A Hortaliça

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Pombas!
Edição #003, de 29 de janeiro de 2002.
Classificação: Filo Inutilis, Ordem dos desocupados
Tiragem: 54 exemplares

hortalica@gmail.com
Parece um cesto de amoras (Aristóteles)

 

"Um pepino pode ser apenas um pepino"

 

EDITORIAL
Vanessa Barbara
 

"À noite, não se podia dar um passo sem tropeçar num complô ou num contra-complô" (John Reed, México Rebelde)

Você já parou pra pensar, satisfeito leitor, no que querem dizer três zines seguidos, em um espaço de menos de uma semana, todos recheados de bizarrices e coisas inócuas das quais você nunca vai precisar? E de onde vieram essas tralhas estranhas? Qual seria a utilidade delas? Teriam relação com o inesperado crescimento de libélulas nas regiões Norte-Nordeste? E com aquele executivo de preto, que você viu no metrô Clínicas semana passada, e ontem viu de novo atrás de uma moita na avenida do Estado, aparentemente procurando as lentes de contato?

Você já parou pra pensar que as pessoas que estão do seu lado, moram na sua casa ou aparam a sua franja (mesmo que você não tenha uma, o que aliás seria ainda pior), todas elas fazem parte de uma grande conspiração? E que nem sabem disso, talvez? Você já parou pra pensar por que começou a receber este zine, numa tarde estranha de terça-feira, logo após seu computador travar por 13,5 minutos e voltar com uma mensagem de "não confie em ninguém -- fora eu"? Qual seria a utilidade social destes escritos? Já imaginou que, enquanto você lê estas linhas, uma dona-de-casa húngara pode estar sabotando todos os raladores de cenoura da sua cozinha, com um propósito assustadoramente desconhecido?

Não se surpreenda se um dia você não receber isso nunca mais. Ou se, numa madrugada de domingo, sua caixa de correio lotar com 415 zines absolutamente iguais – com a diferença que o qüinquagésimo sétimo teria um erro ortográfico, aparentemente singelo, na palavra "cobra-cuspideira" do conto final (escrita com um insólito CH no início) e a adição de um misterioso "CUIDADO AGENTES ESLAVOS PT NÃO COMA BATATINHAS EM NENHUMA HIPÓTESE PT".

O que você deve lembrar, de qualquer maneira, é que algumas, várias, muitas, a maioria ou mesmo todas as coisas estão interligadas de uma forma surrealista, e que tudo o que parece esquisito na verdade é o que mais faz sentido.

Por exemplo, você acaba de ler este jornalzinho e desmaia. Ou dorme. Ao despertar, percebe que sua casa foi arrombada, mas as únicas coisas que desapareceram foram a tecla "E" do seu computador, um par de polainas desabotoadas, um pote de Minâncora e sua última lata de sardinhas Coqueiro. Ou talvez não tenha sumido nada e agora você tem um aparelho de som melhor, mais dinheiro na biscoiteira e um candelabro de prata no lugar dos talheres de pegar pastel que você comprou numa loja por atacado. Ou quem sabe agora suas portas estejam abrindo para o lado contrário ou seu carpete tenha sido trocado por uma alcatifa roxa. E não, não adianta se preocupar com isso, porque os motivos são insólitos e, quanto mais você descobre, menos você sabe. "Para Toda Conspiração Existe Uma Conspiração Igual e Contrária", dizia Nigel Findley. O DamnZine deseja a todos uma ótima Páscoa. Pt.


:: VELHAS CAINDO::
Daniil Kharms, tradução de Daniel Pellizzari

Por causa de sua curiosidade excessiva, uma velha caiu pela janela e se esborrachou no solo. Outra velha se curvou na janela e ficou espiando os restos da que tinha se esborrachado, mas por causa de sua curiosidade excessiva ela também caiu pela janela e se esborrachou no solo.

Então uma terceira velha caiu pela janela, e então uma quarta, e uma quinta.

Quando a sexta velha caiu pela janela, eu me entediei de tanto olhar aquilo e fui ao mercado de Maltsevisky, onde, de acordo com o que dizem, alguém deu um xale de tricô para um cego.


:: LESMAS ::

Leônidas estuda Biologia Marinha, e é apaixonado por lesmas. Odete trabalha no Aquário Municipal e cria dezessete caramujos numa tigela de plástico, desde os doze anos.

Leônidas mora sozinho, tem um cão chamado Josias e uma coleção de bonequinhos de chumbo. Odete adora Radiohead e conversa todos os sábados com seus dezesseis caramujos, já que um deles teve uma infecção no olho e faleceu logo após a mudança.

