Certa manhã de inverno,
uma formiguinha saiu para o seu trabalho diário. Já
ia muito longe à procura de alimento quando um floco de neve
caiu (plic!), e prendeu o seu pezinho.
Aflita, vendo que não podia se livrar
da neve, iria, sim, morrer de fome de frio, voltou-se para o Sol e
disse:
- Ó Sol. Tu que és tão
forte, derrete a neve que prende o meu pezinho.
E o Sol, indiferente nas alturas, falou:
- Mais forte do que eu é o muro
que me tapa.
Olhando, então, para o muro, a formiguinha pediu:
- Ó, Muro. Tu que és
tão forte, que tapas o Sol, que derrete a neve, desprende meu
pezinho.
E o Muro, que nada vê e muito pouco fala (?), respondeu apenas:
- Mais forte do que eu é o rrrato
que me rrrói.
Voltando-se, então, para um ratinho que passava apressado (música
de coisas fofinhas), a formiguinha suplicou:
- Ó Rato, tu que és tão
forte, que róis o muro, que tapa o sol que derrete a neve,
desprende meu pezinho.
Mas o Rato, que também ia fugindo do frio, gritou de longe:
- Mais forte do que eu é o gato
que me come!
Já cansada, a formiguinha pediu ao Gato:
- Ó Gato, tu que és tão
forte, que come o rato que rói o muro, que tapa o sol que derrete
a neve, desprende meu pezinho...
E o Gato, sempre preguiçoso, disse, bocejando:
- Mais forte do que eu é o Cão
que me persegue.
Aflita e chorosa, a formiguinha pediu ao cão:
- Ó Cão, tu que és
tão forte, que persegues o gato, que come o rato que rói
o muro, que tapa o sol que derrete a neve, desprende meu pezinho.
E o cão, que ia correndo atrás de uma Raposa, respondeu,
sem parar:
- Mais forte do que eu é o Homem
que me bate.
Já quase sem forças, sentindo o coração
gelado de frio, a formiguinha implorou ao homem:
- Ó Homem, tu que és
tão forte, que bates no cão que persegue o gato que
come o rato que rói o muro, que tapa o sol que derrete a neve,
desprende meu pezinho.
E o Homem, sempre preocupado com o seu trabalho, respondeu apenas:
- Mais forte do que eu é a Morte
que me mata.
Trêmula de medo, olhando para a Morte que se aproximava, a pobre
formiguinha suplicou:
- Ó Morte, tu que és tão forte, que matas o homem,
que bate no cão que persegue o gato que come o rato que rói
o muro, que tapa o sol que derrete a neve, desprende meu pezinho.
E a Morte, impassível, respondeu:
- Mais forte do que eu é Deus,
que me governa.
Quase morrendo, então a formiguinha rezou baixinho:
- Meu Deus, tu que és tão
forte, que governas a morte, que mata o homem que bate no cão
que persegue o gato que come o rato que rói o muro, que tapa
o sol que derrete a neve, desprende meu pezinho.
E Deus, então, que ouve todas as preces, sorriu, estendeu a
mão por cima das montanhas e disse:
(som de coisas terríveis, eco,
voz aterrorizante)
- Deixa de ser besta e levanta a pata...
:: OLHOS PARADOS ::
por Manoel de Barros
"...E agora estava ali, muito
perdidamente lembrando coisas bobas de sua pequena vida"
:: O PASSAGEIRO ::
por F. Kafka, em "A Contemplação"
Estou em pé na plataforma do
bonde elétrico e totalmente inseguro em relação
à minha posição neste mundo, nesta cidade, na
minha família. Nem de passagem eu seria capaz de apontar as
reivindicações que poderia fazer, com direito, na direção
que fosse. Não posso de modo algum sustentar que estou nesta
plataforma, que me seguro nesta alça, que me deixo transportar
por esse bonde, que as pessoas se desviam dele ou andam calmamente
ou param diante das vitrines. É claro que ninguém exige
disso de mim, mas dá no mesmo.
O bonde se aproxima de uma parada,
uma jovem se coloca perto dos degraus pronta para descer. Aparece
tão nítida para mim que é como se eu a tivesse
apalpado. Está vestida de preto, as pregas da saia quase não
se movem, a blusa é justa e tem uma gola der renda branca fina,
ela mantém a mão esquerda espalmada na parede do bonde
e a sombrinha da mão direita se apóia no penúltimo
degrau mais alto. Seu rosto é moreno, o nariz levemente amassado
dos lados termina redondo e largo. Ela tem cabelos castanhos fartos
e pelinhos esvoaçando na têmpora direita. Sua orelha
pequena é bem ajustada, mas por estar próximo eu vejo
toda a parte de trás da concha direita e a sombra da base.
