e terminei a leitura do lado de fora do parque, em cima de uma amurada na calçada da Rua Piauí. Era o último lugar vagamente banhado pelo sol. Pensando bem, é estranho constatar que passei um tempo lendo um livro sentada em plena calçada, enquanto transeuntes se dedicavam a seus afazeres e os carros passavam ruidosamente – aposto que, se deixasse uma caneca vazia ao meu lado, era capaz de alguém jogar uns trocados.

Se os parques e praças são poucos, piscinas públicas há menos ainda. Gosto de “passear” pelo bairro usando o modo satélite do Google Maps só para ver como estamos carentes de parques e piscinas – dá para contar nos dedos os retângulos verdes e azuis, que muitas vezes se encontram dentro de clubes particulares ou condomínios residenciais. Se tivéssemos uma quantidade maior desses espaços, o sol ficaria mais livre para distribuir democraticamente seus raios a todos os cidadãos que os desejassem.

Não somos poucos. São clássicas as imagens de operários sentados no meio-fio, cochilando ou tentando tomar sol em horário de almoço. Há os velhinhos em cadeiras de rodas que saem no fim da tarde em busca de uma dose de quentinho – com ou sem manta de lã nos joelhos –, os bebês recém-nascidos de chapéu colorido, os cachorros com frio, os deprimidos em geral.

Sabe-se que a exposição diminuída ao sol pode levar à deficiência de vitamina D, o que por sua vez aumenta os riscos de osteoporose e doenças cardiovasculares. A falta de sol também pode prejudicar o ritmo circadiano e piorar a depressão sazonal. Não é só um problema de bronzeado, mas de saúde pública. Quando os donos da casa ao lado decidem erguer um sobrado irregular e tapar seu sol – coisa que já aconteceu comigo –, seria preciso reagir como se direitos humanos fundamentais estivessem sendo violados. Caberiam aí uma passeata de trancar as ruas (só que durante o dia, que é para aproveitar o sol) e a instauração imediata de um núcleo jurídico de defesa do direito do cidadão à claridade.

Na época em que eu amamentava, uma das indicações da pediatra e da consultora de aleitamento era tomar sol nos peitos, o que deixaria os bicos mais resistentes a rachaduras e fissuras. Mas como garantir a integridade do nosso instrumento de trabalho em uma cidade como São Paulo? Embora o topless não seja proibido por lei no Brasil, é muito provável que, assim que a mulher ameace tirar a blusa em praça pública, a polícia apareça com três viaturas e uma tropa especial de operações táticas só para detê-la por atentado ao pudor (artigo 233 do Código Penal, que dispõe sobre atos obscenos). Nesse caso, como a cidadã de bem pode garantir o leite das crianças?

Dentro de casa muita gente não consegue obter nem uns poucos minutos de sol. Às vezes de manhã só bate sol na cozinha, acima do fogão, para bronzear a coifa. Ou numa fresta do vitrô do banheiro. Imagino uma mãe recente tendo de segurar o bebê para fora da janela, à la Rei Leão, só para garantir à cria a dose mínima diária de vitamina D. (Nada de aproveitar para fortalecer a pele dos mamilos: ok, já entendemos. Os vizinhos conservadores podem se escandalizar.)

Depois de me mudar de uma casa que foi sufocada pelo puxadinho do vizinho, aluguei um apartamento. Escolhi um prédio específico porque, andando pela rua numa tarde particularmente bonita, vi que o sol vespertino batia nos apartamentos acima do 11º andar. Fiquei bem satisfeita. Mas em questão de meses um novo prédio foi erguido na frente e tapou várias horas de sol nas áreas comuns do meu edifício. Há pouco começaram a construir outro prédio ao lado e passei a temer pela nossa resistência óssea.

Às vezes nem o sol é para todos.


Vanessa Barbara é escritora, jornalista e tradutora. Autora de O Livro Amarelo do Terminal (2008; reportagem), Operação Impensável (2014; romance) e O Louco de Palestra (2014: crônicas), entre outros, já colaborou com os jornais Folha de S.Paulo O Estado de S. Paulo e com a revista piauí. Compõe o time internacional do New York Times. Mantém o site Hortifruti.

President Jair Bolsonaro of Brazil posing for a selfie in November. Despite being surrounded by scandal and corruption, he has been able to suppress dissent. Credit: Adriano Machado/Reuters

The rest of Latin America is on fire. Why is its largest country still so quiet?

The New York Times
Dec. 26, 2019

by Vanessa Barbara
Contributing Opinion Op-ed Writer

SÃO PAULO, Brazil — This year has been marked by widespread social convulsion in Latin America.