Véspera de Natal, Odete saiu com uma tia divorciada para dançar lambada. A tia percebeu, de repente, que ainda amava o ex-marido, e saiu correndo desenfreadamente pela rua de paralelepípedos, atrás do indivíduo. Odete foi parar no Bar Batana, sozinha e amargurada, com uma camiseta rasgada e uma mochila hippie em forma de caramujo.

Leônidas saiu para alugar um filme natalino qualquer e encontrou uma lesma agonizando na calçada. Comovido, colocou o bichinho molengo em uma tupper e foi procurar uma pitada de sal na cozinha, para abreviar a dor do molusquinho. Leônidas, entretanto, só comia miojo de tomate, razão pela qual nunca teve sal na cozinha. Rumou para o vizinho Bar Batana, para pedir um saleiro.

Odete, sentada, avista um rapaz bonito, correndo com uma tupper na mão. "Céus, ele quer salvar uma lesma!", pensa. Leônidas corre, desesperado, em direção à donzela que tem a mochila de caramujo. "Ele deve adorar animaizinhos aquáticos", Odete pondera. Do bar, ouve-se um tema romântico do Radiohead – o preferido da moça. Ela se levanta, pronta para acolher em seus braços o homem que sempre esperara.

Nesse momento, a fiscalização sanitária aparece. Odete vira de costas e reconhece seu primo Ananias, o Vesgo, entre os funcionários. Leônidas passa reto e ignora a moça de costas. Consegue um saleiro, executa o bichinho viscoso, aluga Natal Branco e volta pra casa, sem nunca se casar com Odete, que paga a conta, volta para o apartamento e se joga do décimo andar do edifício de Ananias, o primo Vesgo (que parecia um molusco).


:: AOS OLHOS DA MULTIDÃO ::
continuação da edição anterior, por Gay Talese

[ ...] Às 5 da manhã, Manhattan é uma cidade de cansados tocadores de trompete e barmen que regressam para casa. Os pombos controlam Park Avenue e caminham pavoneando-se no meio da rua. É a hora mais suave de Manhattan. A maioria dos notívagos desapareceu - mas o pessoal diurno ainda não surgiu. Os motoristas de caminhão e táxi estão alerta, mas não perturbam a atmosfera. Não perturbam o abandonado Rockefeller Center, ou os imóveis vigias noturnos do mercado de peixes de Fulton, ou o empregado do posto de gasolina dormindo junto ao Sloppy Louie, com o rádio ligado.

Às 5 da manhã, as prostitutas da Broadway já foram para casa ou encontram-se em cafés que ficam abertos a noite inteira onde, sob a iluminação muito forte, vêem-lhes o buço e o desgaste. E na Rua Cinqüenta e Um, um carro da imprensa encontra-se estacionado julto à calçada, com um fotógrafo que não tem nada para fazer. Sentado ali, olhando pelo pára-brisas, breve se torna um profundo observador da vida após meia-noite.

- À 1 hora - declara - a Broadway está cheia de gente elegante e garotas saindo do Astor Hotel em dinner jacket branco para divertir-se no carro dos pais. Vêem-se também as faxineiras indo para casa, sempre de lenço na cabeça. Às 2, os que gostam de beber começam a perder o controle e é a hora das brigas de bar. Às 3, terminou o último espetáculo nas boates, e a maioria dos turistas e comerciantes de fora da cidade voltam aos hotéis. Às 4, depois que os bares fecham, vêem-se os bêbados saírem - e também os proxenetas e as prostitutas, que tiram vantagem dos bêbados. Às 5, porém, tudo em geral está tranqüilo. Nova York é uma cidade totalmente diferente às cinco da manhã.

Às 6, os trabalhadores que pegam cedo começam a sair dos metrôs. O tráfego principia a descer a Broadway como um rio. E a Sra. Marè Woody salta da cama, corre ao escritório e telefona para meia dúzia de sonolentos nova-iorquinos, desejando-lhes com voz cordial, raro apreciada: "Bom dia. Hora de acordar".Há vinte anos funcionária do Serviço de Despertar da Western Union, a sra. Woody já tirou da cama milhões de pessoas.

[ ...] Os porteiros são em geral um grupo simpático, infinitamente fluente, de diplomatas de calçada, que contam entre seus amigos alguns dos homens mais poderosos de Manhattan, as mais belas mulheres e os poodles mais antipáticos. Na maioria são altos, de linhas mais ou menos góticas, possuidores de olhar agudo, capaz de identificar uma boa gorjeta a um quarteirão de distância, em dia do mais espesso nevoeiro.

