A Hortaliça

www.hortifruti.org

Por mil demônios!
Edição #016, de 5 de maio de 2002.
Para aqueles que nunca leram até o fim.
Não segure as portas do trem. Evite atrasos.

hortalica@gmail.com

 

"Harry passa seus dias dizendo coisas incríveis e suas noites fazendo coisas inverossímeis"
(Oscar Wilde)

 

RÁPIDA
Paulo Bonfim
 

Ao longe, uma chuva fina
molha aquilo que não fomos.


:: POEMA QUE ACONTECEU ::
por Carlos Drummond de Andrade, que já se mudou pra Praça Tito

Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.

A mão que escreve este poema
não sabe que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse.


:: O HOMEM QUE CONFUNDIU SUA MULHER COM UM CHAPÉU ::
por Vanessa B, ou algo do gênero.

- I -
O distinto rapaz lia, bastante sério, um livro enorme em grego que nem estava ao contrário. Usava óculos, orelhas, mochila e de vez em quando olhava pra frente, pensando em Nicômano-Retórica-Eurípedes ou, vejamos, no filé de frango que esperava comer dali a pouco.

- II -
Um garoto loiro encarava gulosamente uma caixa preta no chão, próxima ao aviso "Proibido Colocar Os Pés Em Cima da Caixa". Assim mesmo, tudo em maiúsculo, pra dar ainda mais vontade. Pois o pobre menino estava quase babando.

- III -
Um senhor cabisbaixo sorria com discrição enquanto falava mansamente, a mastigar uma mão na outra, tossindo entre as frases.

- IV -
A garota na bicicleta, com um cabelo mafáldico e voz abafada, esperava os carros passarem e fazia caretas. Não queria espirrar enquanto estivessem olhando.

- V -
Bruno é um garoto que entra em qualquer fila porque não gosta de estar sozinho, e sabe que em ônibus, aglomerações, esperas, falta de luz e tragédias as pessoas costumam olhar umas pras outras esperando irem embora ou aguardando um motivo para se encontrarem.

:: GUERRA CIVIL ::
por Hans Magnus Enzensberger

Enganamo-nos em acreditar que vivemos em paz só porque podemos ir à padaria sem que sejamos atingidos pelos disparos de um franco-atirador.


:: INTERVALO FILOSÓFICO ::
por Marcos, o Irmão

A filosofia é a ciência tal que, como tal, vê o mundo tal e qual.


:: GUERRA CIVIL ::
por Nanook o Esquimó, nanook@frio.com.br

... então imagine só que um dia desses, repentinamente, você resolva ir comprar brioches na Estrela do Guacá ou na Padaria do Peninha (dá na mesma) e seja atingido pela metralhadora de um hediondo frango-atirador. Terrível, hãm? O tipo de coisa que a gente vê no jornal e diz que nunca vai acontecer com a gente. Pois nunca se sabe quais são as estratégias que eles ("eles", mesmo) estão bolando para eliminar os inconvenientes (ver pg 162, "como exterminar espertinhos"), já que o mercúrio no suco não deu certo e aquela ratoeira gigante na entrada da escola, convenhamos, não convenceu ninguém.

Importante: antes de desmaiar, ferido, em cima do pacote de brioches, certifique-se de que não haja nenhum outro ser surrealista perto do frango, que o padeiro não esteja correndo de costas com uma sacola de objetos cirúrgicos ou que seu dedão do pé não esteja sendo mordiscado por algo ou alguém. Afinal, todo mundo sabe que "para toda Conspiração existe uma Conspiração igual e contrária", acontecendo ali mesmo, o que pode ser perigoso para quem está deitado de barriga pra cima no meio da rua, apoiado em um monte de brioches murchos de presunto e queijo.


:: CORRESPONDÊNCIA ::
e-mails reais, bisonhos e suspeitíssimos, interceptados por uma inocente pupa.

