A Hortaliça

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Maldição em gotas
#001 - São Paulo, 23 de janeiro de 2002.
Classificação: Livre
Versão Brasileira: Álamo

 

... Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado (que vem logo após a hora em que nada faz sentido e antes da hora em que tudo faz sentido)
(Stephanie Avari, filósofa.)

 

EDITORIAL
 

"Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo", disse Guimarães Rosa. Dessa máxima admirável nasceu o !!DAMN!! Zine, numa tarde enfadonha de terça-feira, enquanto os redatores empurravam as cutículas com uma chave de fenda e balançavam os pés num banquinho realmente alto, esperando algo interessante cair do teto, com as patas bem abertas, e devolver a coerência que se perdeu há algum tempo (criança doente, ligar-para). Nosso jornalzinho nasceu sem nome, sem nexo, sem propósito e sem chance, inspirado por uma matéria brilhante da indigesta Seleções do Readers Digest: "Fadiga: o que é e como vencê-la". Nossas edições sairão sempre que der, semanal ou anualmente (o que vier primeiro), entupidas de coisas que eram, coisas que são e coisas que nunca poderiam ser, por diabos. Nosso corpo de redatores é composto de cabeça, boca, ombro, mão, joelho, perna-e-pé, perna-e-pé. Não é indicado para cardíacos ou matemáticos (lógica não é nossa especialidade), e contém peças pequenas que podem ser ingeridas por crianças menores de 3 anos ou adultos com espírito empreendedor. Tudo o que publicamos é de responsabilidade de quem lê, e se você não estiver contente por favor não bata palmas, e pare de contrariar a música.

Quaisquer contribuições, comentários, xingamentos e manifestações de dor lancinante poderão ser enviados para hortalica@gmail.com. Não deixe de resmungar algum impropério, ao final deste número.


:: PERCALÇOS DA POSTERIDADE ::
por Mário Quintana - mquintana@alem.com.br

O mais irritante de nos transformarem um dia em estátuas é que a gente não pode coçar-se.

 

:: AOS OLHOS DA MULTIDÃO ::
por Gay Talese, em pessoa

Nova York é uma cidade de coisas despercebidas. É uma cidade de gatos que dormem sob carros estacionados, de dois pequenos tatus que se arrastam pela catedral de St. Patrick e milhares de formigas subindo o Empire State Building. As formigas foram provavelmente carregadas até ali pelo vento ou pelos pássaros, mas ninguém sabe ao certo; ninguém em Nova York sabe qualquer coisa sobre as formigas, assim como nada se sabe sobre o mendigo que toma táxis para o Bowery; ou o maltrapilho que recolhe lixo nas latas da Sexta Avenida; ou o médium das ruas Setenta Oeste que apregoa suas qualidades de vidente e poder extrassensorial.

Nova York é uma cidade de excêntricos e um centro para se colher fragmentos soltos de informação. Os nova-iorquinos piscam vinte e oito vezes por minuto e quarenta quando estão tensos. Os maiores comedores de pipocas do Yankee Stadium param de mastigar momentaneamente pouco antes de um arremesso. Os mascadores de chicletes, nas escadas rolantes da Macy´s, param momentaneamente de mascar pouco antes de sair para concentrar-se no último degrau. Moedas, grampos de papel, canetas esferográficas e bolsas de mocinhas são encontrados pelos trabalhadores que limpam a piscina dos leões-marinhos no zoológico do Bronx.

Diariamente, os nova-iorquinos absorvem 1.380.000 litros de cerveja, devoram 3.500.000 quilos de carne e puxam 33 quilômetros de fio dental entre os dentes. Todos os dias, em Nova York, cerca de 250 pessoas morrem, 460 nascem e 150.000 caminham pela rua usando olhos de vidro ou plástico.

Um porteiro do Park Avenue tem fragmentos de três disparos na cabeça, ali alojados desde a I Guerra Mundial. Várias filhas de ciganos, sob a influência da televisão e da literatura, fogem de casa por não quererem viver em bandos e tornam-se cartomantes. Todos os meses, quinhentos quilos de cabelos são entregues a Louis Feder, no 545 da Quinta Avenida - os louros são cabelos de alemãs; os negros, de francesas e italianas, mas não há cabeleiras de americanas que, segundo o Sr. Feder, possuem cabelos fracos por causa de tantas rinçagens e permanentes.