Since mid-October, Chileans have been in the streets; what started as demonstrations over a subway fare hike quickly broadened into protests over enormous economic inequality. The right-wing president, Sebastian Piñera, ordered a militarized police force to suppress the protests, causing more than a dozen deaths and the partial blinding of more than 200 people.

In Colombia, students, workers and indigenous people have been demonstrating since late November against rumored pension cutbacks and changes to labor laws. Protesters accused the center-right president, Iván Duque, of failing to address issues like corruption, economic inequality and the murder of human rights activists.

In Ecuador, too, there has been civil unrest over fuel price increases and new austerity measures. Massive protests have also rocked Paraguay, Peru, Haiti, Bolivia and Venezuela.

So where, amid all this, is Brazil?

There is certainly plenty to protest in Latin America’s biggest country. We have a notoriously clueless president who recently claimed that the actor Leonardo DiCaprio contributed to the fires in the Amazon rainforest. Seriously. At first, President Jair Bolsonaro tried to conceal the spike in fires that he himself helped bring about; when that plan failed, the next logical step was blaming nongovernmental organizations and a Hollywood star for the terrible destruction.

Taking office in January, Mr. Bolsonaro’s government set about systematically dismantling all state agencies that enforce environmental protection and indigenous rights, empowering illegal ranchers, loggers and miners. As of October, the Ministry of Agriculture had approved 382 new pesticide products, many of which are banned in Europe and have been deemed highly hazardous. Two months ago, after a mystery oil spill polluted more than 1,000 miles of the country’s most beautiful beaches in northeast Brazil, the government inexplicably implied Greenpeace might have been responsible. (As far as I know, no one has pointed the finger at Brad Pitt, yet.)

Want more? A group of Brazilian lawyers and former ministers are seeking to indict Mr. Bolsonaro at the International Criminal Court for encouraging the genocide of indigenous people and for failing to protect the forests they depend on. According to the Indigenous Missionary Council, an advocacy group connected to the Catholic church, there were by September of this year 160 invasions of indigenous reserves by those seeking to exploit their resources. During the whole of 2018, there were 109.

This government has also approved a pension reform that will increase social inequality: Rural workers, women and the poor will be hardest hit. (That’s not just my opinion; the French economist Thomas Piketty, among others, thinks so too.)

There aren’t any silver linings. For a president who ran on the promise of fighting corruption, Mr. Bolsonaro is remarkably surrounded by scandal. One of his sons, Flávio, a federal senator, is being investigated for embezzlement and money laundering. Another, Carlos, a councilor in Rio de Janeiro, has been implicated in improprieties relating to his council office. And Mr. Bolsonaro’s third son, Eduardo, was nearly appointed ambassador to the United States; his only credentials were having flipped burgers as an exchange student in Maine, and having visited Colorado once. “I don’t think it’s nepotism,” said President Trump, who endorsed the nomination. (The idea was later discarded.)

Many members of the cabinet — the ministers of tourism, economy, agriculture, environment, security and health among them — are also reportedly involved in corruption scandals. Mr. Bolsonaro’s own chief of staff, Onyx Lorenzoni, admitted he pocketed slush funds from a company in 2014. The confession never led to an investigation; the justice minister Sérgio Moro explained that Mr. Lorenzoni had already acknowledged his past errors and apologized. (Most importantly, he got a tattoo with a Bible verse on his arm.)

This should all be more than enough to flood the streets with pissed-off citizens, clenched fists in the air, furiously shouting chants that rhyme “police” with “violence.” Right? So why are Brazilian streets so calm?

Perhaps it’s because of the government’s terrified pre-emptive reaction to the wave of protests sweeping Latin America. In late October, the president revealed that the government was monitoring political developments and that the army was prepared to intervene. One month later, Mr. Bolsonaro submitted a bill to expand the so-called “excludente de ilicitude” — an article in Brazil’s criminal code that allows impunity for some illegal acts in special circumstances, including those practiced by law enforcement officers. This would give a legal cover to the military to shoot and kill during protests.

Both the economy minister and the almost-ambassador Eduardo Bolsonaro have suggested that if Brazilians tried to mimic their neighbors, the government would answer with a new “AI-5” — that is, a new version of the decree issued by the military in 1968 that dissolved Congress, suspended many constitutional guarantees and curtailed press freedom, thus institutionalizing censorship and torture.

The message is clear: Whatever happens, Brazilians must stay put.