Naquela ocasião eu me perguntei:
como é que ela não está espantada consigo mesma,
conserva a boca fechada e não diz coisas desse tipo?
:: PIOR DAS OPÇÕES
::
citado pelo Felipe, do Quino
¿Por qué justo a mi
tenía que tocarme ser yo?
:: PIOR DAS OPÇÕES - 2 ::
São Policarpo
Meu Deus, em que tempo me fizestes
nascer!
:: PIOR DAS OPÇÕES - 3 ::
Osman Lins
Muito pior! Em que tempo e em que lugar me fizestes nascer!
:: NOÇÕES DE RUAS ::
por Manoel de Barros
As ruas inventam poetas que já nasceram tristes.
As ruas descobrem esses cachorros gentis puxando suas donas para debaixo
dos postes.
De um modo geral os cachorros são bonitinhos e as donas não
correspondem
O que é uma pena
Há ruas que engendram casas
Onde teus joelhos crescem
Como nuvens...
Outras agüentam anos inteiros no subúrbio
Com a mesma pobreza e honradez de um homem só como Jó.
Até que um dia chega um seresteiro, desonra uma colegial no
terreno baldio.
E a colegial é encontrada no capim, de borco,
Cheia de formiga nos olhos vidrados...
(...)
Essas doces ruínas mortas ou alamedas
Esquecidas em sua tranqüilidade de coisas anônimas, - cuidado
com elas!
São infestadas de lobos solitários...
:: POÇO DE MELADO ::
por Lewis Carroll
Alice não sabia muito bem o
que responder; serviu-se então de um pouco de chá e
torradas, e voltou-se para o Rato do Campo, repetindo sua pergunta:
- Por que elas viviam no fundo de um poço?
O Rato do Campo refletiu outra vez um ou dois minutos, antes de responder:
- Era um poço de melado.
- Isso não existe! – começou Alice a dizer com
raiva, mas foi interrompida pelos psst! psst! do Chapeleiro e da Lebre,
enquanto o Rato do Campo observava, amuado: - Se você não
consegue ser educada, então é melhor acabar a história
você mesma.
- Não, por favor, continue! - implorou Alice humildemente.
– Não interromperei mais. Vamos dizer que exista um poço
desses.
- Um, hein? – disse o Rato do Campo indignado. Mas concordou
em continuar: - E assim as três irmãzinhas... elas estavam
aprendendo a extrair, compreende?
- Extrair o quê? – perguntou Alice, esquecendo-se totalmente
da sua promessa.
- Melado – respondeu o Rato do Campo, desta vez sem pensar nada.
Preciso de uma xícara limpa – interrompeu o Chapeleiro.
– Avancemos todos um lugar.
Avançou um lugar enquanto falava, seguido pelo Rato do Campo;
a Lebre de Março deslocou-se para o lugar do Rato do Campo
e Alice, com muita má vontade, mudou-se para o lugar da Lebre.
O único a tirar qualquer vantagem da mudança foi o Chapeleiro,
e Alice ficou bem pior do que antes, pois a Lebre de Março
tinha acabado de derramar o jarro de leite no seu prato.
Sem querer ofender outra vez o Rato do Campo, Alice começou
a falar com grandes cautelas: - Mas, não estou entendendo.
De onde é que elas extraíam o melado?
- Você pode extrair água de um poço de água,
não pode? disse o Chapeleiro. – Supõe-se então
que se pode extrair melado de um poço de melado, hein, imbecil?
- Mas elas estavam no fundo do poço – disse Alice, dirigindo-se
ao Rato do Campo, como se não tivesse ouvido o comentário
final.
- Claro – disse o Leirão. – No fundo, elas estavam
bem dentro do poço.
A resposta confundiu de tal modo a pobre Alice, que durante algum
tempo deixou o Rato do Campo continuar a história sem interrompê-lo.
- Elas aprendiam a extrair – prosseguiu o Leirão, bocejando
e esfregando os olhos, pois começava a ficar sonolento –
e extraíam toda espécie de coisas... tudo que começava
com M...
- Por que com M? – perguntou Alice.
- E por que não? – disse a Lebre de Março.
:: LIBERTAD ::
frases célebres da Liberdade, amiga miúda da Mafalda
Comienza tu día con una sonrisa, verás lo divertido
que es ir por ahí desentonando con todo el mundo.
