Os acadêmicos tiveram que se curvar, dessa vez. Pois a lenda prova, empírica e divertidamente, que a moeda não é mais unanimidade nas trocas de mercadoria: a história começa com uma mulher estranha que usava sapatos vermelhos. Era tarde quando ela espiou aqui em casa pedindo sacos plásticos de supermercado. Esvaziei uma caixa deles, de várias cores e tamanhos, texturas, formatos e entreguei. Faltou pouco pra ser aquelas trocas indígenas em que as pessoas ganham com a mão direita e doam com a esquerda: recebi em troca de uma dúzia de sacos plásticos uma caixa enorme com 16 pães-de-mel. Dezesseis. Fantástico. Tinha até confeito colorido em cima, dava pra chorar de contentamento. Por via das dúvidas, fiz uma oração qualquer à divindade achocolatada e deixei umas migalhas no quintal, para o deus da Pomba. Gostaria de saber o que eu ganharia em troca se oferecesse à pessoa um saco de batatas, uma mochila indiana ou um engradado de isopor. Ela deve ter uma espécie de tabela pra mediar as trocas, sei lá. Deve avaliar o valor de algo pela cor, ou pelo número de fiapos, ou pelo gosto. Ela recebe os sacos plásticos e nhac! vai mastigando pra ver quanto vale. Enfim, este Zine #029 chegou a um estado tão degradante, mas tão degradante que só pode estar brincando. Isso porque acabamos deixando de lado a idéia da Edição Especial Alice, senão vocês iam ver só.

:: O GATO DE CHESHIRE ::
por Lewis Carroll (sim, a figura à esquerda é um sorriso)

- Gatinho de Cheshire – começou a dizer timidamente, sem ter certeza se ele gostaria de ser tratado assim: mas ele apenas abriu um pouco mais o sorriso. "Ótimo, parece que gostou", pensou ela, e prosseguiu: – Podia me dizer, por favor, qual é o caminho pra sair daqui?
- Isso depende muito do lugar para onde você quer ir – disse o Gato.
- Não me importa muito onde... – disse Alice.
- Nesse caso não importa por onde você vá – disse o Gato.
- ... contanto que eu chegue a algum lugar – acrescentou Alice como explicação.
- É claro que isso acontecerá – disse o Gato – desde que você ande durante algum tempo.

:: TRISTEZA DEL CRONOPIO ::
J. Cortázar - sim, existe a obra completa enorme em dois volumes

A la salida del Luna Park un cronopio advierte
que su reloj atrasa, que su reloj atrasa, que su reloj.
Tristeza del cronopio frente a una multitud de famas
que remonta Corrientes a las once y veinte
y él, objeto verde y húmedo, marcha a las once y cuarto.
Meditación del cronopio: "Es tarde, pero menos tarde para mí que para los famas,
para los famas es cinco minutos más tarde,
llegarán a sus casas más tarde,
se acostarán más tarde.
Yo tengo un reloj con menos vida, con menos casa y menos acostarme,
yo soy un cronopio desdichado y húmedo".
Mientras toma café en el Richmond de Florida,
moja el cronopio una tostada con sus lágrimasnaturales.

:: PARA RESPONDER AO GARÇOM ::
de Trainspotting

pessoa A: O senhor talvez gostaria de começar com pães de cebola, como entrada?
pessoa B: Não, obrigada. Gostaria de ir direto para as drogas pesadas, por favor.


:: UMA DIDÁTICA DA INVENÇÃO ::
por Manuel de Barros, no Livro das Ignorãnças

"As coisas que não existem são mais bonitas"

Felisdônio
I
Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre 2 lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
etc.
etc.
etc.
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.

:: SENTIDO PRÁTICO ::
por Daniil Kharms, colaboração (sempre) involuntária do mojo

Me interesso apenas pelo nonsense, por aquilo que não tem nenhum sentido prático.
Me interesso pela vida apenas em suas manifestações absurdas.