Maybe the thinking is that our problems will cancel each other out. There’s no need to worry about pensions if we all die early from eating food full of pesticides anyway, right?

It’s certainly a creative way to suppress discontent. But can it last while the rest of the continent is on fire?


Vanessa Barbara is the editor of the literary website A Hortaliça, the author of two novels and two nonfiction books in Portuguese, and a contributing opinion writer. 

Perdidos de nascença

Posted: 29th dezembro 2019 by Vanessa Barbara in Crônicas
Tags: , , , ,

Itaú Cultural
Brechas Urbanas, dez. 2019

por Vanessa Barbara

“Nem todos os que vagueiam estão perdidos”, já diria o escritor J. R. R. Tolkien. Só que muitos estão. Sobretudo se considerarmos o meu círculo de conhecidos. De acordo com um universo amostral absolutamente aleatório que acabo de invocar para esta crônica, eu diria inclusive que nós, os desorientados de nascença, estamos em franca maioria.

Tomem o exemplo de Luiz Fernando Toledo, premiado jornalista de dados e um dos diretores da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Embora ele more em São Paulo há seis anos, ainda tem dificuldade de memorizar todos os trajetos e baldeações do metrô. Então, é comum que passe um tempo consultando os painéis informativos na parede das estações.

Certo dia, demorou tanto para se localizar que a campainha de fechamento das portas tocou e ele saiu correndo para entrar no trem, só para dar com a cara na porta. Uma senhora idosa viu a cena e deu risada. Depois se aproximou e disse que ele podia pedir nas bilheterias um mapa impresso das estações. Ele agradeceu pela dica e pegou o trem seguinte; a senhora também.

Por coincidência, desceram na mesma estação. Naturalmente, ele foi direto consultar o painel na parede, e, enquanto examinava o percurso, perdeu outro trem. Sentiu alguém cutucá-lo nas costas. Era a senhora, que disse: “Aqui o mapa. Pode ficar. Peguei um da minha bolsa que ia dar para o meu filho, que vive se perdendo. Mas você é mais perdido que ele. Boa sorte”.

Nada como despertar a piedade de senhorinhas na metrópole; é um dos meus hobbies favoritos. Moro em São Paulo desde que nasci e vivo perdida, andando em círculos, errando o caminho e pedindo ajuda em todos os pontos de táxi e bancas de jornal. (Taxistas e jornaleiros: vocês têm o meu absoluto respeito.)

Sou o tipo de pessoa que, saindo de algum lugar, esquece inteiramente de que lado estava vindo. Quando quero me referir a um local específico em uma conversa, costumo apontar para a direção oposta. Ouvi outro dia a história de uma moça que, na hora de viajar, quando precisa estacionar o carro em uma parada, sempre o deixa apontado para o lado certo, senão ela sai e arrisca voltar para casa.

Minha falta de senso espacial e de localização é notável: já me perdi dentro da estação Paraíso do metrô. A ideia era apenas atravessar a Rua Vergueiro pelo subterrâneo, mas, na tentativa de encontrar a saída certa, eu misteriosamente caía sempre do mesmo lado da rua. Tentei umas três ou quatro vezes e desisti. Por sorte, ninguém me flagrou nesse exercício deplorável. (A dica é parecer determinado e fingir que tem um objetivo.)

O desnorteio pode ser contagioso, como quando a gente dá indicações erradas sem querer ou arrasta um amigo em uma expedição sem nenhum horizonte. Muitas vezes é hereditário: minha mãe – que mora aqui há 65 anos – também já passou 40 minutos perdida no interior da estação Brás, subindo e descendo escadas que davam para os trilhos do trem ou para a plataforma contrária da linha do metrô que ela devia tomar.

Uma amiga conta que, certa vez, foi dar uma volta no quarteirão e se perdeu. Teve de pedir ajuda a transeuntes. Outra confessou que só chega aos lugares depois de ter feito pelo menos uma parada para pedir informação. “O pior é que, quando a pergunta é óbvia, ela é devolvida com um: ‘Você não é daqui, não?’. Mas eu sou”, disse a jornalista Ana Carolina Amaral, mestra em ciências holísticas pelo Schumacher College.

Várias outras pessoas me contaram que se perdem até em estacionamento de supermercado, no próprio bairro e no prédio onde trabalham há dez anos. “Peguei um Uber para ir a um restaurante na rua de trás”, revela João Vinícius Saraiva, diretor de marketing da revista piauí. Em geral, quando erramos a direção, persistimos no equívoco por cerca de meia hora, duas bolhas no pé ou três quilômetros.

