"Conhecemos o som de duas
mãos batendo palmas. Mas qual é o som de uma mão
batendo palmas?" (J. D. Salinger, não necessariamente
nessas palavras) Como diria Júlio César, cujo sonho era virar o Dumbo, "Amigos, romanos, homens do
campo e cidadãos de Roma: emprestem-me seus ouvidos!"
Era um cara ruivo, sem olhos e sem orelhas. Ele também não tinha cabelo algum, então era apenas teoricamente considerado um ruivo. Ele não podia falar, porque não tinha boca. Ele também não tinha nariz. Ele não tinha nem mesmo braços ou pernas. Ele não tinha barriga, nem costas, nem coluna e nem qualquer tipo de entranhas. Ele não tinha coisa alguma. Assim, fica meio difícil de entender sobre quem estamos falando. Sendo assim, é melhor que não falemos mais nada sobre ele.
... Mas vamos fechar os olhos, agora, e pensar numa outra coisa...
Isso que dá praguejar a esmo, crianças. Alguém duvidou, então estamos aí: apresentamos neste humilde espaço a grande produção do verão de 2002: "A Saga da Enciclopédia Britânica", tragédia em três atos. Na apresentação de hoje, "O Mundo Maravilhoso da Letra H". Cena 1 Uma biblioteca antiga, com estantes gordurentas e acinzentadas. A câmera vem deslizando e focaliza uma velha mesa de mogno. O astrônomo George Hale, vestido de azul, com chapéu sobre os joelhos, lê um livro. Seu melhor amigo, Stephen Hales (o químico), de branco, está de pé, sonhador. HALE – Fascinante essa nova edição
da Britânica. (Um estrondo. Da porta, surge um Haicai. Um enorme, furioso e amarelo Haicai.) HAICAI – Todos parados! Reverenciem o pequeno poema japonês! (Hale e Hales olham com desdém. O poema – substantivo, e ainda masculino – se desfaz em três versos, e suas dezessete sílabas rolam pela sala como bolinhas de ping-pong. Impassível, Hale dá continuidade à fresca leitura.) HALES – Ah! Bela Haifa... (Haifa entra. É uma alemã gorducha, com bandejas douradas em ambas as mãos e uma expressão de hiena. Hiena, o mamífero carniceiro de pêlo cinza ou ruivo com malhas escuras. Haifa sorri e começa a recolher as sujeiras de Haicai. A câmera volta para Hales e Haifa sai.) HALES – Não, não
a criada Haifa. A cidade, Haifa, em Israel. (Hales olha esquisito. Puxa uma poltrona e senta, entre a fotografia de Alexander Haig e um pedaço de polenguinho estragado. Final da cena) Cena 2 Preto-e-branco. Imagens de Alexander Haig, um moreno alto cheio de covinhas. Haig veste uma bandeira dos Estados Unidos e tem os pés descalços. Conversa com seu pequenino hamster, Cassius Robertus, não catalogado. HAIG – Como, quem sou eu?? (Focaliza o Hamster, que ainda por cima é vesgo) HAIG – Secretário de Estado de Reagan. Renunciei em 82. Ajudei Nixon, Kissinger, o Vietnã! Diabos! Onde você estava esse tempo todo? Fade out. Cena 3 Volta para a biblioteca. Hales está tirando as cutículas e Hale – inexplicavelmente – tem um pano em volta da cabeça. HALES – Que diabos...? (outro estrondo. Haifa, a criada alemã, tem uma grande faca na mão. Ela traz o temível Hai-ho, criatura multiforme e molenga, com o aspecto de uma geleca de framboesa) HALES – Trouxe amigos, Haifa? (Hale corre os olhos pelo livro. Levanta em um pulo. Close.) HALE – Não adianta, dramaturgo. Hai-ho é só um rio. Chinês, ainda. Não pense que... (Outro estrondo. Dessa vez é o teto: um pedaço de estuque se desprendeu e caiu sobre a pobre Haifa. Hai-ho e Hales tiram a alemã da sala e deixam Hale absorto em seus pensamentos.) Hale olha pro chão. Com o estrondo, a enciclopédia voara e se perdera entre os escombros. Ele tira da gaveta o volume 8. Labaredas consomem a parte de trás da biblioteca. HALE – Lábil. Adjetivo. Que escorrega ou desliza facilmente. A câmera vai fechando em uma grande e pesada bola de estuque, que se desprende do teto e escorrega (facilmente) em direção a Hale, até que... Cai o pano. Aplausos.
