Tem a história de um cara que foi condenado a setecentos anos (por aí) de prisão por ter roubado três ou quatro minhocas. Na verdade, acho que foram três caras que roubaram três minhocas, o que nem muda tanto a história. Imagino de quem seriam as bichinhas, talvez fossem de um escultor que as fez de argila e deviam valer fortunas no mercado negro de iscas gosmentas. É provável que o artista nem tivesse tido tanto trabalho assim: só pegou um bolo de massinha, esfregou no meio das mãos, fez dois furinhos com um graveto para simbolizar os olhos (talvez tenha até criado listrinhas), e pronto. Três milhões de dracmas, no leilão de arte helenística. Os larápios não sabiam, acharam bonito ou estavam com muita fome. Ou então era mesmo um criador de minhocas (ou um detetive delas, que cava buracos e tenta sugar a terra com um canudinho para tirá-las de lá) - nesse caso, o ladrão não teve trabalho nenhum de chocar um ovo, fazer a divisão da mórula em blástula em nêurula, inventar um canal estomacal e criar o vermezinho com um sopro divino, como o dono deve ter feito. Acho até que o proprietário deve gastar dinheiro com ração de terra podre, adubando as minhocas (?) para que botem logo seus ovos, se reproduzam por brotamento, sabe-se lá como nascem aquelas condenadas, de qualquer maneira ele deve cuidar das adultas com muito carinho. Malditos bandidos insensíveis. Ou elas estavam em um pote de tempero, não para serem usadas na sopa, mas para servirem de isca pra peixe, e talvez fossem "as minhocas mais rechonchudas do sul de Connecticut", quem sabe até fossem miss minhocas!, e os ladrões bandidos pegaram uma (cada um), colocaram no bolso e esperaram fazer cosquinha. Os jornais devem ter dito que os malfeitores as pegaram nas mãos e espremeram impiedosamente, só para poderem ouvir o sonhado *bloshpt* daquela massa oleosa se espatifando no contato com a pele. O mundo artístico chorava a perda das minhoquinhas, e clamava por vingança. Talvez fossem, ainda, minhocas de circo - quem sabe trigêmeas!, e fizessem apresentações no picadeiro sob a alcunha de "Judite, Inês e Olga, as Fantásticas Minhocas Mudas", com um salário de oitocentos dólares por dia e ração de cogumelo importado. Foi apenas um caso banal de seqüestro, então. Ou seriam minhocas sindicalistas, ou ainda minhocas matemáticas (que calculavam em três casas decimais), ou minhocas atletas, financiadas pelo governo. Nesse caso, elas apenas teriam saído com membros do comitê, da academia ou do COI, para dar conselhos ou relatar progressos. Podiam ser minhocas de cera, minhocas de colocar na porta ou minhocões geneticamente modificados, coadjuvantes de algum filme do Roger Corman. De qualquer jeito, os caras roubaram minhocas que não eram deles, nem da Fauna, da Mãe Natureza, da Diana ou do Discovery Channel, mas sim de alguém divinamente inspirado que as criou e tem um grande apreço por Suas Pequenidades. Devem ser condenados impiedosamente pois não tiveram qualquer motivo para roubá-las: a punição deve servir de exemplo para todos esses malfeitores que roubam, matam e adoecem sem qualquer razão (só para aparecer, imagino), como aqueles que invadem terrenos baldios, ou o cara que matou o chefe (nota: ele era da Comissão de Prevenção a Acidentes!), ou ainda os baderneiros que golpeiam máquinas industriais com baguetes de calabresa, esganam a filha loira do dono da mina de carvão, tossem no meio da ópera ou dormem no meu jardim, como se não tivessem mais o que fazer.
Se tivesses a desgraça de matar tua amante, eu te ajudaria a esconder o crime e poderia estimar-te ainda: mas se tornasses um espião, fugiria de ti com horror, porque serias vil e infame conscientemente. Eis, em duas palavras, o que é o jornalismo. A amizade perdoa o erro, o movimento irrefletido da paixão, mas deve ser implacável com quem premeditadamente vai traficar com a sua alma, o seu pensamento e o seu espírito.
:: A PREGUIÇA ::
:: TODOS :: Não sou nada. À parte isso,
:: LAURITA :: A Laurita é uma mulher amarga e filosófica, e tem suas razões. Ele se chamava Candiota e, semanas antes do casamento marcado, disse para Laurita que iria abandoná-la. - É outra? - perguntou Laurita,
soerguendo-se na cama. (Nota pessoal do autor: sempre gostei muito
de "soerguer-se", mas tive poucas chances de usá-lo.
Agradeço a oportunidade. Um abraço nos meus familiares.