Outro dia, eu me perdi no Street View do Google Maps, fui parar numa represa e nunca mais voltei. Tive que desligar o computador e tentar novamente em outra oportunidade. Até hoje não sei bem o que ocorreu.

O fato de termos nascido com a bússola interna pifada, ainda que revele muito sobre nossa desavergonhada perseverança, não diz nada sobre nossa capacidade intelectual e profissional. Em O Olhar da Mente, a secretária do neurologista Oliver Sacks (1933-2015) revela: “O dr. Sacks não é capaz de encontrar restaurantes ou outros lugares; ele se perde com muita facilidade. Às vezes, não consegue encontrar nem o prédio onde mora”.

O escritor, professor e tradutor Caetano Galindo compreende perfeitamente. Sua esposa confessou que, se um dia ela se cansar do casamento, pretende levá-lo a uma esquina – qualquer esquina – e rodá-lo três vezes, porque ele jamais ia conseguir voltar para casa.

Por incrível que pareça, não nasci de cesariana: mesmo sem um mapa, consegui encontrar a saída. Mas acho que foi a última vez.


Vanessa Barbara é escritora, jornalista e tradutora. Autora de O Livro Amarelo do Terminal (2008; reportagem), Operação Impensável (2014; romance) e O Louco de Palestra (2014: crônicas), entre outros, já colaborou com os jornais Folha de S.Paulo O Estado de S. Paulo e com a revista piauí. Compõe o time internacional do New York Times. Mantém o site Hortifruti.

Mães à solta

Posted: 15th novembro 2019 by Vanessa Barbara in Crônicas
Tags: , , ,

Itaú Cultural
Brechas Urbanas, nov. 2019

por Vanessa Barbara

É comum vê-las olhando para o céu sem motivo aparente, enquanto comprimem os olhos por causa da claridade. Elas têm um aspecto físico que oscila entre o anêmico e o dramático, mas sorriem muito e podem parecer eufóricas ao deparar com uma pomba ou um vendedor de jacas.

São mulheres que tiveram um filho recentemente (dias ou meses atrás) e se viram de uma hora para a outra presas dentro de casa, em um looping infinito de amamentação, arroto compulsório e troca de fraldas, quebrado apenas pelas frágeis e ensejadas sonecas do bebê. Durante as 24 horas do dia, é preciso dar banho, gerenciar as cólicas e ninar a pequena criatura que chora. É preciso passar pomada, limpar o vômito, sugar a meleca do nariz. Quando o neném finalmente cochila, essas mulheres precisam ir ao banheiro, comer, tomar banho e pesquisar no Google: “Meu bebê não pisca, é normal?”. Elas vivem privadas de sono. Para piorar, talvez ainda estejam às voltas com o sangramento pós-parto e precisem trocar as próprias fraldas. Escovar os dentes é um luxo. Abotoar a blusa é descabido.

Um dia, porém, elas conseguem sair na rua por um instante – seja para ir ao banco, seja para ir ao médico, logo após a mamada das 2 horas. E mal conseguem conter o entusiasmo de descobrir que o mundo ainda está lá fora. Elas podem ser vistas gargalhando sozinhas e apanhando flores no chão. Fazem questão de encarar a todos, como se estivessem maravilhadas de interagir com outros seres humanos. Puxam assunto com quem for descuidado o suficiente para permitir o contato visual e cumprimentam ardorosamente desconhecidos na fila do banco. Sentem uma conexão quase que imediata com bilheteiros do metrô, porteiros de guarita e pessoas fantasiadas de fruta. Contam coisas que ninguém lhes perguntou. Necessitam de contato humano e de sentir o vento. Sempre se sentam na cadeira mais alta do ônibus, que é para poder abrir bem as janelas. Uma viagem para outro bairro é como ir de barco até a China.

O cidadão comum deve ficar atento, pois, num primeiro momento, elas podem ter perdido o senso de profundidade das coisas. Às vezes trombam com lixeiras e pedem desculpas; falam alto ou baixo demais, ou se esquecem da pronúncia de certas palavras. Convém tratá-las com paciência e não reparar que botaram a blusa ao contrário.

Se não estão com o bebê a tiracolo, vivem apavoradas de tê-lo esquecido em algum canto. Acham inquietante – perturbadora, até – a leveza de não ter de andar por aí carregando uma barriga enorme ou um bebê fora dela. Confundem o toque de um telefone com choro, ficam logo sobressaltadas e apalpam os arredores para ver se de repente não deixaram o bebê escorregar e cair. Suspiram quando se dão conta de que estão sozinhas – é estranho.

