A Hortaliça

www.hortifruti.org

Trocadilhos tolos e conduta absurda
Edição #035, de 29 de setembro de 2002.
Edição comemorativa do aniversário do Verissimo (26/9)
Para aqueles que nunca dormem
hortalica@gmail.com

Vocês nos mandaram à colônia de férias. Eles nos fizeram cantar.

 

"Dormir, dormir, dormir, como se eu fosse apenas um passarinho"
(Campos de Carvalho)

 

EDITORIAL ou MEU REINO ENCANTADO
 

-- Ninguém nunca conseguiu provar nada contra ele. Falam, falam, mas ainda não provaram que ele rouba.

Estava sentado no banco da frente.

-- Por isso eu vou votar no Maluf. Sempre apoiei ele, desde mil novecentos e oitenta e dois.

Conversava com outro senhor grisalho; sua careca movia-se como se estivesse discursando no parlamento romano. Não estava. Apertou os olhos e mostrou um porta-documentos de plástico.

-- Vou votar nestes aqui: delegada Rose e o Nelo Rodolfo. Grandes pessoas. E simpáticos.

O companheiro ao lado fez menção de comentar alguma coisa, mas o homem prosseguiu:

-- Este documento aqui é da minha namorada. Fui ver a mulher ontem. Ela mora no Imirim, uma delas; a outra é de Cirade Tiradentes. Paula, o nome dela, moça muito bonita: tem olhos azuis.

Não faço idéia a qual das duas ele se refere.

-- Porque é paulistana da gema, por isso é que é boazinha, se bem que a outra é de Belém do Pará. Pelo menos não é baiana, nunca mais caso com baiana.

O homem já falava alto. O topo de sua cabeça se voltava para todos os pontos cardeais, como um pirocóptero. O senhor sentado na poltrona ao lado limitava-se a assentir.

-- Eu casei com uma baiana terrível. - o monólogo continua. - O nome dela era Felizarda. Ela controlava a minha vida, a mulher só queria o meu dinheiro. E olha: era feia...

Riu, obviamente sozinho. Àquela altura, a lotação inteira escutava ou fingia não escutar, com o olhar parado em algum ponto de sua careca. "A minha irmã se chama Dirce", prossegue, com o indicador suspenso no ar, como se estivesse dando uma lição de moral ao passageiro.

-- A Dirce, que é a minha irmã, dizia pra eu largar a Felizarda. E eu não largava. "Nilso", ela dizia, a minha irmã, não a Felizarda, "ninguém pode ficar mandando na sua vidinha, não". Mulher é uma peste, mulher nenhuma presta. Não é verdade? Todas elas.

Então ele tomou coragem e finalmente largou a Felizarda, no ano da graça de mil novecentos e noventa e cinco, como pudemos atestar, e desde então sua rotina era a mesma.

-- Vou chegar em casa, tomar meu banho da tarde, colocar bermuda e escutar música. A Dirce, que é a minha irmã, também gosta de sertanejo. Eu já fui no Raul Gil cantar a música do Daniel, "Meu reino encantado". É tão bonita. E amanhã eu vou ao Bingo.
Fazia tempo que ele não ia ao Bingo, segundo o que eu e as duas senhoras sentadas à frente do homem pudemos apurar. Não tinha sabonete para levar de prenda e nem pasta de dente, só que dessa vez prometeram que ele não precisava levar, caso não tivesse.

-- Foi a Rosinha que me disse, Rosinha é companheira minha, eu encontrei ela na estação do metrô. De vez em quando eu vou catar latinha de alumínio no Terminal, ontem consegui 2 reais e comprei um bife.

Só então percebeu que o homem ao lado estava de pé, tentando passar para o corredor. "Já vai descer?", perguntou, recebendo uma resposta afirmativa do homem, murmurante e de olhos baixos. Recomendou lembranças aos parentes.

No passageiro que descia, pairava um olhar vago de resignação - um tanto quanto pateta. Provavelmente ele compraria um porta-documentos igual, dentro de alguns dias. E iria aprender a letra de "Meu Reino Encantado". Sentada atrás do homem careca, eu tentava cutucar suas costas com a ponta de uma caneta. As senhoras voltaram a tricotar, o careca desceu. No dia seguinte, o monólogo foi o mesmo, e assim no outro, no outro e no outro.

:: ELES NOS FIZERAM CANTAR ::
a arte de ser contagioso

Autor: Você foi escolhida para interpretar a Pocahontas!
Vandinha: Não participarei disso. Sua obra é infantil e fraca. Você não tem senso de estrutura, personagem e unidade aristotélica.