:: W.C. ::
extraído da sabedoria popular
Certa ocasião, uma família inglesa foi passar as férias
na Alemanha. No decorrer de um de seus passeios, os membros da referida
família notaram uma pequena casa de campo que lhes parecia
muito boa para ali passarem as próximas férias de verão.
O proprietário, um pastor protestante, mostrou-lhes a pequena
propriedade. Todos a acharam assaz agradável, e acabaram efetuando
o aluguel para a próxima temporada. Ao regressar a Inglaterra,
discutiram sobre os planos referentes à casa e alguém
acabou lembrando que não tinha visto o W.C.
Apressaram-se em escrever ao pastor, indagando sobre tal pormernor.
A carta foi assim escrita:
Gentil pastor:
Na qualidade de membro da familia inglesa que há pouco tempo
o visitou, com a finalidade de alugar uma propriedade para o próximo
verão, tendo em vista que esquecemo-nos de um detalhe, muito
lhe agradeceríamos se nos pudesse informar onde é que
se encontra o W.C.
O Pastor alemão não compreendeu o sentido da abreviatura
W.C. e, julgando tratar-se da capela da seita inglesa (White Chapel),
assim respondeu:
Gentil senhor:
Recebi sua carta e tenho o prazer de comunicar-lhe que o local a que
se referem fica a 3km da casa, o que é muito cômodo,
sobretudo para quem tem o hábito de ir lá com freqüência.
Nesse caso, é preferível levar comida e por lá
ficar o dia todo. Alguns vão a pé, outros vão
a cavalo e outros de bicicleta.
Há lugar para 400 pessoas sentadas e 100 em pé. O ar
é condicionado, para evitar inconvenientes de aglomeração.
Os assentos são de veludo. Recomenda-se chegar cedo para arrumar
um lugar sentado. As crianças sentam-se ao lado dos adultos
e todos cantam em côro.
Na entrada é fornecida uma folha de papel para cada pessoa,
mas se alguém chegar depois da distribuição poderá
usar a folha do vizinho ao lado. Tal folha deve ser devolvida na saída,
para ser usada durante o mês inteiro.
Existem amplificadores de som, tudo o que se recolhe é distribuído
entre as crianças pobres da região. Fotógrafos
habilitados tiram fotos para os jornais da cidade, de modo que todos
possam ver seus semelhantes no cumprimento desse dever humano.
Assinado,
O Pastor.
:: ORAÇÃO ::
por F. Kafka, citado por Modesto Carone
A observação do objeto é uma forma de oração.
:: DICIONÁRIO DAS IDÉIAS FEITAS ::
por Gustave Flaubert, em Bouvard e Péchuchet
Gendarmes -- Escudos da sociedade.
Glória -- Um pouco de fumaça, nada mais.
Gordo -- As pessoas gordas não precisam aprender a nadar.
Gozar -- Palavra obscena.
Hebreu -- Hebreu é tudo aquilo que não se entende.
Hipócrates -- Deve-se sempre citá-lo em latim, porque
ele escrevia em grego.
Hieróglifos -- Antiga linguagem dos egípcios, inventada
pelos sacerdotes para ocultar os seus segredos criminosos. -- E dizer
que há pessoas que os entendem! -- No fim das contas, talvez
seja uma pilhéria.
Horizontes -- Achar belos os da natureza e sombrios os da política.
Hipoteca -- Pedir a "reforma do regime hipotecário"
é muito chique.
Hérnia -- Todo mundo tem sem saber.
Homero -- Nunca existiu. -- Célebre pela sua maneira de rir:
um riso homérico.
:: POÇO DE MELADO - PARTE II::
por Lewis Carroll
O Rato do Campo tinha fechado os olhos,
a essa altura, e começara a cochilar; mas, ao ser beliscado
pelo Chapeleiro, deu um gritinho agudo e continuou: -... tudo que
começa com M, coisas como os maus-olhados, a meia-lua, a memória,
a magnitude... sabe? como quando se diz "um evento de tal magnitude"...
já imaginaram uma coisa como a extração da magnitude?
- Realmente, agora que você
está me perguntando – disse Alice, já muito confusa
– não sei bem dizer se...
- Então não devia dizer nada – disse o Chapeleiro.
Essa grosseria passava dos limites para Alice: levantou-se muito desgostosa
e foi se afastando dali. O Rato do Campo adormeceu imediatamente,
e nenhum dos outros dois prestou a mínima atenção
à sua saída, embora ela olhasse para trás umas
duas vezes, meio esperançosa de que eles a chamassem de volta:
a última vez que os viu, estavam tentando enfiar o Rato do
Campo dentro do bule de chá.
