"À noite, não
se podia dar um passo sem tropeçar num complô ou num
contra-complô" (John Reed, México Rebelde)
Você já parou pra pensar,
satisfeito leitor, no que querem dizer três zines seguidos,
em um espaço de menos de uma semana, todos recheados de bizarrices
e coisas inócuas das quais você nunca vai precisar? E
de onde vieram essas tralhas estranhas? Qual seria a utilidade delas?
Teriam relação com o inesperado crescimento de libélulas
nas regiões Norte-Nordeste? E com aquele executivo de preto,
que você viu no metrô Clínicas semana passada,
e ontem viu de novo atrás de uma moita na avenida do Estado,
aparentemente procurando as lentes de contato?
Você já parou pra pensar que as pessoas que estão
do seu lado, moram na sua casa ou aparam a sua franja (mesmo que você
não tenha uma, o que aliás seria ainda pior), todas
elas fazem parte de uma grande conspiração? E que nem
sabem disso, talvez? Você já parou pra pensar por que
começou a receber este zine, numa tarde estranha de terça-feira,
logo após seu computador travar por 13,5 minutos e voltar com
uma mensagem de "não confie em ninguém -- fora
eu"? Qual seria a utilidade social destes escritos? Já
imaginou que, enquanto você lê estas linhas, uma dona-de-casa
húngara pode estar sabotando todos os raladores de cenoura
da sua cozinha, com um propósito assustadoramente desconhecido?
Não se surpreenda se um dia você não receber isso
nunca mais. Ou se, numa madrugada de domingo, sua caixa de correio
lotar com 415 zines absolutamente iguais – com a diferença
que o qüinquagésimo sétimo teria um erro ortográfico,
aparentemente singelo, na palavra "cobra-cuspideira" do
conto final (escrita com um insólito CH no início) e
a adição de um misterioso "CUIDADO AGENTES ESLAVOS
PT NÃO COMA BATATINHAS EM NENHUMA HIPÓTESE PT".
O que você deve lembrar, de qualquer maneira, é que algumas,
várias, muitas, a maioria ou mesmo todas as coisas estão
interligadas de uma forma surrealista, e que tudo o que parece esquisito
na verdade é o que mais faz sentido.
Por exemplo, você acaba de ler este jornalzinho e desmaia. Ou
dorme. Ao despertar, percebe que sua casa foi arrombada, mas as únicas
coisas que desapareceram foram a tecla "E" do seu computador,
um par de polainas desabotoadas, um pote de Minâncora e sua
última lata de sardinhas Coqueiro. Ou talvez não tenha
sumido nada e agora você tem um aparelho de som melhor, mais
dinheiro na biscoiteira e um candelabro de prata no lugar dos talheres
de pegar pastel que você comprou numa loja por atacado. Ou quem
sabe agora suas portas estejam abrindo para o lado contrário
ou seu carpete tenha sido trocado por uma alcatifa roxa. E não,
não adianta se preocupar com isso, porque os motivos são
insólitos e, quanto mais você descobre, menos você
sabe. "Para Toda Conspiração Existe Uma Conspiração
Igual e Contrária", dizia Nigel Findley. O DamnZine deseja
a todos uma ótima Páscoa. Pt.
:: VELHAS CAINDO::
Daniil Kharms, tradução de Daniel Pellizzari
Por causa de sua curiosidade excessiva,
uma velha caiu pela janela e se esborrachou no solo. Outra velha se
curvou na janela e ficou espiando os restos da que tinha se esborrachado,
mas por causa de sua curiosidade excessiva ela também caiu
pela janela e se esborrachou no solo.
Então uma terceira velha caiu
pela janela, e então uma quarta, e uma quinta.
Quando a sexta velha caiu pela janela,
eu me entediei de tanto olhar aquilo e fui ao mercado de Maltsevisky,
onde, de acordo com o que dizem, alguém deu um xale de tricô
para um cego.
:: LESMAS ::
Leônidas estuda Biologia Marinha,
e é apaixonado por lesmas. Odete trabalha no Aquário
Municipal e cria dezessete caramujos numa tigela de plástico,
desde os doze anos.
Leônidas mora sozinho, tem um
cão chamado Josias e uma coleção de bonequinhos
de chumbo. Odete adora Radiohead e conversa todos os sábados
com seus dezesseis caramujos, já que um deles teve uma infecção
no olho e faleceu logo após a mudança.