<< continua na próxima edição >>


:: MACACOS ME MORDAM SE NÃO É GENIAL ::
De algum buraco nauseante pelo mundo afora

Quando a NASA iniciou o lançamento de astronautas, descobriram que as canetas não funcionariam com gravidade zero. Para resolver este problema, contrataram a Andersen Consulting (hoje Accenture). Empregaram uma década e 12 milhões de dólares desenvolvendo uma caneta que escrevesse com gravidade zero, ao contrário e de ponta cabeça, debaixo d'água, em praticamente qualquer superfície, incluindo cristal e em variações de temperatura desde abaixo de 0 até mais de 300 Celsius...

Os russos utilizaram um lápis.

 

:: EM ALGUM LUGAR ::
Vanessa Barbara - vmbarbara@yahoo.com

- Você vem sempre aqui?
- Sim. Eu moro aqui.
- No bar?
- Aqui não é um bar. É uma residência.
- Então o que eu faço no meio de uma residência, há 3 horas e meia bebendo este cálice de licor de ameixas?
- Isto não é um cálice de licor de ameixas. É um vaso de gardênias, e por favor pare de paquerar vovó, ela não ouve direito.
- Desculpe. E quem são estes garçons?
- Nunca foram garçons. São meus parentes da Escócia, e você acaba de arruinar minha ceia de Natal!

Fecham-se as cortinas. Os atores estão atônitos, a platéia não entendeu. O espectador, ligeiramente bêbado, volta para o lugar, com a ligeira sensação de que acabou de estragar alguma coisa.

 

:: PROFECIAS ::
por Nicodemus Mascarenhas, meio-irmão do Bruno

Um dia o mundo vai ser atingido por um bólido em alta velocidade e virará uma grande sopa.

 

:: DOS NOSSOS PATROCINADORES ::
Baseado em conto infeliz de Marcos Vinícius Barbara, o Irmão

Então. Tinha um cara, ele não tinha nem braços nem pernas, só tinha o tronco. O nome dele era Cotoco.

Um dia, Cotoco estava passeando pela rua, rolando como o Bundifora, e caiu em um lago. As pessoas ficaram preocupadas, estavam se preparando pra pular na água e ajudar o Cotoco - que afundava -, quando de repente pararam, assustadas. Cotoco estava nadando: com as orelhas. Nadava, nadava, agitando as orelhas na água e atingindo uma velocidade incrível. Ele era melhor que o Dumbo, diziam nas ruas. Em pouco tempo o Cotoco foi praticando e ganhava até das pessoas inteiras, de nadadores profissionais, porque ele era muito bom em nadar com as orelhas.

Certo dia, Cotoco foi convidado para participar das Para-Olimpíadas. O país inteiro se acocorava nas arquibancadas, torcendo por Cotoco. As pessoas vibravam ao escutar o nome do atleta, que com certeza ia ganhar todas as provas de natação.

E o juiz dá a largada. Cotoco pula na piscina. E vai afundando... afundando... afundando...

As pessoas, desesperadas, correm pra ajudar o Cotoco. O que teria acontecido? Ao tirarem o Cotoco de lá, resfolegando mas ainda vivo, perguntam o que aconteceu.. Cotoco, sem ar, responde: "Quem.. quem... quem.. quem foi o idiota que me colocou touca??"

 

:: O CATALUPO ::
Do livro de L. Cotokos, "Usos e Benefícios do Catalupo Desidratado", que ainda não existe

Não há pessoa alguma que saiba responder exatamente de onde veio o cantalupo. Redondo, gordinho, cheio de polpa, parece um kiwi por fora e um abacate por dentro. O gosto é de melão. O ca(n)talupo é tão pitoresco que passa, de tempos em tempos, por uma aguda crise de identidade: de onde vim, para onde vou.