:: TRISTE NOTÍCIA ::
por Marina e Marcos
Nem só de notícias felizes
é feito o mundo.
É com grande tristeza que lhes envio essa péssima notícia:
Nesta madrugada aconteceu uma grande tragédia: Um caminhão
da Yakult capotou na BR-116, entre Caratinga e Vespasiano, e mais
de 16 bilhões de lactobacilos vivos... morreram.
Vamos fazer um minuto de silêncio em memória dos pobres
lactobacilos.
:: O MILAGRE DAS JARDINEIRAS
FLORIDAS ::
A Reader's Digest dá o tom, nós completamos as matérias.
Certo dia, numa pradaria distante,
um irlandês melancólico cultivava sua jardineira.
Dividia seu ínfimo espaço de terra em diversas camadas
de cores: o canto das margaridas, das rosas vermelhas, dos crisântemos
e das violetas, isso sem contar no espaço do girassol enorme,
que nascia sorridente na outra ponta. O irlandês não
entendia bolhufas de botânica e, portanto, não sabia
que tudo aquilo era impossível. Assim, continuou cultivando
suas pequenas daquele jeito mesmo.
Certo dia, os vizinhos bateram-lhe
à porta. A crise econômica tinha chegado à Irlanda,
mesmo isto aqui sendo uma fábula e as complicações
financeiras não atingirem tais mundos; todos estavam famintos
e apenas o moço possuía uma faixa de terra para trabalhar.
E cultivava flores. Dessa maneira, os vizinhos pediam, polidamente,
para que o irlandês arrancasse suas flores e começasse
a organizar uma pequena horta.
Tomado por um acesso de fúria
e paternalismo desenfreado, ele ficou possesso e teve medo que suas
flores ouvissem. Expulsou todos os cidadãos de sua casa e amaldiçoou
os antepassados deles, dos animais de estimação deles
e até de suas cômodas de cerejeira e armários
de mogno. Pôs-se a olhar suas queridas flores, com a barriga
vazia e o coração saltitante, dizendo-lhes palavras
doces e entoando canções antigas para que fossem dormir
em paz.
Então, no dia seguinte, ali
mesmo, nasceram dezenas de suculentas batatas. Era um milagre.
O irlandês colheu-as todas e
colocou-as numa grande cesta, para oferecer aos vizinhos e fazer as
pazes. Nesse mesmo instante, contudo, veio a impiedosa neve, prendeu
sua patinha e matou todas as flores. Sem pernas mas ainda vivo, apanhou
a cesta de batatas, mas dentro dela havia apenas dálias. Então
o irlandês (que não conhecia a oração da
Formiguinha) morreu ali mesmo, para desespero do editor da revista,
que terá que encontrar uma moral para esta história.
:: PIOR DAS OPÇÕES - 4 ::
Jorge Luis Borges
... Coube-lhe, como a todos, ruins tempos para viver.
:: CORRESPONDÊNCIA ::
e-mails reais, bisonhos e suspeitíssimos, interceptados por
um inocente nenúfar.
Olá.
Então é domingo de Páscoa. Aquele dia dos ovos,
das pessoas dentuças, de ir na casa da avó (todo ano
eles dizem: "pode ser a última Páscoa dela",
e isso desde que eu tinha 6 anos). Enfim, dia de colocar vestido e
laço na cabeça e fingir que somos pessoas divertidas
que gostam de comer peixe com batata. Pelo menos sempre há
os primos que ganharam uma bola novinha, ou que conseguiram uma mesa
de ping-pong, e isso costuma valer o dia. Costuma render aqueles momentos
em que a bolinha acerta a testa de algum parente, ele cai da cadeira,
o sobrinho chama a Emergência, a avó tem uma síncope
cardíaca (colocando um fim às suas Páscoas),
o cão começa a morder a orelha do desmaiado, a cunhada
grita, isso acorda o nené número 3, que engatinha e
cai da cama, justo em cima da travessa de bacalhau, machucando o olho
numa das espinhas, a mãe começa a chorar histericamente,
e as pessoas envolvidas apenas resgatam a bolinha e continuam a jogar,
com muita harmonia, para a derradeira paz e equilíbrio do mundo.
Era o que eu tinha a dizer, sobre este adorável feriado de
outono.
:: VOCÊ PERGUNTA, NÓS NÃO DAMOS A MÍNIMA
::
Questionamentos sadios de uma sociedade doente.
??? O que você faria se estivesse carregando um torrão
de açúcar e começasse a chover? (Alisson, BH)
Eu diria: "Ó Sol, tu que és tão forte..."