:: DICIONÁRIO DAS IDÉIAS FEITAS ::
por Gustave Flaubert, em Bouvard e Péchuchet

Alemães -- Povo de sonhadores (velhos).
Arquitetos -- Todos imbecis. -- Esquecem sempre a escadaria das casas.
Ave -- Desejar ser uma ave e dizer, suspirando, "Asas! Asas!" demonstra alma poética.
Bocejo -- É preciso dizer: "Perdão, não é do fastio, é do estômago".
Barba -- Sinal de força. -- Muita barba faz cair os cabelos. -- Útil para proteger as gravatas.
Baiadeiras -- Todas as mulheres do Oriente são baiadeiras. -- Essa palavra leva muito longe a imaginação.
Bretões -- Todos muito boas pessoas, mas cabeçudos.

:: NA FATALIDADE DAS COISAS ESQUISITAS ::
coisas para se observar quando se encontra coisas esquisitas no bagageiro do carro

(de "Snatch, Porcos e Diamantes")

pessoa A: O que tem aí atrás?
pessoa B: (pensando) Tem um monte dessa erva fedorenta... uma pá de dinheiro... e um guarda de trânsito.
pessoa A: Quê?
pessoa B: Nossa, temos um guarda de trânsito!
pessoa C: Ele ainda está vivo. Tem sangue saindo de algum lugar.
pessoa A: Pra quê o guarda de trânsito?
pessoa B: Sei lá! Nós não precisamos de um guarda de trânsito!

:: O SORRISO ::
por Lewis Carrol

- Gostaria que você não aparecesse ou sumisse tão de repente. Deixa qualquer um tonto.
- Está bem – concordou o Gato. – E dessa vez desapareceu bem devagarinho, começando com a ponta da cauda e terminando com o sorriso, que ainda ficou suspenso no ar algum tempo depois que o corpo tinha desaparecido.

"Está aí" – pensou Alice – "já vi muitos gatos sem sorriso. Mas sorriso sem gato! É a coisa mais curiosa que já vi na minha vida."

:: UM CIENTISTA QUE CATA PULGAS ::
A Reader´s Digest dá o tom, nós completamos as matérias.

Hoje não teremos matéria da Reader's Digest porque gastamos todo o tempo disponível para procurar a ilustração de uma pulga. Que você pode ver ao lado, com mto orgulho do staff e dos lençóis da Redação.

:: AUTO-RETRATO ::
Mario Quintana...

No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...
e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!

 

:: DICIONÁRIO DAS IDÉIAS FEITAS - II ::
por Gustave Flaubert, em Bouvard e Péchuchet

Café -- Aguça o espírito. -- Só é bom quando vem do Havre. -- Num grande jantar, deve-se tomá-lo de pé. -- Bebê-lo sem açúcar é muito chique, pois dá uma aparência de haver vivido no Oriente.
Clássicos -- Deve-se fingir conhecê-los.
Chulé -- Sinal de saúde.
Crianças -- Fingir por elas uma ternura lírica, quando há pessoas por perto.
Cabana -- Substantivo enternecedor. -- Excelente em poesia.
Caça -- Excelente exercício que se deve fingir que se adora. -- Faz parte da pompa dos soberanos.
Corpo -- Se nós soubéssemos como é feito o nosso corpo, não ousaríamos fazer o menor movimento.
Cujas -- Inseparável de Bartholde; não se sabe o que foi que eles escreveram, mas não importa. -- Dizer a todo estudante de direito: "Você está fechado em Cujas e Bartholde".

:: CARTAS À REDAÇÃO ::
pelo Zé.

"Eu acabei de chegar em casa, e recebi a nova edição do DamnZine, e queria corrigir um pequeno detalhe: Não é George Constanza, e sim Costanza.

Pode não parecer nada, mas um personagem como esse deve ser respeitado, pois, caso contrário, algo como um adorável Stitch viria até o quarto das pessoas e construiria uma pequena cidade no pequeno espaço entre a cama e o armário e, assim que o feito terminasse, ele lhe puxaria pela perna para chamar-lhe a atenção e, como um adorável Godzilla azul, destruiria tudo o que estivesse ao seu redor. Em seguida, pularia no seu colo, lamberia seu rosto, abanando seu rabinho e adormeceria, como um anjinho.

