A Hortaliça

www.hortifruti.org

Trocadilhos tolos e conduta absurda
Edição #033, de 9 de setembro de 2002.
Apenas para os que vivem cercados de peixes
Tiragem: em cubos

hortalica@gmail.com
Você é um homem ou um abridor de lata?

 

"Entre uma bisnaga e uma luneta eu prefiro o Quintana"
(anônimo, em momento grave de surto)

 

O LABIRINTO
Jorge Luis Borges 

Este é o labirinto de Creta. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se perderam tantas gerações. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro, que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se perderam tantas gerações como Maria Kodama e eu nos perdemos. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro, que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se perderam tantas gerações como Maria Kodama e eu nos perdemos naquela manhã e continuamos perdidos no tempo, esse outro labirinto.


:: PIADA ::
por Stephanie A., malabarista e filósofa

Certo, minha vida é uma grande anedota: e ela sequer é engraçada.

 

:: PROTOCOLO VEGETAL ::
por Manoel de Barros

1. Trata do episódio que veio a possibilitar a descoberta de um caderno de poemas.
Prenderam na rua um homem que entrara na prática do limo.
Lista dos objetos apreendidos no armário gavetas buracos de parede, pela ordem: 3 bobinas enferrujadas 1 rolo de barbante 8 armações de guarda-chuva 1 boi de pau 1 lavadeira renga de zinco (escultura inacabada) 1 rosto de boneca - metade carbonizado - onde se achava pregado em caracol com a sua semente viva 3 correntes de latão 1 caixa de papelão contendo pregos ruelas zíperes e diversas cascas de cigarras estouradas no verão 1 caneco de beber água 1 boneco de pano de 50 centímetros de altura com inscrição nas costas "O FANTASMA DE OLHOS COSTURADOS" 2 senhoras da zona (esculturas em mangue) 29 folhas de caderno com escritos variados sob os títulos abaixo:

a) 29 escritos para conhecimento do chão através de S. Francisco de Assis
b) protocolo vegetal
c) retrato do artista quando coisa
d) a criatura sem o criador
e) você é um homem ou um abridor de lata?
mais os seguintes pertences de uso pessoa:
o pneu o pente
o chapéu a muleta
o relógio de pulso
a caneta o suspensório
o capote a bicicleta
o garfo a corda de enforcar
o livro maldito a máquina
o amuleto o bilboquê
o abridor de lata o escapulário
o anel o travesseiro
o sapo seco a bengala
o sabugo o botão
o menino tocador de urubu
o retrato da esposa na janela
e a tela.


:: P.S. DO NOME DA ROSA ::
por Umberto Eco

Escrevi um romance porque me deu vontade. Creio que seja uma razão suficiente para alguém pôr-se a narrar. O homem é um animal fabulador por natureza. Comecei a escrever em março de 1978, movido por uma idéia seminal: eu tinha vontade de envenenar um monge.


:: O ÚLTIMO BRAGANÇA E O PRIMEIRO SILVA ::
por Luis Fernando Verissimo, 30 janeiro 2002, O Estado de S. Paulo

O governo Éfe Agá acabou com a Era Vargas, na sua própria avaliação.
Se a Era Vargas já foi tarde ou se jogaram fora uma idéia aproveitável de soberania junto com ela, é assunto para 17 textos maiores do que este. Mas se Lula vencer as próximas eleições, o governo Éfe Agá também pode passar à História como o fim - pelo menos até ela ser restaurada, numa eleição futura - de outra era, muito maior do que a Era Vargas, já que tem a idade do Brasil: a Era Bragança.

Desde que a nossa independência do reinado de Portugal foi declarada pelo filho do rei de Portugal, que depois se declarou imperador na nação rebelde, vivemos essa era inédita no mundo, em que tudo num país, inclusive as suas revoluções, é feito por uma classe só.

A Era Bragança atravessou quase dois séculos de História com tanta persistência que sobreviveu até ao fim da dinastia que lhe deu o nome. Todos os presidentes da República brasileira foram herdeiros políticos dos Bragança, protótipos da grande esperteza brasileira de simular uma História para não ter que fazê-la. E é poeticamente justo, ou pelo menos simétrico, que a fase republicana da Era Bragança acabe como acabou a fase monárquica: com um bom homem no poder, um filósofo moderno e um cidadão do mundo, um Pedro II sem, esperemos, o exílio.