Alguns porteiros do East Side são orgulhosos como aristocratas e seus uniformes muito enfeitados parecem ter saído do alfaiate que vestia o Marechal Tito. A maioria dos porteiros de hotel são excelentes em conversa ligeira, conversa de peso e rélica, recordando nomes e sabendo avaliar o couro da bagagem (calculam a riqueza de um hóspede pela bagagem que traz, não pela roupa que usa).

Hoje, em Manhattan, existem 650 porteiros de edifícios de apartamentos; 325 porteiros de hotel (quatorze no Waldorf Astoria); e um desconhecido, mas formidável número de porteiros de restaurantes, teatros, boates, leões-de-chácara e porteiros sem porta.

Os porteiros sem porta são um grupo não sindicalizado de vagabundos, em geral sem uniforme (mas com chapéu alugado), que abrem as portas dos carros quando o tráfego é intenso, nas noites de ópera, concertos, lutas de campeonato e convenções. O porteiro do Brass Rail, Christos Efthimiou, diz que os porteiros sem porta abrem quando ele não está de serviço (segundas e terças) e nesse dia trabalham como free-lance no seu local, que é a Sétima com a Quarenta e Nove.

<< continua na próxima edição >>


:: CORRESPONDÊNCIA ::
e-mails subversivos interceptados pela CIA

Salve Ahura-Mazda, rei da farinha de trigo

Venho por meio desta justificar minha ausência proposital na grande reunião de cúpula realizada em 5/5. Estava eu aguardando pacientemente em minha cadeirinha acolchoada, na sala cheia de puffs do Centro Acadêmico Hortolino Inácio (algo me dizia que estava na sala errada, mas isso não vem ao caso), travando uma conversa com alguém que se dizia Hortolino Inácio, quando recebi uma ligação de Pofo, o Lapão, meu assessor e consultor nos agronegócios. Dizia ele que "os circuitos de consagração social são tanto mais eficazes quanto maior for a distância do objeto consagrado". Dito isto, tive que correr ao meu Rancho de Avestruzes-Bebês e abafar a rebelião que lá se insulflava.

Mas ei! Devo informar (a quem interessar possa) que agora eu sou uma nova garota. Dedicar-me-ei ao ofício de montar lindos capacitores fixos com dielétrico de filme de polipropileno metalizado para corrente contínua, para uso em equipamento eletrotécnico. Deseje-me sorte (alea jacta est).

... e escute bem. Se eu estivesse me metamorfoseando, vagarosa e progressivamente, em um desengonçado avestruz amarelo, você acha que as pessoas ainda falariam comigo? Eu perderia a minha vaga no jornal? Avestruzes podem sentar no banco cinza dos ônibus? E como fica o meu imposto de renda?

Esqueça automaticamente o que eu te falei. E responda rápido. As penas no topo da cabeça estão ficando muito visíveis.

Impreterivelmente,
Anemôna


:: ASSIM DISSE BP... ::
montículos de bons ensinamentos, por Ricardo Monier

O Senhor é meu pastor, capim não me faltará.

:: O HOMEM QUE ATACOU A ESPOSA COM UM ATUM ::
Do site do Terra

Em novembro de 1999, Nicholas Vitalich, um americano de 24 anos, morador de La Jolla, Califórnia, foi sentenciado a um ano de terapia contra violência conjugal e três anos de cadeia condicional após ter agredido sua esposa repetidamente com um atum fresco de 60 centímetros e quase dez quilos. O casal encontrava-se em frente ao mercado onde a "arma" foi comprada quando começaram a brigar, Vitalich descontrolou-se e bateu várias vezes na esposa com o jantar. O criminoso foi preso por violência doméstica e resistência à busca policial.


:: APONTAMENTOS FILOSÓFICOS: "O FRANGO" ::
É velho, eu sei.

Por que o frango cruzou a estrada?