:: Vanessa :: Bruno Mascarenhas, 23 anos, sozinho, sem-amigos, rapaz bem de vida e bem apessoado, usa as cores neutras com muito estilo (sapato combinando com o cinto, por exemplo, e prefere tons pastéis e escuros). Área de atuação: marketing financeiro, em uma Multinacional paulista. Acabou de se mudar de Gramado (RS), onde deixou família e amigos, rumo à cidade grande com sua tatuagem no pulso e disposição pra fazer novos amigos e se casar com a Ana. O nome foi modificado para preservar os envolvidos. Bruno ainda ganha lindos origamis de garotas entediadas, e cede seu belo folheto de peça de teatro em prol da arte nacional. :: Stephanie :: Aposto uma morsa de origami que eles se casam e vão morar no flat dele no Itaim Bibi, junto com seu setter irlandês na companhia do primo e da namorada do primo... "Eis a história do pequenino amigo, o mangusto Riqui Tiqui Tavi, conhecido do tosco garoto inglês Teddy. Ríqui-Tíqui-Távi travou sozinho, pelas salas de banho do grande bangalô, na estação militar de Sigáuli. Darzi, o pássaro alfaiate..." (essa última parte não tem conexão possível com as demais) :: Vanessa :: Ei! Aposto ainda que o Bruno (que tem um apelido em Gramado, mas não sabemos qual é) está prestes a convidar a Ana pra ir no MAM ver a exposição do ruivo Crítias (o escultor de legumes), e depois tomar sorvete de... pistache, que é o sabor preferido dele, e juntos irem dançar pela noite afora, em algum lugar do momento. Nias. É, no Nias. No dia seguinte, estarão num churrasco da vó da namorada do primo do Bruno, e ela vai ostentar uma reluzente aliança de cobre, que o adorável Bruno adquiriu do lado da AT&T, ou da Computer Solutions Inc., que é onde ele trabalha. :: Stephanie :: Ah, não sei, o Bruno deve ser tímido demais pra chamar a Ana, porque, de volta a Gramado, ele devia ter um apelido tipo "pastel", por ser tímido e tosco! Mas, quando ele convidar a Ana, com certeza ele vai levá-la pra tomar capuccino no Frans Café da Vila Madalena, perto da casa do primo dele... e enquanto isso, vai contar sobre quando ele perdeu um contrato importante do chefe (ou derrubou café) quando ele era estagiário em Gramado... :: Vanessa :: O livro
preferido dele é O que podemos aprender com os gansos
ou Pollyanna. Ele adora ler a Folha Ilustrada e o Caderno
Equilíbrio, e o sonho dele é se casar, comprar uma casa
em Itapema, ter 6 filhos, comer espaguete aos domingos e coisetal.
Aos fins de semana, quando o primo dele está ocupado com a
Melanie, ele se põe a pegar filas intermináveis (no
açougue, no correio, no teatro, na casa de massagem, no INSS)
e fica sonhando com o walkman de 33 volumes da Semp Toshiba, que ele
vai poder comprar um dia. No apê do Bruno tem um porta-retrato
com a foto dos pais, uma coleção de CDs do Faith No
More e uma pilha de revistas em quadrinhos do Homem-Aranha. Ele parece
com o irmão da Patrícia, veste Iódice e tem um
sotaque muito, muito engraçado. Recompensa-se bem. Anacleto. Toda vez que eu vejo o Anaxímenes, seja pela TV ou pela janela de casa (ele passa e me acena espalhafatosamente, principalmente quando eu estou dormindo de barriga pra cima), toda vez que acontece isso eu lembro de lagartixas. Gordas. Gosmentas. Schlept. Por que isso acontece? Gostaria que a faculdade me fornecesse um desconto na terapia em grupo e no tratamento com choques e redemoinhos. "Turbilhões de água." Hum?? "Turbilhões de água,
é o nome científico pra esses redemoinhos", disse
alguém sentado aqui perto, que eu, sinceramente, não
sei quem seja. Levarei caneta, papel, minhas tartarugas de pelúcia e o meu amuleto em forma de pato assado (que eu roubei na exposição do Egito), para Alá me proteger e a minha colheita ser fecunda. Mas ah! Sim. Consegui fazer a minha fita dos Saltimbancos funcionar, através de chutes sucessivos e gritos como "Morra", "Desgraça" e "Faço votos de que as pombas descarreguem mísseis pastosos em sua cabeça". Aí funcionou. E foi um momento mágico. Escuta. Atentamente. Pense bem. Você acha que alguém ia perceber se eu trocasse as faceiras tartarugas do lago da faculdade por pedras coloridas? Responda rápido. Gostaria de propor uma passeata em prol dos animais marinhos engolidores de balões de hélio desbotados que balouçam ao sabor das ondas como se fossem águas-vivas. Isso vai melhorar o ensino no país e vai deixar muita gente contente, afinal, tartarugas costumam ser lideranças carismáticas. E discursam melhor que vocês, do Centro Acadêmico. Nada pessoal, claro, mas elas são gosmentas e não há quem consiga levantar a voz para uma delas. E são verdinhas. Ninguém nunca apontou o dedo a jabutis. Sobre o seu e-mail, não entendi a parte da "nuvem negra de betume", e também o parágrafo em que você diz para nunca mexermos com lhamas enfurecidas. Em que medida os montinhos de feno podem contribuir para uma sociedade mais confortável? Sem mais, despeço-me.