Se estão com o filho no colo, saem apontando os helicópteros no céu e tecendo comentários entusiasmados sobre a cor do cabelo dos passantes. Fazem questão de incluir o bebê nas conversas e tentam (em vão) fazê-lo entender que o arroto não é uma resposta válida para o comentário: “Mas que gracinha!”. Nas lojas, aprendem a pegar moedas na bolsa com a mão esquerda enquanto sacodem um chocalho com a boca.

A despeito do deslumbramento e de sua nítida incongruência social, elas sabem que precisam executar 22 tarefas em seis lugares diferentes entre as 3 e as 4 da tarde, que é quando o prazo de validade expira e o bebê precisa mamar novamente. (Daí a importância de garantir o atendimento preferencial para lactantes, segundo a Lei Federal 10.048/2000.) Por isso podem também ser vistas agindo de forma frenética no supermercado, como se pressionadas por uma bomba-relógio, na tentativa de aproveitar ao máximo os poucos minutos de rua que lhes restam. Cumprem missões feito um míssil teleguiado: primeiro a farmácia (algodão, pomada, antitérmico), depois a padaria (pão e leite), então o mercado (desinfetante, cebola, café) e por fim os adesivos de borboleta, as molas de plástico e os livros felpudos para levar ao bebê.

As mães recentes que vemos à solta na cidade são como aquelas ventanias que trazem chuva. É preciso respeitá-las, ou podem sair por aí arrastando as vacas pelos ares.


Vanessa Barbara é escritora, jornalista e tradutora. Autora de O Livro Amarelo do Terminal (2008; reportagem), Operação Impensável (2014; romance) e O Louco de Palestra (2014: crônicas), entre outros, já colaborou com os jornais Folha de S.Paulo O Estado de S. Paulo e com a revista piauí. Compõe o time internacional do New York Times. Mantém o site Hortifruti.

Golden Cosmos

What it’s like living with a chronic circadian rhythm problem

The New York Times
Oct. 28, 2019

by Vanessa Barbara
Contributing Opinion Op-ed Writer

SÃO PAULO, Brazil — It’s hard to feel normal when you wake up at 4 p.m. every day.

No, I’m not a nurse who works the evening shift. No, I’m not the hard-partying heir to a Brazilian agribusiness fortune. And before you think it, I’m not lazy, either — I’ve written seven books so far! I sleep until the late afternoon because I’ve finally learned, after fighting it for years, that it’s better to come across as pathetic than to be always exhausted, depressed or sick.

I have a severe case of delayed sleep phase syndrome, a chronic misalignment of the body’s circadian rhythms with the daily light-dark cycle of our environment. The phrase “night owl” doesn’t really do it justice; my natural bedtime is around 6 a.m. While we as a culture are gradually becoming more aware of the many ways that bodies can differ from the norm, much of the world still takes for granted that people sleep at night and are awake during the day.

Not me. I miss having lunch.

According to conventional wisdom, going to bed early and waking up with the birds is a mere matter of habit and will power. This misconception is widespread, even among doctors. And for a long time, I believed it.

I spent years taking melatonin and Ambien in order to fall asleep by 2 a.m.; I used to wake up at 11 a.m. and then spend the rest of the day on stimulants such as Provigil and Ritalin. Yet I was always tired and depressed — the outcome that so often results when we try to force ourselves to be different from what we naturally need to be.

The last two decades have seen rapid advances in the field of chronobiology, the study of the biochemical clocks that keep our natural physiological rhythms. The 2017 Nobel Prize in Medicine, for instance, was awarded to three American geneticists for their discoveries of molecular mechanisms controlling the circadian rhythms in fruit flies.

What we’ve learned from this research is that circadian rhythms affect not only when we wake and when we sleep, but almost every facet of how we live. They regulate, among other things, body temperature, the cardiovascular and digestive systems, behavior and locomotive activity, and metabolic, cognitive and immune functions.

There are variations on the spectrum of what’s normal — people can be naturally more inclined toward morningness or eveningness. And circadian rhythms, though they mostly come built-in, can be adjusted, somewhat. Sunlight leads to wakefulness; cooler temperatures push people toward sleep. This is why standard-type insomniacs are encouraged to practice what is known as “sleep hygiene”: avoiding artificial light at night, for instance, or other forms of stimulation.

But this sort of thing does not work for me.