A história do catalupo se confunde com a história da própria humanidade. Originário das terras baixas do norte da Alsácia, o Catalupo (Catalippu pitorescus) foi trazido à civilização por navegadores visigodos que fugiam do Grande Incêndio da Era Glacial – o mesmo que destruiu os dinossauros, as cordilheiras e o pastel de goiabada. Foi rapidamente incorporado aos hábitos alimentícios dos guerreiros pigmeus, à medida que se revelava poderosa fonte de vitamina D e leal aliado do pepino na formulação de máscaras faciais comestíveis. Aos poucos, a nobre e suculenta fruta redonda ganhava o mundo, especialmente a partir do lançamento do livro "3217 Usos e Benefícios do Catalupo Desidratado", pelo antropólogo e neurologista filipino Ludwig Cotokos.

Cotokos ganhou fama e projeção mundial ao circundar o globo por 3 vezes em um zepelim, tentando chegar ao auge da meditação e perfeição metafísica. Ao sobrevoar as florestas brasileiras, um índio txucarramãe, pensando que no céu voava o Boitatá, lançou uma flecha incandescente ao dirigível. O zepelim desceu vertiginosamente em chamas, o cientista começou a orar e, prodigiosamente, o grande e bizarro balão enroscou em uma frondosa árvore de catalupos-nanicos. Maduros. Na mesma hora o fogo cessou, uma brisa apareceu, Cotokos desceu à terra e o índio txucarramãe sofreu um desmaio, bateu a cabeça em um côco e morreu de tifo. Assim foram provados cientificamente os poderes milagrosos dos catalupos.

Atualmente o alimento é largamente consumido em 382 países: em cada um deles é aclamado por todo o povo e santificado pelo Clero. No Brasil, os lendários "cantaloupes", tantas vezes homenageados na voz de Enrico Palazzo, não são sequer conhecidos. Um absurdo, pensará o leitor atento. Isso acontece porque há uma quadrilha de malfeitores interessada nesse anonimato, a Máfia do Melão, que quer popularizar a fruta, eliminar a concorrência, especular na bolsa e privatizar o Governo. Não são, obviamente, pessoas sãs.

Mais informações em http://www.catalupo.hpg.ig.com.br.

 

:: BALEIAS, QUASE GENTE! ::
De um livro aparentemente educativo para adolescentes de 12 a 15 anos

Em geral, quando os balões de hélio são soltos, ventos fortes sopram para o oceano. E os balões podem acabar caindo no mar.

- A água salgada do oceano desbota a cor dos balões, fazendo com que eles fiquem transparentes.
- Às vezes, as criaturas marinhas pensam que os balões são comidas e os engolem.
- As tartarugas marinhas confudem os balões com águas-vivas, que flutuam ao sabor das ondas e se parecem com balões transparentes.
- Quando uma tartaruga come um balão por engano, este pode bloquear o seu estômago. Então a tartaruga pode morrer de fome.
- O mesmo acontece com as baleias.
- Não ria das tartarugas.
- Não engula balões.
- Distribua folhetos para as baleias e animais marinhos alertando sobre o perigo ambulante dos balões malvados.

Obrigada pela compreensão. Espero que possamos prosseguir com a nossa campanha "Não deixem os balões comerem as baleias". Ou vice-versa.


:: CORRESPONDÊNCIA ::
mensagens aparentemente normais interceptadas pelo Echelon

Acompanhe meu raciocínio. Estavam três tigres tristes a trotar. Digo, quatro. Eu sempre esqueço de me incluir na conta. A pesquisa demorou 0.25 segundo - sempre demora. Para Butch Cassidy, 22 anos, sem namorada, "a vida é uma caixinha de surpresas". E viva Jeremiah Johnson, quem quer que seja. Você está me acompanhando? Onde eu queria chegar é que estou prestes a surrupiar uma obra de arte. Sim. Pequena, mas artística. E digo mais - foi um egípcio que fez. Ela se chama "colher em forma de pato assado", mas há também o "frasco em forma de pato assado", o "vaso em forma de pato assado", e, por que não, o "pato assado em forma de pato assado".


:: ASSIM DISSE BP... ::
sabedoria em gotas, por Robert Baden Powell

Devagar, devagarinho se apanha o macaquinho.