"Nem que eu tivesse dois pulmão
eu alcançava essa bola."
Jogos de computador não afetam crianças. Quer dizer, se o Pac-man tivesse nos afetado quando éramos pequenos, estaríamos todos correndo em salas escuras, mastigando pílulas mágicas e escutando músicas eletrônicas repetitivas. :: APONTAMENTOS SOBRE O ENTARDECER CÚPRICO :: "Só uma combinação improvável de resultados nos levaria ao título", ele disse, com os olhos marejados e a mão amarela. Afinal, não era todo dia que Orlando, o Rotundo, consertava a epiglote de populares com apenas um martelinho e dois pedaços de durepox, em plena avenida Guacá. A noite apenas começava. Parte II - O Ínterim Com otite, mas ainda vivo, Félix M. galgou os degraus do sucesso, rumo ao contentamento pessoal, e declarou: "Felizes os que têm boinas, assim não se preocuparão com a calvície". E foi aclamado aos quatro ventos, de pé. Epílogo Pois enquanto houver rícino, haverá caretas, e enquanto Psístrato viver, as hordas condenadas a dez anos de Tupperware (grátis) não terão uma segunda chance sobre a Terra. Assim declarou Orlando Rotundo e os mares se abriram, as anêmonas morreram de medo de altura e uma velha modinha espanhola parou subitamente de ser executada. "Seus filhos o perpetuarão" (Ez., 66-6). Ao longe, um garotinho ruivo entoava: "Compra mãe, compra Cremucho".
“Com US$ 20 milhões consigo
eleger um tijolo “
"Não há fatos eternos
como não há verdades absolutas"
Eu sou o fêmur de João
"Se você pudesse ser um legume, qual você escolheria?" - "Queria ser um pimentão
mágico de Springle Star!! Para ser o Onipotente!" (Rafael
Lazzarotto)
??? Para que serve o bolso em um pijama? (Sérgio Praça, SP) - Para guardar as mãos. Pombas; ??? Por que o Pato Donald aparece enrolado numa toalha quando toma banho, se ele não usa calças? (S. P., de novo) - Porque ele tem frio, caramba;
Este Zine é impessoal. Computadores
meticulosamente programados desenvolvem os textos, se emocionam com
eles, revisam e publicam a visão neutra e imparcial da coisa
toda. O único responsável possível é a instituição
"Da Redação". Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque (oinc!) estava na lista de pessoas suspeitas do catálogo de endereço dos Illuminati. Caso não queira voltar a receber esse monte de lixo, mande um e-mail para vmbarbara@yahoo.com, e escreva na linha de assunto: "Parem de incomodar minha família". Se quiser que mais vítimas recebam o Zine, também escreva para cá mandando o endereço dos condenados e o número e senha de suas contas bancárias. !!DAMN!! Zine - o zine das coisas que eram, das coisas que são o que são, das que não são o que não são e das que poderiam vir a ser o que não foram. Parceiro do tablóide norte-americano "O Sol da Meia Noite", mas haja o que houver não olhe pra trás agora.
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2005
Vanessa Barbara |