A Hortaliça

www.hortifruti.org

Por mil demônios!
Edição #013, de 03 de abril de 2002.
Para aqueles que coçam o ouvido com chave de fenda.
Classificação: proibido para maiores de 1,65 m

hortalica@gmail.com
Esta edição é dedicada ao Zózimo.

 

"Uma prosa pode apodrecer como um filé de lombo"
(Rayuela, Julio Cortázar)

 

EDITORIAL
Vanessa Barbara
 

Hoje também não haverá editorial, pois o Grande Pombo Inflável Laranja continua sobrevoando a Redação do Zine. Os atiradores de elite, a postos desde a semana passada, começam a organizar sessões coletivas de alongamento e aulas teóricas de Acupultura e Balé. O estamento dos curiosos, enquanto isso, procura acertar alfinetes em pontos-chave do corpo laranja do pombáceo. A polícia ainda não entendeu as aspirações da Ave, e investiga indícios de participação da máfia tailandesa, dos fabricantes de churros e dos malabaristas da região. "Churros a um real", declarou recentemente o principal suspeito. O pombo, apelidado de Tito Lívio (em homenagem ao avô de um dos redatores, que se chama Orestes e não escuta lá muito bem), passa os dias lendo as antigas edições do Damn, mascando pedaços de janela e observando com atenção a Grande Roda de Batata-Quente dos repórteres, que já alcança onze dias de intensa atividade. Para Stephanie Avari, diretora-Geral do recém-eleito Núcleo de Entretenimento do prédio, há expectativas de que esta tarde apenas quatro jogadores continuem no páreo: o moço do Xerox, habilidoso no trato com a Batata; a moça que faz o café do 3o andar, que foi campeã de atividades envolvendo saquinhos de arroz nas Olimpíadas de Seul; a pequena Boo, que é café-com-leite; e o avô Orestes, que nunca ouve o "Batata-Quente, Queimou!" e freqüentemente acaba se safando. Na verdade ele não sabe lá muito bem o que faz, mas sempre passa com muita responsabilidade a batata que lhe cabe. A sra. Avari declara, também, que a Roda de Batata-Quente seguirá ad infinitum, mas deverá ser instituído no Núcleo um grupo de estudos do Uga Clássico, atividade violenta proibida pela Secretaria da Segurança Pública. A secretária de Redação, Chachee, a Foca, conseguiu curar-se do ataque de riso e passa férias na Juréia, a trabalho. No encarte desta semana, "Batata-Quente: Entenda o que é e de onde surgiu", numa série especial que segue o fascículo da semana passada, "O Pretzel: implicações políticas e sociológicas do engasgo".

Que os srs. tenham um zine cheio de harmonia e bem-aventurança, enquanto o tédio permanecer.

"A Redação"


:: DE QUE SERVE A BONDADE ::
por Bertolt Brecht

1
De que serve a bondade
Se os bons são imediatamente liquidados, ou são liquidados
Aqueles para os quais eles são bons?
De que serve a liberdade
Se os livres têm que viver entre os não-livres?
De que serve a razão
Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necessitam?

2
Em vez de serem apenas bons, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
Ou melhor: que a torne supérflua!
Em vez de serem apenas livres, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!
Em vez de serem apenas razoáveis, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio.


:: AS ILUSÕES PERDIDAS ::
por Honoré de Balzac

Todos os jornais serão, dentro de algum tempo, covardes, hipócritas, infames, mentirosos, assassinos. Matarão as idéias, os sistemas, os homens, e, por isso mesmo, hão de tornar-se florescentes.