Éfe Agá era o melhor que a nossa oligarquia esclarecida podia produzir, sem ironia. Seu fracasso significa o esgotamento entre nós do ideal ciceroniano da casta iluminada, capaz de fazer o necessário para a maioria em vez do conveniente para poucos.

Nem Vargas nem qualquer outro pseudo ou pretenso populista na Presidência escapou do molde da era, ou teve tempo para tentar escapar. Todos eram da linhagem, mesmo que não quisessem. Ou soubessem.

Uma improvável vitória do Lula não significará, claro, a tomada do poder pela "classe perigosa", para finalmente se apossar da sua própria história.

Ele também dependerá de uma casta intelectual a seu lado e da boa vontade do patriciado, sem falar no Congresso e no "mercado", para poder governar. Mas será o primeiro presidente da nossa história a não ter "Bragança" implícito no nome. O primeiro Silva autêntico. Não é nada, não é nada, já é um pé na porta.

:: INSTRUÇÕES ::
contidas na embalagem do cartucho de tinta Epson

Atenção: Mantenha fora do alcance de crianças e não beba.


:: GÊNESE ::
para quem não se lembra, o zine começou com esta simplória notinha.

Quando a NASA iniciou o lançamento de astronautas, descobriram que as canetas não funcionariam com gravidade zero. Para resolver este problema, contrataram a Andersen Consulting (hoje Accenture). Empregaram uma década e 12 milhões de dólares desenvolvendo uma caneta que escrevesse com gravidade zero, ao contrário e de ponta cabeça, debaixo d'água, em praticamente qualquer superfície, incluindo cristal e em variacões de temperatura desde abaixo de 0 até mais de 300 Celsius...

Os russos utilizaram um lápis.

:: RECEITA DE MULHER ::
Millôr Fernandes

Os olhos sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto
A da terra. (Vinícius de Moraes)

O seu semblante, redondo
Sobrancelhas arqueadas
Negros e finos cabelos
Carnes de neve formadas. (Thomaz Antônio Gonzaga)

Simpáticas feições, cintura breve,
Graciosa postura, porte airoso,
Uma fita, uma flor entre os cabelos. (Gonçalves Dias)

Verde carne, tranças verdes. (Garcia Lorca)

Lábios rubros de encanto
Somente para o beijo. (Junqueira Freire)

A sua língua, pétala de chama. (Cândido Guerreiro)

Nos lobos das orelhas
Pingentes de prata. (Gonçalves Crespo)

Mão branca, mão macia, suave e cetinosa
Com unhas cor de aurora e luz do meio dia
Nas hastes cor-de-rosa. (Luiz Delfino)

Os braços frouxos, palpitante o seio. (Casimiro de Abreu)

O dorso aveludado, elétrico, felino
Porejando um vapor aromático e fino. (Castro Alves)

Seu corpo tenha a embriaguez dos vícios. (Cruz e Souza)

Com mil fragrâncias sutis
Fervendo em suas veias
Derramando no ar uma preguiça morna. (Teófilo Dias)

Nádegas é importantíssimo
Gravíssimo porém é o problema das saboneteiras
Uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. (Vinícius de Moraes)

As curvas juvenis
Frescas de ondulações de forma florescente
Imprimindo nas roupas um contorno eloqüente. (Álvares de Azevedo)

Qualquer coisa que venha de ânsias ainda incertas
Como uma ave que acorda e, inda mal acordada,
Move, numa tonteira, as asas entreabertas. (Amadeu Amaral)

De longe, como Mondrians
Em reproduções de revistas
Ela só mostre a indiferente
Perfeição da geometria. (João Cabral de M. Neto)

Que no verão seja assaltada por uma
Remota vontade de miar. (Rubem Braga)

A graça da raça espanhola
A chispa do Touro Miura
Tudo que um homem namora
Tudo que um homem procura. (Paulo Gomide)

E todo o conjunto deve exprimir a inquietação e espera. Espera, eu disse? Então vou indo, que senão, me atraso!

* Vinícius que me perdoe plagiá-lo. Mas beleza é fundamental. (M.F.)

:: POEMINHA ::
por Manuel Bandeira

Beijo pouco, falo menos
ainda.
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura
mais funda
E mais cotidiana.
Inventei, por exemplo, o
verbo
teadorar.
Intransitivo:
Te adoro, Teodora.