My sleep routine is more hygienic than the middle of an operating theater. (In fact, I’m writing this essay using blue-light blocking glasses, which might not be super effective, but at least they are bright orange and make me look like a visitor from the future. Small joys!) I could lie perfectly still at night for hours, listening to classical music or meditating, and I wouldn’t fall asleep until my body says it’s time.

For many, including myself, this syndrome is an invisible but real burden. For some, it is even a disability. When we are forced to live out of sync with our internal clocks, our health suffers. The mismatch between internal time and environmental time has been linked to problems including depression, diabetes, obesity and poor cardiovascular health. Our immune systems become a mess. Many night-shift workers have similar problems; for us, a traditional 9-to-5 schedule is the equivalent of night-shift work.

This happens because, even if we force ourselves to wake up early, our metabolism is not ready to perform simple tasks such as properly digesting a meal, for example — we do not produce as much insulin in the morning as normal people do. Our core body temperature also follows an internal rhythm, producing sleepiness or alertness much later. This is true as well for the release of cortisol, melatonin and other hormones essential to the sleep-wake cycle. In the morning, our eyes might be open, but, for all intents and purposes, we are still sleeping.

And it’s no use getting exhausted and deliberately “undersleeping” with the intention of falling asleep early the next day — a recommendation I’ve heard a lot, including from doctors. Circadian rhythms operate independently of the sleep-pressure system. This is the case even among “normal” people: Even if you slept miserably last night and woke up very early, it is unlikely that you’ll fall asleep at 6 p.m.; that’s because your circadian rhythms are cycling on as usual, unaffected by your lack of sleep. Your attempt to hit the sack would clash with something called the “wake-maintenance zone,” a three- to four-hour interval of maximum physiological alertness. (In normal sleepers, it occurs from 6 p.m. to 9 p.m.)

Delayed sleep phase syndrome has a genetic basis, as my own unscientific sample demonstrates: My mom also has it, though her case is not so extreme. Apart from that, other mechanisms can account for the disorder. Some studies indicate that our built-in circadian period might be unusually long (say, 25 hours instead of 24); others find dysfunction in our homeostatic sleep drive, a reduced response to the phase-resetting effects of daylight, or an excessive response to the sleep-delaying effects of artificial evening light. There is, as of yet, no cure — only short-term fixes that include the use of a light therapy box and the administration of well-timed melatonin pills. But in the long run, most of us fail to adapt.

Here’s the thing, though. If left to our own devices — if allowed to follow our own biological clocks — we sleep just fine.

Individuals with extreme cases of the syndrome are unable to work conventional jobs. We are also famously unreliable at keeping appointments and participating in diurnal social activities. We learn to make excuses and tell lies. I often say that I work nights, which is true — it’s just not the whole story. Most people respect work-related excuses, but sneer at health conditions they’ve never heard of.

That’s the worst thing about having a circadian rhythm disorder: living in a society that places a moral value on the time your alarm clock goes off. Most cultures emphatically equate early rising with righteousness: As we say in Brazil, “God helps those who wake up early.”

But we late risers are fighting back. In fact, we’ve been plotting while you sleep. For a while now, we’ve been gathering on mailing lists and in online support groups. We share specialists’ names, and new lines of treatment and research; we discuss mandatory accommodations and disability pensions.

Above all we find one another. There is a lot to be said about the therapeutic effect of meeting people who share your dramas: “How do you cope with the checkout time in hotels?” “How many times did you have to wake up early this week only to make a phone call?” “What do you do when maintenance people say they will come between 8 a.m. and 2 p.m.?”

And in recent years, there has been an increasing trend among people with the syndrome for self-acceptance. Instead of trying desperately to trick our biological clocks — and paying the price with our health — we are choosing more and more to embrace this condition as part of who we are. We change professions and give up on certain activities (goodbye, complimentary breakfasts!). We take precarious freelance jobs that enable us to work within our natural sleep-wake cycle. We reframe our ambitions. We keep early appointments to a bare minimum. We hire morning nannies and beg our partners for understanding. We try not to punch people who say it’s only a matter of will power.

And if anyone asks, we do work from 9-to-5 — 9 p.m. to 5 a.m.


Vanessa Barbara is the editor of the literary website A Hortaliça, the author of two novels and two nonfiction books in Portuguese, and a contributing opinion writer. 

A version of this article appears in print on Oct. 29, 2019, Section A, Page 31 of the New York edition with the headline: Not Your Average Insomniac.

Golden Cosmos

Como é viver com um distúrbio crônico do ritmo circadiano

The New York Times
28 de outubro de 2019

por Vanessa Barbara

SÃO PAULO, Brasil – É difícil se sentir normal acordando todos os dias às 4 da tarde.