:: A VACA PAISAGISTA ::
por Jorge Timossi

Existem muitos tipos de vacas, como bem sabe um escritor como Augusto, mas para mim a melhor é a extraordinária vaca paisagista, a que se situa, com os cascos bem plantados, no ponto mais alto de uma colina, e dali, de sua atalaia, olha para o extenso e profundo vale com os olhos úmidos e estáticos, hipnotizados pelo panorama que, por sua vez, neles se reflete, na íris docemente sépia, sem mover-se para nada, nem para espantar uma mosca, e não é que se trate de uma vaca filosófica, como as da Índia, orgulhosas de sua casta, de passo às vezes irritado, que parecem estar sempre ruminando dinastias e mágicas fórmulas em sânscrito, não, simplesmente se trata de uma vaca latino-americana, quase sempre castanha, entre outros sinais, apaixonada até a medula por sua paisagem, por esse vale espalhado lá embaixo, por essa eterna promessa de pastos, uma vaca que não é pensativa nem tampouco dá leite (porque algumas têm muita teta e pouca imaginação) nem se perturba com o trepidar dos trens de carga, ou as pedras que lhe atiram os turistas, uma vaca paisagista
ela mesma elemento inelutável do panorama, que sequer pestanejaria se sofresse um aguaceiro torrencial sobre seu pêlo castanho e continuaria olhando através da cortina de água, à espera talvez do arco-íris que se estenderá como uma ponte de um extremo a outro do vale e os olhos desta vaca serão agora furta-cor, quer dizer que nada nem ninguém poderá tirá-la de sua atitude contemplativa, de sua visão que poderíamos qualificar de feliz, se isto fosse possível para uma visão de vaca, motivo pelo qual teria de aparecer algum insensato insensível que nunca falta por estas paragens e ter a idéia de empurrá-la empurrá-la
por seus quartos traseiros, por suas nádegas nobres e inocentes, para o precipício, para o despenhadeiro à morte certa, mas a vaca quase flutuaria no espaço azul (teria acabado de chover), iria descendo lenta para o vale, lã, algodão de vaca, com suas quatro patas bem abertas, deslizaria pelas nuvenzinhas até chegar à terra, não faria o mínimo esforço para tornar a subir, plácida, diluída entre as ervas cheirosas, incorporada para sempre às margaridas, à paisagem
que outra vaca idêntica à anterior, e tão descuidada quanto ela, já está observando do ponto mais alto da colina.


:: A AMÉRICA ::
Monteiro Lobato

Sinto-me encantado com a América. O país que eu sonhava. Eficiência. Galope. Futuro. Ninguém andando de costas.


:: ASSUMA SUA CASCA DE LARANJA ::
a Reader's Digest dá o tom, nós completamos as matérias. (Esperamos poder contratar o fazedor de títulos)

Para você, querida leitora esclarecida, apresentamos a seguir a coleção outono-inferno da Oedipus Fashion, vestida com graciosidade por nossas modelos simpáticas (demais) da agência Fnord. Na ilustração 1, a gaúcha Alíquota Cristiane desfila com seu item áspero de saia e blusa feitas com genuínas cascas de laranja. No destaque 1-A, repare nas bochechas grampeadas da doce Alíquota, a Miss Hortifrutigranjeiros 2002. Não deixem de elogiar a personalidade marcante do estilista, ao manter o talo da fruta próximo à testa da adorável modelo, que sorri asfixiada com tanta beleza natural. O close 1-B mostra a gaúcha já meio roxinha, saindo da passarela. Na ilustração número 2, a jovem Giordana saltita no palco, ao som da sugestiva "Heaven Knows I´m Miserable Now", vestindo uma túnica de laranja feita pelos índios do Tadjiquistão, apesar de lá não existirem índios, mas a leitora não está interessada, tire isto da edição final. Pombas. A foto 3 capta o momento em que Alíquota Cristiane, já vestida com um vestido-balão feito de gomos de mixirica e sumo de laranja, escorrega na própria cauda (do vestido, é claro) e alça vôo pela platéia ensandecida, que na figura 4 já masca gomos deliciosos de frutas tropicais. Na página seguinte, vemos a modelo gaúcha mastigando o próprio calcanhar, ou melhor, a tornozeleira de casca de catalupo que ornamenta seus alaranjados pezinhos. Encantadora! Encantadora!


:: ENCARAPITADO ::
Snoopy, citado por Pierre Bourdieu (dos circuitos de consagração social)

De que maneira ser modesto quando se é o melhor?

:: CORRESPONDÊNCIA ::
e-mails reais, bisonhos e suspeitíssimos, interceptados por uma inocente afta.

Se eu fosse um cumprimento educado, eu seria um grande e polpudo OI.
Está me acompanhando? Não mude de canal. Não agora.

Hoje eu fiz uma grande Nhaca de doce de leite e coloquei os pés dentro dela. Agora tenho dedos deliciosos e uma nuvem de vespas-zulu e mutucas caninanas em volta dos meus pés. O quanto isso preocupa você? [ ] Pouco [ ] Muito pouco [ ] Nada.