PROFESSORA PRIMÁRIA: Porque queria chegar do outro lado da estrada.
CRIANÇA: Porque sim.
POLIANA: Porque estava feliz.
PLATÃO: Porque buscava alcançar o Bem.
ARISTÓTELES: É da natureza dos frangos cruzar a estrada.
NELSON RODRIGUES: Porque viu sua cunhada, uma galinha sedutora, do outro lado.
MARX: O atual estágio das forças produtivas exigia uma nova classe de frangos,capazes de cruzar a estrada.
MOISÉS: Uma voz vinda do céu bradou ao frango: "E o frango cruzou a estrada e todos se regozijaram."
AMYR KLINK: Para ir onde nenhum frango jamais esteve.
MARTIN LUTHER KING: Eu tive um sonho. Vi um mundo no qual todos os frangos serão livres para cruzar a estrada sem que sejam questionados seus motivos.
MAQUIAVEL: A quem importa o por quê? Estabelecido o fim de cruzar a estrada, é irrelevante discutir os meios que utilizou para isso.
FREUD: A preocupação com o fato de o frango ter cruzado a estrada é um sintoma de sua insegurança sexual.
DARWIN: Os frangos têm sido selecionados naturalmente, de modo que, agora, têm uma predisposição genética a cruzar estradas.
EINSTEIN: Se o frango cruzou a estrada ou a estrada se moveu sob o frango, depende do ponto de vista. Tudo é relativo.
FHC: Por que ele atravessou a estrada, não vem ao caso. O importante é que, com o Plano Real, o povo está comendo mais frango.
GEORGE ORWELL: Para fugir da ditadura dos porcos.
SARTRE: Trata-se de mera faticidade. A existência do frango está em sua liberdade de cruzar a estrada
MACONHEIRO: Foi uma viagem...
PINOCHET: El se fué, pero tengo muchos penachos de el en mi mano!
ACM: Estava tentando fugir, mas já tenho um dossiê pronto, comprovando que aquele frango pertence a Jorge Amado.
PDT: Para protestar contra as perdas internacionais promovidas por esse governo neoliberal e entreguista, e apoiar a renúncia de FHC, já ! Fora FHC!
MALUF: Não tenho nada a ver com isso. Pergunte ao Pitta.
NIETZSCHE: Ele deseja superar a sua condição de frango, para tornar-se um superfrango.
CHE GUEVARA: Hay que cruzar la carretera, pero sin jamás perder la ternura...
BLAISE PASCAL: Quem sabe? O coração do frango tem razões que a própria razão desconhece.
SÓCRATES: Tudo que sei é que nada sei.
PARMÊNIDES: O frango não atravessou a estrada porque não podia mover-se. O movimento não existe.
CAETANO VELOSO: O frango é amaro, é lindo, uma coisa assim amara. Ele atravessou, atravessa e atravessará a estrada porque Narciso, filho de Nô, quisera comê-lo, ...ou não!
DORIVAL CAYMMI : Eu acho (pausa)... - Amália, vai lá ver pra onde vai esse frango pra mim, minha filha, que o moço aqui ta querendo saber...


:: MANIFESTO ::
Lutem pela bandeira desse rapaz de nome Marcelo Träsel! Ele precisa de vocês!

[...] Enviei outra carta à Kibon, depois da resposta padronizada que me enviaram quando perguntei porque não vendiam sorvete de nata com goiaba no Rio Grande do Sul. Esta aqui ainda não me responderam. Sugiro que todos enviem mensagens ao SAC da Kibon, pedindo sorvete de nata com goiaba em porto alegre.

:: BLAH ::
Mande sua resposta para cá, sem limite de tamanho ou falta de coerência

"Se você pudesse ser um legume, qual você escolheria?"


:: VOCÊ PERGUNTA, NÓS NÃO DAMOS A MÍNIMA ::
Questionamentos sadios de uma sociedade doente

??? Por que a gente usa talheres, se depois de comer a gente lava a mão? (Guilherme Tobias, Porto Alegre)

- Para que não entrem farpinhas de couve dentro da unha
- Para refeições em que a carne não está lá muito morta, o garfo serve como arpão
- Você não gostaria de rasgar um bife de fígado com os dentes, gostaria?
- Para poder comer e passar a mão no cabelo, ao mesmo tempo. E eventualmente tirar meleca do nariz.
- Para não ter que usar Ajax Festa das Flores e deixar a mão de molho na cândida por três horas, depois de comer frango frito.


EXPEDIENTE

Este Zine é impessoal. Computadores meticulosamente programados desenvolvem os textos, se emocionam, revisam e publicam a visão neutra e imparcial da coisa toda. O único responsável possível é a instituição "Da Redação".

 

... Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado (que vem logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido) - Stephanie Avari

Você está recebendo o !!DAMN!!Zine porque (loser!) estava na lista de pessoas bisonhas do catálogo de endereço dos Illuminati. Caso não queira voltar a receber esse monte de lixo, mande um e-mail para vmbarbara@yahoo.com, e escreva na linha de assunto: "Deixem minha família em paz, é só o que peço". Se quiser que mais vítimas recebam o Zine, também escreva para cál mandando o endereço dos condenados e o número e senha de suas contas bancárias.

!!DAMN!! Zine - o zine das coisas que eram, das coisas que são o que são, das que não são o que não são e das que poderiam vir a ser o que não foram. Parceiro do tablóide norte-americano "O Sol da Meia Noite", mas haja o que houver não olhe pra trás agora.


God is coming.
Look busy.



2005 Vanessa Barbara