:: POIS QUE PENSEM ::
por Campos de Carvalho

Quando se apagam as luzes é que eu me vingo espiando as estrelas, às vezes no meio de uma festa, em pleno comício, com a presença do presidente ou de sua fotografia: os tambores de repente surdos, aquele murmúrio de mar noturno, cada um querendo dizer o impossível, os fósforos acesos e as trevas, os fósforos e as trevas. Como são o que são assim no escuro! -- às vezes nem chegam ser, o prefeito e o poste, o poste e o prefeito, os cachorros latindo à lua, a voz do delegado vinda de além-túmulo, ninguém já se entende e sobretudo não se entende, teme-se pisar num buraco ou no vazio, são tão opacos que as estrelas já os alumiam: por um breve instante dão-se conta de que estão perdidos. Só o filho do coletor, em alguma parte, continua impávido e impassível, com a sua luz fosforecente no meio da testa, um passo à frente mesmo que haja esquinas ou oceanos, para isso tem suas asas e sabe que as tem, pouco lhe importa que lhe neguem o alvará da prefeitura ou do universo: -- tal como eu que lhe sigo as pegadas de longe, ainda trôpego mas fiel, mesmo parado e sem mover um dedo, ao lado do palanque mas por cima dele, com esta gargalhada que de tão grande só eu a ouço. -- Enquanto isso, nenhum deles se lembra de olhar as estrelas para distrair-se ou ver se se reconhece numa delas, afinal tudo é possível ou pode tornar-se possível por um instante, depende da coragem ou da vontade, mas não dessas que trazem no fundo do bolso para as ocasiões mais sem importância, como a guerra por exemplo ou a paz: -- preferem, porém, ficar nesta expectativa do que é mais certo e mais seguro, não tão certo nem tão seguro quanto lhes parece, mas isto é um problema deles não é meu, se as luzes foram feitas para ser acesas é bem possível que se acendam novamente, a experiência assim ensina e eles vivem da experiência: o Apocalipse não lhes diz nada, embora esteja na própria Bíblia e de modo a não admitir dúvidas, mas isso eles não sabem e deixam que só as crianças o aprendam, para depois esquecerem como eles e tudo começar de novo outra vez. Murgem, mugem, mugem, e enquanto estão mugindo não há perigo nenhum à vista: o pior será quando já não puderem mugir, as trevas por dentro e não apenas por fora. Assim pensam: pois que pensem.


:: CUBRA-SE DE LÊNDEAS ::
por Swammerdam, citado pelo Weber

Apresento-lhes, na anatomia de um piolho, a prova da providência divina.


:: O DIA EM QUE EDGAR MORIN FALOU PORTUGUÊS ::
...e ninguém ouviu porque estava dormindo, lendo gibi ou simplesmente pensando em outra coisa

por A. Deak, sobre 16/9

Quem diabos era aquele maldito francês? Edgar Morin, o nome não era estranho. Diziam que ele era bom, mas bom no quê? Sociologia, ciências sociais, jornalismo, mímica, cambalhotas ou algo assim. Quem se importa? Se ele era um "pensador francês", então devia ser bom, diabos. Além disso, o nome do seminário era bonito: "A falência das ideologias e as novas formas de política". Isso talvez explicasse porque o auditório da TV Gazeta estava lotado naquele dia – mesmo sem a presença do Sérgio Mallandro.

Por conta de um problema qualquer, o negócio atrasou. E não foi pouco. Quando todos já se mexiam na cadeira como se estivessem infestados de formigas, enquanto alguns riam alucinadamente esquecendo-se que estavam em público, o francês entrou. Aliás, um não. Vários.

A mesa era enorme. Sentaram-se seis ou sete pessoas, todos muito empostados. Morin, que era a presença mais importante, ruminava como um velho. Ao seu lado, de gravata borboleta, um francês começa a falar sem parar. Sem vírgulas. E não termina nunca, vai falando, ligando um pensamento complicado a outro muito mais, seguindo feliz por suas linhas do pensamento filosófico contemporâneo. Quando termina, já um pouco cansado, o tradutor, que também estava na mesa, simplesmente olha para ele e sorri. Seria humanamente impossível traduzir. Já seria impossível lembrar, aliás. A platéia ri – "saia dessa agora, maldito tradutor!", todos pensam. O homem estufa o peito e começa seu trabalho. Era engraçado: parecia ter saído de um filme do Fellini: gesticulava como um italiano, fazia caretas indescritíveis, suava como um doido varrido. Mas apesar do grande esforço, não conseguiu traduzir para o português.

- O fato de existir um valor transubstancialista só tem sentido dentro de uma perspectiva moralista, ou seja, a ética é um constante dever-ser.