Decidi que vou ser mais saudável agora. Hoje mesmo comprei uma estante de livros e organizei-os em ordem de sabor. Os mais cítricos primeiro, seguidos dos mais agudos. Os pequeninos vêm depois, acompanhados dos pagãos e daqueles que não têm dinheiro para continuar participando de nossas atividades dominicais. Por último, os grudentos.

Então. Eu gostaria de saber por que eu tenho uma mãe que passa repetidas vezes pelo corredor carregando tampas de tupper pra sala e voltando com tachinhas Portobello. Isso tira toda a minha (já muito vaga) concentração, mas é melhor ignorar os barulhos de martelo e continuar escrevendo. Não olhar para os lados, não respirar, não olhar, não... droga.

A Esquila disse que "Baleias de Agosto" vai ganhar o Oscar. Eu digo que estou com sono e queria me transformar em um almofadão de tigre. Minha vizinha tem um almofadão de tigre. Quando a mãe da vizinha mandou-a queimar o Fofão, ela queria esconder o Fofão dentro do almofadão felino, e eu não deixei porque o almofadão ia virar um lince e comer o duodeno dela. Hoje ela está viva e com todos os dentes graças a mim. Gostaria de, igualmente, oferecer essa música a todos os que gostam de meias largas que não comprimam o dedo do pé. E aos portadores de deficiência ungueal, que tenham esperanças: um dia teremos garras e nossas unhas serão tesouras de duas lâminas para degolar o inimigo monoungueal (os que têm apenas uma unha por dedo).

Nesse dia todos cantaremos: "Judi tinha um lindo carneirinho".


:: DEPOIS DA TEMPESTADE ::
por Eugenio Montale

Depois da tempestade,
A horta de feijões
ficou desfeita e revolta.


:: POR ONDE VOCÊ COMEÇARIA? ::
por Sérgio Praça, srpraca@uol.com.br, tempos atrás

Se eu tivesse que cortar um cadáver, começaria pegando uma faca bem afiada.


:: OLHOS AMARELOS ::
sobre uma terrível tragédia

A mochila em cima do sofá, os tênis espalhados pela sala, uma meia na cozinha e a outra pelo caminho. Tinha 9 anos e duas diminutas tartarugas de aquário.

Na chegada da escola, uma estática bacia azul a surpreendeu no meio do quintal. A garota sente uma estranha movimentação em seus órgãos internos, um medo esquisito que a fazia lembrar do depoimento de um astronauta na TV, a dizer que "na ausência de gravidade os órgãos internos dançam dentro de você, parece aquela sensação de quando se está ansioso e com medo". Passos atrás dela. Antes de olhar para o conteúdo da bacia, fileiras de pensamentos incoerentes desfilavam em volta: escola - bicicleta - shampoo de camomila - cheiro de panqueca - piscina de bolinhas - sanduíche - tartaruga - sandália da mãe - dedos dos pés - tartaruga - tartaruga - tartaruga.

Boiava na bacia, com o pescoço recuado e os olhos fechados, batendo o casco nas bordas, poc poc, era insuportável. "Acho que ela está mal", sussurra a mãe, esperando a reação da filha. "Quer dizer... ela não se mexe desde ontem à noite".

Não quis encostar em lugar algum. Do outro lado do quintal, a outra pequena andava afoitamente, a desafiar a luz do sol com um par de olhinhos amarelos. Não parecia se importar com o corpo da amiga, que já se desfazia na água da bacia.

"Tira ela daqui", ordenou finalmente, se recusando a olhar de novo o cadáver e sem encarar a mãe.

Prestes a completar 10 anos, era uma mulher forte - foi o que pensou antes de entrar no quarto e se jogar no colchão.

Foi uma tarde oca cheia de soluços abafados, pescoços retraídos e uma vaga sensação de que a vida, afinal, não era repleta de aniversários e doce de leite, mas com astronautas demais e pouquíssimas tartarugas.

:: SOBRE PERTINÊNCIAS ABSURDAS ::
por Umberto Eco, definitivamente uma criatura divertida

Uma chave de fenda pode ser inserida numa cavidade e girada, e neste sentido poderia também ser usada para coçar o ouvido.


:: BIBLIOGRAFIA ::
Livros indicados para alunos de Jornalismo.