Vou contar de novo: eu comprei uma estante cor-de-rosa ontem. Estava andando na rua, mastigando fiapos de lã, e aconteceu aquela velha história: garota chuta pedras para passar o tempo, acerta um velhinho que vende churros, velhinho persegue moça, ela joga calda de caramelo fervente nos olhos dele, e pimba: eles se mudam pra Wyoming e compram uma concessionária de bananas-boat. Já vi isso milhares de vezes. Não vai acontecer de novo. Está começando a se tornar enfadonho, então comprei uma estante cor-de-rosa.

Acontece que o vendedor tinha má-fé e me deu uma estante de pessoas normais, então eu ando me esforçando para torná-la colorida. Substâncias grudentas não-identificáveis são aceitas nos cantinhos, pra dar uma coloração esverdeado-fosca na fórmica da estante. Ando também colando toda espécie de fiapos que encontro por aí, já que a minha intenção é camuflar minha estante para que ninguém possa vê-la, só eu. Aí pimba: as pessoas pedem um livro e eu tiro do meio do meu arbusto natural, um animado e fofinho Germinal pronto pra ser servido com batatas. Ou, sim, é uma boa idéia, eu posso transformar a estante em um Monstro de Fiapos Transtornado Assassino-Babão, Guardião do meu quarto. Já que não tenho um pegador de sonhos da Vaca pra me proteger, já que os meus amigos não me dão o bule de duas alças que eu tanto pedi de presente. Não, não pare ainda, continue lendo.

Parei pra descascar mixiricas e pensei com os meus botões. Antigamente eu usava um abridor de latas em forma de peixe para abrir as latas de molho de tomate. (Meu irmão gritou do quarto: "Extrato de Tomate!", e isso me assusta muito, mas vamos prosseguir como se nada tivesse acontecido e nenhum fruto tivesse sido evocado sem qualquer motivo, resultado da mente insana de um parente consangüíneo bisonho). Enfim. Eu abria as latas com um abridor cheio de rococós. Hoje há uma argolinha pra puxar com o dedo e as crianças não são mais felizes. A ponta do abridor era afiada, pontiaguda e mortal, eu gostava de brincar de parar a bolinha do olho com ela. Doía bastante. Minha mãe diz que não se fazem mais abridores como antigamente - eu digo que precisamos é de uma adaga moderna, pra cutucar os olhos dos outros.

Ei. Vou te contar uma historia. Finja que não perdeu o interesse (até te faço uma pulseirinha colorida, com os fiapos da estante, se você cruzar as pernas e escutar uma bonita história de fádulas). Sabe, eu vi um filme esses dias, na verdade não fui eu, mas preciso muito te contar isso, porque é uma história pra ser difundida, tipo aquela do garotinho que mentia que estava morrendo. Não olhe pra trás agora que há um hipopótamo cheirando a sua nuca. Sem pânico. Apenas continue ouvindo a história, e esqueça do hipopótamo. Então, era um filme comprido, e a mulher do filme falava que o namorado dela ria como um macaco, com a boca aberta ao máximo, sem fazer barulho. Aí um dia ele mergulhou, e quando subiu estava rindo desse jeito. Todo mundo riu. Ele afundou de novo, subiu, e riu. Todo mundo riu. Aí ele afundou e não voltou mais. Ele não estava rindo, ele estava engasgando. Moral: se você ri com a mesma cara que você engasga, mude seus hábitos.

Então. Estou escrevendo porque preciso de ajuda. Formalizei hj mesmo um pedido de almofadões aqui em casa, que constava de 1 (hum) carregamento de puffs bufantes e macios, de cor lilás, junto a almofadões com estampas variadas, e entreguei pras autoridades da casa. Junto a isso, tenho outro problema da plantação de mixiricas embaixo do meu colchão, que descobriram recentemente, mas não vou te dar muitos problemas pra resolver porque você é pequeno e atarefado. O seu problema é o do almofadão. Gostaria que você dissesse quantos metros cúbicos de ar deve ter um puff por dentro, para ser um legítimo e bufante puff, e onde posso comprar um almofadão higienizado e comestível, já que é um hábito na minha terra mascar pedaços de almofadão enquanto se entoa modinhas alemãs nas confraternizações dominicais. Que nem o Nanook Esquimó. Visto isso, sua ajuda será de muita valia e até deixo você preencher vários cupons de pasta de dente que eu peguei na rua pra distribuir entre os meus amigos e entes queridos, pra que todos fiquem felizes e não haja mais caras feias nem birras generalizadas.