:: INCENTIVO À PESQUISA ::
no Pasquim de agosto de 1978

Os brasileiros foram os primeiros a doar, em massa, com vida e sem o saberem, seus corpos às ciências políticas, econômica e social.


:: DICIONÁRIO DAS IDÉIAS FEITAS ::
por Gustave Flaubert, em Bouvard e Péchuchet

Ideal -- Inteiramente inútil.
Imperialistas -- Todos gente honesta, pacífica, polida, distinta.
Ímpio -- Combatê-lo.
Importação -- Verme que rói o comércio.
Imaginação -- Sempre vivaz. -- Desconfiar dela. -- Depreciá-la nos outros.
Indolência -- Resultado dos países quentes.
Indústria -- (Vide Comércio).
Infinitesimal -- Não se sabe o que é, mas relaciona-se com a homeopatia.
Inatas (Idéias) -- Troçar delas.
Inovação -- Sempre perigosa.
Inscrição -- Toda inscrição é cuneiforme.
Introdução -- Palavra obscena.
Italianos -- Todos músicos e traidores.
Ingleses -- Todos ricos.
Inglesas -- Espantar-se de que tenham filhos lindos.


:: METAFÍSICA DO MACACO ::
por V., coitadinha

O gênero humano pode ser explicado através de um único ângulo: os adultos são crianças a quem lhes foi tirado o macaco. Sem metáforas evolucionistas. O que você faria se alguém olhasse pra você, te sentasse numa cadeirinha alta (com os pés balançando) e tirasse o seu macaco? São adultos os que ficam apenas olhando, placidamente, sem abrir o berreiro, dar pontapés no próximo ou babar na mesa. São adultos os que crescem, alcançam o chão e pedem, de maneira socialmente polida, por obséquio, poderia devolver-me o macaco?

Não? Tudo bem. Eu compreendo.

São adultos os que nem ligam mais pro macaco, pelo simples fato de serem pessoas crescidas. Claro que nessa categoria não se incluem as meninas miúdas ou os macacos - estes últimos são definidos apenas por serem das crianças, os coitados. Como os seres que a gente sempre define apenas como não-coisas: meninas nada mais são do que não-adultos, não-panquecas, não-aftas, não-parágrafos. Os macacos, nem isso.

Coitados.

:: TEORIA ::
Coletado pelo Marcos, num livro teórico sobre Natação

O melhor método de propulsão é nadar pra frente.


:: CORRESPONDÊNCIA ::
e-mails reais, bisonhos e suspeitíssimos, interceptados por um inocente nenúfar.

Andava na rua quando esbarrei com um enorme rolo de Plástico-Bolha, do meu tamanho, e só não abracei o Plástico e saí rolando com ele ladeira abaixo (ouvindo poc poc ploc) porque era meio imoral e também porque os transeuntes me impediram e dois tios de preto me injetaram algo no ombro, e desde então eu penso que meu nome é Hortolina e passo as tardes praticando hóquei no tapete. É o que eu tinha a dizer por hoje, mas não tente fazer isso na sua casa, só na dos outros.

Eu.


:: VOCÊ PERGUNTA, NÓS NÃO DAMOS A MÍNIMA ::
Questionamentos sadios de uma sociedade doente.

??? É verdade que nossas cabeças são feitas de chocolate? (Qualquer resposta possível deve terminar com uma sonora dentada, seguida por um "...estúpida."). Fim da piada interna.


EXPEDIENTE

Este Zine é impessoal, objetivo e imparcial. Computadores meticulosamente programados desenvolvem os textos, se emocionam, revisam e publicam a visão neutra e apolítica da coisa toda. O único responsável é a instituição "Da Redação".


... Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado (que vem logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido)
- Stephanie A.

## Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque (oinc!) estava na lista de indivíduos manquitolas da lista negra dos Illuminati. Ou então, ou então! Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis do mundo, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e Li-Ching-Yang. Caso não queira voltar a receber este monte de bobagens, mande um e-mail para vmbarbara@brfree.com.br, e escreva na linha de assunto: "Me deixem em paz, pelas barbas de Tutatis!". Se quiser que mais vítimas recebam o Zine, também escreva para esse e-mail mandando o endereço dos condenados e o número e senha de suas contas bancárias. Se quiser usar cartão de crédito, basta fornecer o número. ##

"Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que ri cuidado para que não babe".


God is coming.
Look busy.



2005 Vanessa Barbara