Véspera de Natal, Odete saiu
com uma tia divorciada para dançar lambada. A tia percebeu,
de repente, que ainda amava o ex-marido, e saiu correndo desenfreadamente
pela rua de paralelepípedos, atrás do indivíduo.
Odete foi parar no Bar Batana, sozinha e amargurada, com uma camiseta
rasgada e uma mochila hippie em forma de caramujo.
Leônidas saiu para alugar um
filme natalino qualquer e encontrou uma lesma agonizando na calçada.
Comovido, colocou o bichinho molengo em uma tupper e foi procurar
uma pitada de sal na cozinha, para abreviar a dor do molusquinho.
Leônidas, entretanto, só comia miojo de tomate, razão
pela qual nunca teve sal na cozinha. Rumou para o vizinho Bar Batana,
para pedir um saleiro.
Odete, sentada, avista um rapaz bonito,
correndo com uma tupper na mão. "Céus, ele quer
salvar uma lesma!", pensa. Leônidas corre, desesperado,
em direção à donzela que tem a mochila de caramujo.
"Ele deve adorar animaizinhos aquáticos", Odete pondera.
Do bar, ouve-se um tema romântico do Radiohead – o preferido
da moça. Ela se levanta, pronta para acolher em seus braços
o homem que sempre esperara.
Nesse momento, a fiscalização
sanitária aparece. Odete vira de costas e reconhece seu primo
Ananias, o Vesgo, entre os funcionários. Leônidas passa
reto e ignora a moça de costas. Consegue um saleiro, executa
o bichinho viscoso, aluga Natal Branco e volta pra casa,
sem nunca se casar com Odete, que paga a conta, volta para o apartamento
e se joga do décimo andar do edifício de Ananias, o
primo Vesgo (que parecia um molusco).
:: AOS OLHOS DA MULTIDÃO ::
continuação da edição anterior, por Gay
Talese
[ ...] Às 5 da manhã, Manhattan é uma cidade
de cansados tocadores de trompete e barmen que regressam para casa.
Os pombos controlam Park Avenue e caminham pavoneando-se no meio da
rua. É a hora mais suave de Manhattan. A maioria dos notívagos
desapareceu - mas o pessoal diurno ainda não surgiu. Os motoristas
de caminhão e táxi estão alerta, mas não
perturbam a atmosfera. Não perturbam o abandonado Rockefeller
Center, ou os imóveis vigias noturnos do mercado de peixes
de Fulton, ou o empregado do posto de gasolina dormindo junto ao Sloppy
Louie, com o rádio ligado.
Às 5 da manhã, as prostitutas da Broadway já
foram para casa ou encontram-se em cafés que ficam abertos
a noite inteira onde, sob a iluminação muito forte,
vêem-lhes o buço e o desgaste. E na Rua Cinqüenta
e Um, um carro da imprensa encontra-se estacionado julto à
calçada, com um fotógrafo que não tem nada para
fazer. Sentado ali, olhando pelo pára-brisas, breve se torna
um profundo observador da vida após meia-noite.
- À 1 hora - declara - a Broadway está cheia de gente
elegante e garotas saindo do Astor Hotel em dinner jacket branco para
divertir-se no carro dos pais. Vêem-se também as faxineiras
indo para casa, sempre de lenço na cabeça. Às
2, os que gostam de beber começam a perder o controle e é
a hora das brigas de bar. Às 3, terminou o último espetáculo
nas boates, e a maioria dos turistas e comerciantes de fora da cidade
voltam aos hotéis. Às 4, depois que os bares fecham,
vêem-se os bêbados saírem - e também os
proxenetas e as prostitutas, que tiram vantagem dos bêbados.
Às 5, porém, tudo em geral está tranqüilo.
Nova York é uma cidade totalmente diferente às cinco
da manhã.
Às 6, os trabalhadores que pegam cedo começam a sair
dos metrôs. O tráfego principia a descer a Broadway como
um rio. E a Sra. Marè Woody salta da cama, corre ao escritório
e telefona para meia dúzia de sonolentos nova-iorquinos, desejando-lhes
com voz cordial, raro apreciada: "Bom dia. Hora de acordar".Há
vinte anos funcionária do Serviço de Despertar da Western
Union, a sra. Woody já tirou da cama milhões de pessoas.