:: COMO ASSASSINAR SEU MARIDO ::
Matéria verídica da duvidosa Seleções do Reader's Digest, em idos de 1970

Seu marido é um paspalhão que não a aprecia nem demonstra a ternura e a feição que você merece? Considere então os seguintes métodos socialmente aceitos para acelerar o advento de uma viuvez alegre. São cientificamente calculados para ajudá-la a liquidar seu marido em pleno viço, sem o risco de ser presa ou mesmo sofrer a desaprovação de seu círculo de relações. (em seguida viriam os eficientes métodos, sendo que um deles era descrito com apenas uma palavra: "Engorde-o".)


:: PERDÍVEL ::

Links dispensáveis para pessoas sempre-ocupadas

www.cribbin99.freeserve.co.uk/cmaze.htm - All work and no play...

www.catalupo.hpg.ig.com.br - Clássico.


:: CONSIGA O QUE QUER SEM RESMUNGAR ::
mande sua resposta para hortalica@gmail.com, sem limite de tamanho ou insanidade

Para a próxima edição, os leitores devem responder ao seguinte dilema: "Se você precisasse cortar um cadáver, por que parte começaria?" (questão proposta por A. Hitchock, aquele das bochechas). As melhores respostas ganharão um Joinha e serão publicadas neste espaço.

:: VOCÊ PERGUNTA, NÓS NÃO DAMOS A MÍNIMA ::
Questionamentos sadios de uma sociedade doente

??? Gostaria de saber quem foi o engraçadinho que me colocou nesta lista, e qual o critério usado para incluir as pessoas. (Julian Marcuir, São José dos Perdões - PR)

Olha só. Há anos você mandou um e-mail despretensioso para uma tia em Ohio, que continha algumas palavras proibidas - não vamos dizer quais são, porque são proibidas. (Não insista.) Assim, você foi catalogado no índex secreto de uma das organizações dos Illuminati, e de lá não sairá tão cedo (a não ser que fuja para Tegucigalpa, arranje um cavanhaque falso, uma placa de estanho pra colocar no chapéu e adote o nome de Burt Reynolds). Você deve saber que para toda conspiração existe uma conspiração igual e contrária, por isso será impossível se desvencilhar desse jornalzinho, que te seguirá por onde quer que você vá (use desodorantes Très de Marchand).

??? O DamnZine é parceiro do Sol da Meia Noite? Por que alguém seria tão estúpido a esse ponto? (J. Lhão, SP)

Sim. O Sol da Meia Noite é um tablóide que funciona em Bellingham, Washington, e pode ser encontrado à venda nos caixas dos melhores supermercados do país e nas lojinhas de Duty Free dos aeroportos. O editor é Barret Hamley, supervisor do grupo de quatro redatores que apura, com objetividade e ética, histórias completamente sem propósito, publicadas sob pseudônimo com fotos visivelmente fraudulentas. Algumas das manchetes mais recentes, conforme Nigel Findley, foram: "Ratos Inteligentes Tomam Conta de Uma Padaria", "Família de Doze Pessoas Vive Numa Caixa de Sapatos por 17 Anos!", "Como Saber se Seu Ramster Está Possuído?" e "Pentágono revela: os Periquitos são uma Ameaça à Segurança Nacional".

CRÉDITOS FINAIS

:: EXPEDIENTE ::

Desculpem, ninguém quis assumir a autoria desta montanha de bobagens, não desta vez.

 

Você está recebendo o DamnZine porque (sinto muito) estava na lista de cidadãos do catálogo dos Illuminati. Caso não queira voltar a receber este monte de lixo, mande um e-mail para hortalica@gmail.com, e escreva na linha de assunto: "Mamãe por favor não me perca na neblina". Se quiser que mais pessoas recebam o jornal, escreva para este e-mail mandando o endereço dos condenados e o número e a senha de suas contas bancárias.

DamnZine — o zine das coisas que eram, das coisas que são o que são, das que não são o que não são e das que poderiam vir a ser o que foram. Parceiro do tablóide norte-americano "O Sol da Meia Noite", que se infiltrou até na redação internacional da Reader's Digest.

God is coming.
Look busy.



2005 Vanessa Barbara