Segue a história). Como não percebeu o O maiúsculo, Laurita pensou que o Candiota, logo o Candiota, um homem tão reto, fosse homossexual. Mas Candiota apressou-se a corrigir o engano. O Outro era o Senhor. - Fui chamado pelo Senhor. Deus o convocara para seu ministério e Candiota não podia ter qualquer distração na sua luta contra o Demônio, muito menos a Laurita, com seus mamilos tipo medalhão. Laurita não casou com o Candiota e com mais ninguém. Renunciou à sua missão, que era reproduzir tantos Candiotas quantos pudesse para ajudar o Brasil, em favor da missão do Candiota, de combater o Demônio em todas as suas manifestações. Anos depois, num baile de carnaval, Laurita julgou identificar o Candiota num grupo de homens fantasiados de legionários romanos que circulavam pelo salão com mulheres seminuas sentadas sobre os ombros. Não pôde ter certeza que era o Candiota porque ele era o único que segurava a mulher ao contrário e tinha a cara enterrada entre as suas coxas. Talvez não fosse o Candiota. Talvez fosse o Candiota e ele estivesse numa missão secreta para o Senhor, em território inimigo. Talvez fosse o Candiota e ele tivesse mentido para ela. Talvez fosse o Candiota e... O homem depositou a mulher que tinha sobre os ombros em cima de uma mesa, e Laurita viu que era o Candiota. Gritou para ele: - Candiota, e a sua luta contra o Demônio? E então Candiota virou-se, avistou Laurita, abriu os braços dramaticamente e respondeu: - Ele venceu! Foi depois disso que a Laurita ficou
assim, amarga e filosófica. :: PENSANDO EM NADA :: Tereza não se lembra da nossa brincadeira de limpar a cabeça para que o último pensamento na hora da morte não seja o lixo que acumulamos. É claro que eu me lembrava da nossa brincadeira. Tinha horror de morrer lembrando uma bobagem, como o coletivo de borboleta. Eu fechava os olhos e dizia, querida, estou morrendo, e forçava o meu pensamento a lembrar de um trecho de Mozart, um gesto do corpo.
:: SONHOS :: - Bom dia. Qual o nome desse povoado?
:: E, AINDA POR CIMA, GIGANTE!
:: (...) Há bastante tempo não aparece um filme realmente difícil de entender. Penso naqueles de arte que passavam no Cine Bijou aí por 1970. O espectador tropeçava em símbolos. Às vezes, a história corria normalmente até aparecer um frango gigante, com quem o protagonista (era o protagonista?) começava a dançar.
:: TU NÃO TE MOVES DE
TI :: Pra onde vão os trens meu pai? Para Mahal, Tami, para Camiri, espaços no mapa, e depois o pai ria: também para lugar algum meu filho, tu podes ir e ainda que se mova o trem tu não te moves de ti.
:: O PÚCARO BÚLGARO
:: Nada tinha como nada tem o autor, evidentemente, contra nenhum búlgaro em carne e osso, desde que ele se dispusesse a exibir a sua carne e os seus ossos a quem os quisesse ver, como terá que fatalmente exibi-los no Dia do Juízo. Nada tem igualmente contra os púcaros na sua simples condição de púcaros, uma vez que não se metam a búlgaros e saiam para a praça pública a gritar – SOU UM PÚCARO BÚLGARO, SOU UM PÚCARO BÚLGARO – sem que se possa examiná-los de perto e mesmo tocá-los com os dedos, como acontece nos museus. Nos dicionários eles lá estão, um e outro, com os seus verbetes – mas isso é fácil, Deus também lá está: queria é vê-los o autor aqui fora, resplandecentes de luz solar e não de luz elétrica ou gás neón, e sem os canhões de Tio Sam para lhes garantir a pucaricidade ou a bulgaricidade. O autor tentou honestamente imaginar-se um púcaro ou um búlgaro e não conseguiu, e ainda menos um púcaro búlgaro ou um búlgaro com púcaros na mão, na cabeça ou debaixo das axilas. Imaginou-se sem dificuldade um cavalo ou um guarda-chuva, e até mesmo um cavalo com um guarda-chuva – chegando ao extremo de imaginar-se um dia o próprio Museu Histórico e Geográfico de Filadélfia, mas sem púcaro búlgaro dentro. Essa experiência, também ela, lhe foi decisiva.
:: SABEDORIA :: Como protesto ao que está acontecendo
no mundo, portanto, renuncio ao sentido. (sugiro que leiam a crônica inteira. Senão não vai fazer sentido, mesmo)
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??? Você já
me fez chorar? sim
Este Zine é impessoal. Computadores meticulosamente programados desenvolvem os textos, se emocionam, revisam e publicam a visão neutra e imparcial da coisa toda. O único responsável é a instituição "Da Redação".
Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque (oinc!) estava na lista de indivíduos manquitolas da lista negra dos Illuminati. Ou então, ou então! Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis do mundo, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e Li-Ching-Yang. Caso não queira voltar a receber este monte de bobagens, mande um e-mail para vmbarbara@brfree.com.br, e escreva na linha de assunto: "Me deixem em paz, pelas barbas de Tutatis!". Se quiser que mais vítimas recebam o Zine, também escreva para esse e-mail mandando o endereço dos condenados e o número e senha de suas contas bancárias. Se quiser usar cartão de crédito, basta fornecer o número. !!DAMN!! Zine - o zine das coisas que foram, das coisas que são o que são, das que não são o que não são e das que poderiam vir a ser o que não foram. Perfeito para forrar o chão de barracas fajutas e para embrulhar mortadela. Parceiro do tablóide norte-americano "O Sol da Meia Noite", mas não olhe pra trás porque tem um fauno fritando ervilhas nas suas omoplatas. "Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que ri cuidado para que não babe".
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2005
Vanessa Barbara |