:: ENCONTRADO DENTRO DE UM LIVRO ::
mantém-se anônima a identidade deste cidadão doente, que escreveu isso e colocou dentro de um Voltaire

A superfície da Terra não possui limite nem extremidade. Relatos de pessoas que chegaram ao fim do mundo são considerados absurdos.


:: O RAPAZ NO JARDIM ::
por René Schickele (em 1915), poeta expressionista alemão

Quero pousar minhas mãos nuas uma sobre a outra
e deixá-las afundar pesadamente,
como se fossem amantes, pois a noite cai.
Sinos de maio soam no crepúsculo
e brancos véus de odores baixam sobre nós,
que espreitamos juntos nossas flores.
Através do último brilho do dia reluzem tulipas,
os lilases gritam dos arbustos,
uma rosa clara dilui-se no chão...
Somos bons um para o outro.
Lá fora através da noite azul
escutamos o soar abafado das horas.

:: VOCÊ PERGUNTA, NÓS NÃO DAMOS A MÍNIMA ::
Questionamentos sadios de uma sociedade doente. Por Leon Eliachar, estrela dos sebos

??? Minha mulher costuma receber flores quase diariamente e sempre rasga o cartãozinho sem deixar eu ver de quem é e coloca as flores numa jarra com todo o carinho. O que faço? (Augusto - Magé).

Seja sensato: pior seria se ela rasgasse as flores e colocasse os cartõezinhos na jarra, com carinho.

??? Contratei um detetive pra seguir meu marido e comecei a seguir o detetive para ver se de fato ele seguia meu marido. Um dia encontrei o detetive batendo o maior papo com meu marido. Devo contratar outro detetive? (Mabel - Petrópolis)

O mais prudente é contratar outro marido.

??? Peguei um trem e só quando cheguei em casa foi que reparei que dentro da minha capa havia um homem. (Arnalda - Engenho de Dentro)

E o que foi que você fez: botou a capa no armário, com homem e tudo, ou guardou só a capa? Esse detalhe, embora não pareça, é muito importante para ajudá-la.

??? Depois que meu marido comprou um automóvel nunca mais saiu de casa. (Raquel - Salvador)

Você devia ficar feliz com isso. Pior se ele comprasse uma casa e nunca mais saísse do automóvel.

??? Todas as manhãs, quando abro o armário, meu terno marrom sai andando e pega o elevador. (Alcinó - Espírito Santo)

Por enquanto, não há perigo. Chato vai ser quando seu terno marrom sair e voltar azul.


EXPEDIENTE


Este Zine é impessoal. Computadores-robô meticulosamente programados desenvolvem os textos, se emocionam, revisam e publicam a visão neutra e imparcial da coisa toda. O único responsável é a instituição "Da Redação".

... Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado (que vem logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido) - Stephanie A.

Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque (oinc!) estava na lista de indivíduos manquitolas da lista negra dos Illuminati. Ou então, ou então! Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis do mundo, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e Li-Ching-Yang. Caso não queira voltar a receber este monte de bobagens, mande um e-mail para vmbarbara@brfree.com.br, e escreva na linha de assunto: "Me deixem em paz, pelas barbas de Tutatis!". Se quiser que mais vítimas recebam o Zine, também escreva para esse e-mail mandando o endereço dos condenados e o número e senha de suas contas bancárias.

!!DAMN!! Zine - o zine das coisas que foram, das coisas que são o que são, das que não são o que não são e das que poderiam vir a ser o que não foram. Perfeito para forrar o chão de barracas fajutas e para embrulhar mortadela. Parceiro do tablóide norte-americano "O Sol da Meia Noite", mas não olhe pra trás porque tem um fauno fritando ervilhas nas suas omoplatas.

"Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que ri cuidado para que não babe".


God is coming.
Look busy.



2005 Vanessa Barbara