Não, não sou uma enfermeira que faz plantão noturno. Tampouco sou a festiva herdeira de uma rica família do agronegócio brasileiro. E antes que você pergunte, também não sou preguiçosa: escrevi sete livros até agora. Eu durmo até o fim da tarde porque finalmente aprendi, depois de lutar por anos, que é melhor se passar por patética do que estar sempre exausta, deprimida ou doente.

Tenho um caso extremo de síndrome do atraso das fases do sono (SAFS), um descompasso crônico dos ritmos circadianos do corpo com o ciclo diário de luz e escuridão do ambiente. A expressão “coruja” não nos faz exatamente justiça; meu horário natural de dormir é aproximadamente às 6 da manhã. Ainda que nós, enquanto cultura, estejamos gradualmente mais conscientes das diversas formas pelas quais o corpo humano pode diferir do padrão, muita gente ainda toma como certo que as pessoas dormem à noite e ficam acordadas durante o dia.

Eu, não. Eu sinto falta de almoçar.

De acordo com o senso comum, dormir cedo e acordar com os pássaros é só uma questão de costume e força de vontade. Essa falácia é bastante difundida, inclusive entre os médicos. E por muito tempo, eu acreditei.

Passei anos tomando melatonina e zolpidem para conseguir dormir às 2 da manhã; costumava acordar às 11 e passar o resto do dia à base de estimulantes como modafinil e Ritalina. Ainda assim, vivia exausta e deprimida – o resultado que geralmente se dá quando tentamos nos forçar a ser diferentes do que naturalmente precisamos ser.

As últimas duas décadas testemunharam rápidos avanços no campo da cronobiologia, o estudo dos relógios bioquímicos que mantêm nossos ritmos fisiológicos naturais. Em 2017, por exemplo, o Nobel de Medicina e Fisiologia foi concedido a três geneticistas americanos pela descoberta dos mecanismos moleculares que controlavam o ritmo circadiano da mosca-da-fruta.

O que aprendemos com essas pesquisas é que os ritmos circadianos afetam não apenas quando acordamos e dormimos, mas quase todas as facetas de como vivemos. Eles regulam, entre outras coisas, a temperatura do corpo, os sistemas cardiovasculares e digestivos, o comportamento e a locomoção, e também as funções metabólicas, cognitivas e imunológicas.

Há variações dentro do espectro do que é normal: as pessoas podem ter inclinações naturais matutinas ou vespertinas. Além disso, os ritmos circadianos, embora sejam essencialmente inatos, podem ser alvo de certos ajustes. A luz do sol nos deixa mais despertos; temperaturas mais frias estimulam as pessoas ao sono. É por isso que quem sofre de insônia comum é encorajado a praticar o que se chama de “higiene do sono”: evitar luz artificial à noite, por exemplo, ou outras formas de estimulação.

Mas esse tipo de coisa não funciona para mim.

Minha rotina de sono é mais higiênica do que um campo cirúrgico. (Na verdade, estou escrevendo este artigo usando óculos especiais que bloqueiam a luz azul; eles podem não ser muito eficazes, mas pelo menos são cor de laranja e me deixam com o aspecto de um visitante do futuro. Pequenas alegrias!) Posso passar a noite inteira na cama, perfeitamente imóvel, ouvindo música clássica ou meditando, e ainda assim não pegaria no sono até que o meu corpo dissesse que chegou a hora.

Para muitos, como eu, essa síndrome é um fardo invisível, porém real. Para alguns, é até mesmo uma deficiência. Quando somos obrigados a viver fora de sincronia com nossos relógios internos, nossa saúde sofre. A discrepância entre o tempo interno e o tempo externo tem sido relacionada a problemas como depressão, diabetes, obesidade e péssima saúde cardiovascular. Nosso sistema imunológico vira um bagunça. Muitos trabalhadores noturnos sofrem de problemas similares; para nós, seguir uma rotina de trabalho das 9 às 5 equivale a manter um trabalho de turno inverso.

Isso ocorre porque, mesmo que nos forcemos a acordar cedo, nosso metabolismo não está preparado para executar tarefas simples como digerir adequadamente uma refeição, por exemplo – nós não produzimos tanta insulina de manhã, em comparação às pessoas normais. Nossa temperatura corporal interna também segue um ritmo próprio, produzindo sonolência ou alerta bem mais tarde. O mesmo ocorre com a liberação de cortisol, melatonina e outros hormônios essenciais ao ciclo de sono-vigília. De manhã, nossos olhos podem estar abertos, mas, para todos os propósitos, ainda estamos dormindo.