[ ...] Os porteiros são em geral um grupo simpático,
infinitamente fluente, de diplomatas de calçada, que contam
entre seus amigos alguns dos homens mais poderosos de Manhattan, as
mais belas mulheres e os poodles mais antipáticos. Na maioria
são altos, de linhas mais ou menos góticas, possuidores
de olhar agudo, capaz de identificar uma boa gorjeta a um quarteirão
de distância, em dia do mais espesso nevoeiro.
Alguns porteiros do East Side são orgulhosos como aristocratas
e seus uniformes muito enfeitados parecem ter saído do alfaiate
que vestia o Marechal Tito. A maioria dos porteiros de hotel são
excelentes em conversa ligeira, conversa de peso e rélica,
recordando nomes e sabendo avaliar o couro da bagagem (calculam a
riqueza de um hóspede pela bagagem que traz, não pela
roupa que usa).
Hoje, em Manhattan, existem 650 porteiros de edifícios de apartamentos;
325 porteiros de hotel (quatorze no Waldorf Astoria); e um desconhecido,
mas formidável número de porteiros de restaurantes,
teatros, boates, leões-de-chácara e porteiros sem porta.
Os porteiros sem porta são um grupo não sindicalizado
de vagabundos, em geral sem uniforme (mas com chapéu alugado),
que abrem as portas dos carros quando o tráfego é intenso,
nas noites de ópera, concertos, lutas de campeonato e convenções.
O porteiro do Brass Rail, Christos Efthimiou, diz que os porteiros
sem porta abrem quando ele não está de serviço
(segundas e terças) e nesse dia trabalham como free-lance no
seu local, que é a Sétima com a Quarenta e Nove.
<< continua na próxima
edição >>
:: CORRESPONDÊNCIA ::
e-mails subversivos interceptados pela CIA
Salve Ahura-Mazda, rei da farinha de trigo
Venho por meio desta justificar minha
ausência proposital na grande reunião de cúpula
realizada em 5/5. Estava eu aguardando pacientemente em minha cadeirinha
acolchoada, na sala cheia de puffs do Centro Acadêmico Hortolino
Inácio (algo me dizia que estava na sala errada, mas isso não
vem ao caso), travando uma conversa com alguém que se dizia
Hortolino Inácio, quando recebi uma ligação de
Pofo, o Lapão, meu assessor e consultor nos agronegócios.
Dizia ele que "os circuitos de consagração social
são tanto mais eficazes quanto maior for a distância
do objeto consagrado". Dito isto, tive que correr ao meu Rancho
de Avestruzes-Bebês e abafar a rebelião que lá
se insulflava.
Mas ei! Devo informar (a quem interessar
possa) que agora eu sou uma nova garota. Dedicar-me-ei ao ofício
de montar lindos capacitores fixos com dielétrico de filme
de polipropileno metalizado para corrente contínua, para uso
em equipamento eletrotécnico. Deseje-me sorte (alea jacta est).
... e escute bem. Se eu estivesse me
metamorfoseando, vagarosa e progressivamente, em um desengonçado
avestruz amarelo, você acha que as pessoas ainda falariam comigo?
Eu perderia a minha vaga no jornal? Avestruzes podem sentar no banco
cinza dos ônibus? E como fica o meu imposto de renda?
Esqueça automaticamente o que
eu te falei. E responda rápido. As penas no topo da cabeça
estão ficando muito visíveis.
Impreterivelmente,
Anemôna
:: ASSIM DISSE BP... ::
montículos de bons ensinamentos, por Ricardo Monier
O Senhor é meu pastor, capim não me faltará.
:: O HOMEM QUE ATACOU A ESPOSA
COM UM ATUM ::
Do site do Terra
Em novembro de 1999, Nicholas Vitalich,
um americano de 24 anos, morador de La Jolla, Califórnia, foi
sentenciado a um ano de terapia contra violência conjugal e
três anos de cadeia condicional após ter agredido sua
esposa repetidamente com um atum fresco de 60 centímetros e
quase dez quilos. O casal encontrava-se em frente ao mercado onde
a "arma" foi comprada quando começaram a brigar,
Vitalich descontrolou-se e bateu várias vezes na esposa com
o jantar. O criminoso foi preso por violência doméstica
e resistência à busca policial.
:: APONTAMENTOS FILOSÓFICOS: "O FRANGO"
::
É velho, eu sei.
Por que o frango cruzou a estrada?
PROFESSORA PRIMÁRIA: Porque queria chegar do outro lado da
estrada.
CRIANÇA: Porque sim.
POLIANA: Porque estava feliz.