Quando você acordasse, no dia seguinte, estaria pendurado num casulo preso ao teto da casa, juntamente com todos os que moram com você, e uma grande e gorda papoula estaria logo abaixo, quase fora do seu campo de visão, conversando com alguém cuja voz você conhece, mas não consegue associar a ninguém em específico. Essa voz fala de coisas como material necessário para construir a máquina e como seu corpo poderá ser usado como munição ou combustível - a escolha será baseada na cor de seus olhos combinada com sua habilidade em escrever com os pés (duas unhas não contam). A única coisa que lhe vem a cabeça é que resistir é inútil, e nada do que você possa fazer poderia surtir algum efeito.

Você não poderia se debater, pos a papoula e o ser poderiam notar sua presença. O que você faz? O QUE VOCÊ FAZ??????

Então, se vc souber a resposta, por favor, mande um e-mail para mim. Ou peça prá alguém vir ver pq ninguém aqui de casa consegue abrir a porta! Que inferno! Será que ninguém sabe que eu moro aqui? Nem mesmo os cobradores estão vindo mais aqui! O que se passa no mundo lá fora? Quanto tempo dormi? Cadê o sol? Pq diabos tem pilhas tipo Alcalinas C logo abaixo dos meus ouvidos?"


:: HOMEM DE VISÃO ::
tirado da Uol, um dia desses

Situação do país não é das melhores, diz FHC


:: ÚLTIMA OBSERVAÇÃO, CASUAL ::
importante para o bom andamento do Zine

Semana passada descobri a brilhante expressão "non-tedious". Agradeço aos meus familiares pela oportunidade.

 

:: CORRESPONDÊNCIA ::
e-mails reais, bisonhos e suspeitíssimos, interceptados por um inocente nenúfar.

Sabe

O problema é que nossos emails dão voltas e voltas concêntricas numa velocidade incrível e as idéias não se encontram jamais. Logo, nunca poderá ser caracterizado como comunicação, diria alguém muito repetitivo com uma apostila na mão. Na verdade eu envio emails pra mim mesma e eles vão pra você por simples preferência do destino, você responde com certa paciência mas minhas réplicas nunca fazem o menor sentido. É curioso. Um dia tudo terá nexo, talvez passando mais alguns meses no adestradamento de focas eu me discipline e comece a ser ligeiramente coerente.

Mas enfim, se você desenha, cozinha e discursa podemos conversar em termos mais práticos.

*pensando*

GIBIS, nós podemos fazer gibis. Ou charges. Ou desenhos rupestres. Ou você podia apenas caçar para comer, e, depois de colocar o bicho na panela, tacar tempero e fazer os demais rituais culinários, podia me dar um teco e ninguém ia precisar se esforçar, acordar cedo, fazer carteira de trabalho e todas essas coisas desagradáveis.

Ok, má idéia. Parece q a minha dengue (que está passando, obrigada) vem prejudicando o cérebro nos últimos dias, motivo pelo qual venho passando minhas tardes girando em torno do meu próprio eixo e confeccionando asas de penas de pato para um dia poder batê-las e rumar ao infinito e além.

Agora devo ir. Não posso fugir ao meu destino histórico.

:: VOCÊ PERGUNTA, NÓS NÃO DAMOS A MÍNIMA ::
Questionamentos sadios de uma sociedade doente.

??? Deve-se usar agulha esterilizada para injeção letal em um condenado à morte? (P. Pino, SC)

Segundo o artigo "Das injeções", inserido em 1926 na seção de pena de morte da Constituição, o uso de agulhas esterilizadas é imprescindível. Elas evitam que o condenado morra por infecção ao invés da morte pela execução da pena, o que acarretaria em assassinato. Logo, quem aplicou a injeção seria condenado à pena de morte por assassinato e a pessoa que lhe aplicasse a injeção também seria condenado à pena de morte e assim sucessivamente, numa enorme bola de neve que em pouco tempo levaria o sistema jurídico à falência. (por Alisson Villa, o sábio)

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