E não adianta ficar exausto e dormir pouco com a intenção de, no dia seguinte, pegar no sono mais cedo – uma recomendação que já ouvi muito, inclusive de médicos. O ritmo circadiano opera de forma independente do sistema de pressão do sono. Isso se aplica inclusive para pessoas “normais”: mesmo se você dormiu mal na noite passada e acordou bem cedo, é bastante improvável que hoje você consiga dormir às 6 da tarde; isso ocorre porque nosso ritmo circadiano continua seguindo seu ciclo habitual, sem se afetar por sua falta de sono. Sua tentativa de adormecer mais cedo se chocaria com algo chamado “zona de manutenção da vigília” (Wake-maintenance zone), um intervalo de três a quatro horas de máximo alerta fisiológico. (Em dormidores normais, isso ocorre das 6 às 9 da noite.)

A síndrome do atraso das fases do sono tem uma base genética, conforme comprovado por meu próprio universo não-científico de amostragem: minha mãe também sofre disso, embora o caso dela não seja tão extremo. Fora isso, outros mecanismos podem explicar o distúrbio. Alguns estudos indicam que nosso período circadiano intrínseco pode ser atipicamente longo (digamos, 25 horas em vez de 24); outros identificaram uma disfunção em nosso impulso homeostático de sono, uma resposta reduzida aos efeitos de reajuste de fase da luz do dia, ou uma resposta excessiva aos efeitos de atraso de sono da luz artificial noturna. Ainda não há cura – apenas intervenções de curto prazo como o uso de caixas de fototerapia e a administração precisa de comprimidos de melatonina. Contudo, a longo prazo, a maioria de nós não consegue se adaptar.

Aí é que está a questão: quando somos deixados por nossa conta – ou seja, quando temos a possibilidade de seguir nosso relógio biológico –, nós dormimos muito bem.

Indivíduos com casos extremos dessa síndrome são incapazes de ter empregos convencionais. Não somos nem remotamente confiáveis em honrar compromissos matutinos e participar de atividades sociais diurnas. Aprendemos a dar desculpas e mentir. Eu geralmente digo que trabalho à noite, o que é verdade – apenas não é a história toda. Muita gente respeita justificativas profissionais, mas trata com desdém problemas de saúde de que nunca ouviram falar.

Essa é a pior parte de ter um distúrbio do ritmo circadiano: viver em uma sociedade que atribui um valor moral ao horário que seu despertador costuma tocar. Muitas culturas relacionam enfaticamente o acordar cedo à retidão moral: como dizemos no Brasil, “Deus ajuda a quem cedo madruga”.

Mas nós, os notívagos, estamos reagindo. Na verdade, estamos conspirando enquanto vocês dormem. Há tempos nos reunimos em listas de discussão e grupos de apoio online. Compartilhamos indicações de especialistas e novas linhas de tratamento e pesquisa; discutimos acomodações obrigatórias para o nosso distúrbio (no caso dos Estados Unidos) e pensões do governo (no caso de alguns países europeus).

Acima de tudo, encontramos uns aos outros. Há muito a ser dito sobre o efeito terapêutico de conhecer pessoas que compartilham seus dramas: “Como você lida com o horário de check-out dos hotéis?”, “Quantas vezes você teve que acordar mais cedo esta semana só para dar um telefonema?”, “O que você faz quando a assistência técnica diz que vai chegar entre as 8 e as 14h?”.

Nos últimos anos, entre os que sofrem desse distúrbio, tem ocorrido um movimento cada vez maior rumo à autoaceitação. Em vez de tentar desesperadamente enganar nosso relógio biológico – e pagar o preço com nossa saúde –, estamos optando mais e mais por abraçar essa condição como parte do que somos. Trocamos de profissão e desistimos de certas atividades (adeus, cafés-da-manhã dos hotéis!). Passamos a aceitar trabalhos precários como free-lancers só para poder trabalhar dentro do nosso ciclo natural de sono-vigília. Reajustamos nossas ambições. Mantemos o mínimo possível de compromissos matutinos. Contratamos babás para o período da manhã e imploramos pela compreensão de nossos companheiros. Tentamos não socar as pessoas que dizem que é apenas uma questão de força de vontade.

E se alguém perguntar: sim, nós também trabalhamos das 9 às 5. Só que das 9 da noite às 5 da manhã.


Vanessa Barbara é autora de dois romances e dois livros de não-ficção em português. É colunista de opinião do New York Times – Internacional. Tradução da autora.