PLATÃO: Porque buscava alcançar o Bem.
ARISTÓTELES: É da natureza dos frangos cruzar a estrada.
NELSON RODRIGUES: Porque viu sua cunhada, uma galinha sedutora, do
outro lado.
MARX: O atual estágio das forças produtivas exigia uma
nova classe de frangos,capazes de cruzar a estrada.
MOISÉS: Uma voz vinda do céu bradou ao frango: "E
o frango cruzou a estrada e todos se regozijaram."
AMYR KLINK: Para ir onde nenhum frango jamais esteve.
MARTIN LUTHER KING: Eu tive um sonho. Vi um mundo no qual todos os
frangos serão livres para cruzar a estrada sem que sejam questionados
seus motivos.
MAQUIAVEL: A quem importa o por quê? Estabelecido o fim de cruzar
a estrada, é irrelevante discutir os meios que utilizou para
isso.
FREUD: A preocupação com o fato de o frango ter cruzado
a estrada é um sintoma de sua insegurança sexual.
DARWIN: Os frangos têm sido selecionados naturalmente, de modo
que, agora, têm uma predisposição genética
a cruzar estradas.
EINSTEIN: Se o frango cruzou a estrada ou a estrada se moveu sob o
frango, depende do ponto de vista. Tudo é relativo.
FHC: Por que ele atravessou a estrada, não vem ao caso. O importante
é que, com o Plano Real, o povo está comendo mais frango.
GEORGE ORWELL: Para fugir da ditadura dos porcos.
SARTRE: Trata-se de mera faticidade. A existência do frango
está em sua liberdade de cruzar a estrada
MACONHEIRO: Foi uma viagem...
PINOCHET: El se fué, pero tengo muchos penachos de el en mi
mano!
ACM: Estava tentando fugir, mas já tenho um dossiê pronto,
comprovando que aquele frango pertence a Jorge Amado.
PDT: Para protestar contra as perdas internacionais promovidas por
esse governo neoliberal e entreguista, e apoiar a renúncia
de FHC, já ! Fora FHC!
MALUF: Não tenho nada a ver com isso. Pergunte ao Pitta.
NIETZSCHE: Ele deseja superar a sua condição de frango,
para tornar-se um superfrango.
CHE GUEVARA: Hay que cruzar la carretera, pero sin jamás perder
la ternura...
BLAISE PASCAL: Quem sabe? O coração do frango tem razões
que a própria razão desconhece.
SÓCRATES: Tudo que sei é que nada sei.
PARMÊNIDES: O frango não atravessou a estrada porque
não podia mover-se. O movimento não existe.
CAETANO VELOSO: O frango é amaro, é lindo, uma coisa
assim amara. Ele atravessou, atravessa e atravessará a estrada
porque Narciso, filho de Nô, quisera comê-lo, ...ou não!
DORIVAL CAYMMI : Eu acho (pausa)... - Amália, vai lá
ver pra onde vai esse frango pra mim, minha filha, que o moço
aqui ta querendo saber...
:: MANIFESTO ::
Lutem pela bandeira desse rapaz de nome Marcelo Träsel! Ele precisa
de vocês!
[...] Enviei outra carta à Kibon,
depois da resposta padronizada que me enviaram quando perguntei porque
não vendiam sorvete de nata com goiaba no Rio Grande do Sul.
Esta aqui ainda não me responderam. Sugiro que todos enviem
mensagens ao SAC da Kibon, pedindo sorvete de nata com goiaba em porto
alegre.
:: BLAH ::
Mande sua resposta para cá, sem limite de tamanho ou falta
de coerência
"Se você pudesse ser um
legume, qual você escolheria?"
:: VOCÊ PERGUNTA, NÓS NÃO DAMOS A MÍNIMA
::
Questionamentos sadios de uma sociedade doente
??? Por que a gente usa talheres,
se depois de comer a gente lava a mão? (Guilherme Tobias, Porto
Alegre)
- Para que não entrem farpinhas
de couve dentro da unha
- Para refeições em que a carne não está
lá muito morta, o garfo serve como arpão
- Você não gostaria de rasgar um bife de fígado
com os dentes, gostaria?
- Para poder comer e passar a mão no cabelo, ao mesmo tempo.
E eventualmente tirar meleca do nariz.
- Para não ter que usar Ajax Festa das Flores e deixar a mão
de molho na cândida por três horas, depois de comer frango
frito.