1o Ano
"Utopia", Thomas Morus
"As Grandes Esperanças", Charles Dickens
"Pollyanna", Eleanor H. Porter
"Candido ou O Otimismo", Voltaire
"O Silêncio dos Inocentes", Thomas Harris

2o Ano
"Tormenta", Sebastian Junger
"Um Pressentimento Funesto", Agatha Christie
"Horizonte Perdido", James Hilton
"Sem Destino", Lee Hill
"Cuca Fundida", Woody Allen
"O Idiota", Fiódor Dostoievski

3o Ano
"A Fogueira das Vaidades", Tom Wolfe
"Desespero", Stephen King
"As Ilusões Perdidas", Honoré de Balzac
"Não se mate", Carlos Drummond de Andrade
"Enquanto Agonizo", William Faulkner
"Morte a Crédito", Louis Ferdinand Céline

4o Ano
"Os Miseráveis", Victor Hugo
"A Náusea", Jean-Paul Sartre
"O Suicídio", Emile Durkheim


:: AS ENTRADINHAS ::
este trecho foi tão assustador que decidi transcrevê-lo aqui, pra compartilhar meu medo em estado bruto.

"Sugiro fazer uma entradinha nos fundos de 50 cm X 50 cm, para que eles possam apenas colocar a cabeça e entregar os materiais", disse você no email anterior. Sua sugestão foi aclamada pela alta cúpula e encomendamos tais entradinhas. Fizemos um total de quinze entradinhas de tamanhos variáveis e formas de circular a pentagonal, passando por formas de batata e monotrem. Hoje temos em nosso acervo uma coleção de 13 cabeças, 22 tufos de cabelo e algumas presilhas, devido a problemas de proporção do tamanho cabeça/entradinha e alguns tamanhos de crânio realmente extraordinários que entalam no local. Amassamos as moleiras de alguns bebês, também, e conseguimos uma decoração de graça para nossas paredes: um legitimo alce da Eritréia, que entalou na entradinha social da Redação. Estamos esperando as férias para contratarmos uma empresa de demolição e podermos tirar os sujeitos das entradinhas, ou então podemos vender as cabeças dos mesmos para experiências genéticas. Apertos de mão e amabilidades, Eu.


:: VOCÊ PERGUNTA, NÓS NÃO DAMOS A MÍNIMA ::
Questionamentos sadios de uma sociedade doente

??? Se o Pluto é um cachorro, o que diabos é o Pateta? (Marcelo Firpo, Porto Alegre)

- um cachorro geneticamente modificado;
- um cachorro de casta superior à do Pluto;
- um dromedário;
- uma hiena?;
- um ser humano como outro qualquer. As grandes orelhas, na verdade, são toucas chilenas;
- um animal preto ainda não catalogado por Aristóteles;
- uma girafa;
- na escala evolutiva, está entre um balanoglossus e um orangotango;
- um cachorro que descobriu o polegar opositor;
- me deixa em paz.


EXPEDIENTE

Este Zine é impessoal. Computadores-robô meticulosamente programados desenvolvem os textos, se emocionam, revisam e publicam a visão neutra e imparcial da coisa toda. O único responsável é a instituição "Da Redação".

 

... Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado (que vem logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido) - Stephanie A.

Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque (oinc!) estava na lista de indivíduos manquitolas da lista negra dos Illuminati. Ou então, ou então! Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis do mundo, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e Li-Ching-Yang. Caso não queira voltar a receber este monte de bobagens, mande um e-mail para vmbarbara@brfree.com.br, e escreva na linha de assunto: "Me deixem em paz, pelas barbas de Tutatis!". Se quiser que mais vítimas recebam o Zine, também escreva para esse e-mail mandando o endereço dos condenados e o número e senha de suas contas bancárias.

!!DAMN!! Zine - o zine das coisas que foram, das coisas que são o que são, das que não são o que não são e das que poderiam vir a ser o que não foram. Perfeito para forrar o chão de barracas fajutas e para embrulhar mortadela. Parceiro do tablóide norte-americano "O Sol da Meia Noite", mas não olhe pra trás porque tem um fauno fritando ervilhas nas suas omoplatas.

"Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que ri cuidado para que não babe".


God is coming.
Look busy.



2005 Vanessa Barbara