Passados 20 minutos, os rostos no auditório apresentavam variações de uma mesma expressão: perplexidade. Não se podia compreender nada do que falavam. Seríamos todos tão idiotas? Não é possível, eu fiz faculdade! Céus, não dá para entender uma frase! Frases assim passeavam pelas cabeças visíveis a olho nu.

- Esse unicismo, teológico, essa teodisséia... O professor insiste que a política é a forma profana da religião.

Quarenta minutos de filosofia pura levou muitos na platéia ao delírio. Nesse exato instante, a maioria roía as unhas freneticamente ou franzia a testa tanto que se poderia segurar um lápis naquelas dobras de pele. Os mais fracos começaram a ir embora. Os franceses estavam vencendo.

- O professor disse que é preciso fugir das evidências, que na verdade se passam por evidências – mas que não são – para encontrar as verdadeiras evidências.

O de gravata borboleta termina sua parte. Ninguém sabe ao certo se ele terminou mesmo, pois sequer é possível compreender se o raciocínio dele acabou ou se vai falar mais. Sua expressão de bonachão, porém, não engana uma senhora da primeira fila, que começa a bater palma. Os outros seguem o movimento e o francês fica satisfeito, pensando que as pessoas compreenderam. Chega a vez de Edgar Morin. Suspense.

- Êo naum pôsso falá en poltuguês, polquê voili acin dizerrê.

Mesmo sem entender o final do que ele disse, a platéia volta a sorrir. E bate palmas. É o grande momento do seminário. Finalmente alguém faz um esforço para ser compreendido. Os franceses, afinal, não são tão intragáveis assim. Dá até vontade de dar um abraço no Morrã. Morrã, velho de guerra! Esse sim! Sabíamos que o velho era danado! Mostrou pra eles! É isso aí!

Passada a euforia, ele disserta sobre o mito do progresso, o individualismo na sociedade, democracia, contrato social e, finalmente, ideologia. Mas aí é tarde demais – só o faxineiro o observa, esperando ele terminar para poder apagar a luz.


:: PEQUENAS SUGESTÕES E RECEITAS DE ESPANTO ANTI-TÉDIO PARA SENHORES E DONAS DE CASA ::
por Hilda Hilst

I.
Pegue uma cenoura. Dê uns tapinhas para que ela fique mais rosadinha (porque essa que você pegou era uma pálida cenoura). Aí diga: cenoura, tu me lembras uma certa tarde, uma certa loira, quando meu nabo, num fiasco emurcheceu de vez. Se a tua mulher te encontrar na cozinha com a cenoura na mão dizendo essas coisas, diga apenas: que bonito é a cenoura, né bem?

II.
Pegue um nabo. Coloque duas ou três palavras dentro dele, por exemplo: bastão, ouro, amplidão. Chacoalhe. Você não vai ouvir ruído algum. É normal. Aí ajoelhe-se com o nabo na mão e diga:
Com o bastão que me foi dado
com o ouro que me foi tirado
e sem nenhuma amplidão
de conceitos e dados
quero renascer brasileiro e poeta.
Quem te ouvir vai ficar besta.

III.
Colha um pé de couve e dois repolhos. Embrulhe-os. Faça as malas e atravesse a fronteira. Tá na hora.

IV.
Pergunte ao seu filhinho se ele quer laranja descascada de tampinha ou de gomo. Se ele disse que quer laranja descascada de tampinha, diga que um menino bem educado sempre escolhe a de gomo. Se ele começar a chorar, chupe você a laranja. (De tampinha, naturalmente.)

V.
Colha duas amoras ou compre-as, dependendo se você mora no campo ou na cidade. Coloque uma em cada narina. Agora consiga de qualquer jeito um pé de alface de folhas bem durinhas. Se vier uma sensação de falta de ar, abra a boca e as pernas e abane-se com uma das folhas de alface. Não esqueça da pitada de sal. No alface, lógico.

VI.
Coloque duas alcachofras cruas dentro de uma vasilha com água fria. Fique ali esperando as folhas de alcachofra se soltarem e medite sobre a tua condição de humano mortal e deteriorável. Quando enfim todas as folhas estiverem sobrenadando, tome um banho, porque, convenhamos, há quantos dias você está aí.

VII.
Compre meia dúzia de cerejas, um copo de creme de leite, uma dúzia e meia de framboesas, cem gramas de nozes já descascadas, um cálice de Cointreau, duas ambrósias. Pingue três gotas de néctar (informe-se), três fiapos de casquinha de nectarina, uma gota mínima de algália (informe-se, isto aqui não é cartilha para esse pessoalzinho que está fazendo mestrado). Bem. Ponha todos os ingredientes no liquidificador, acondicione corretamente nessas pequenas geladeirinhas portáteis e viaje para a Grécia. Tá na hora.

VIII.
Enfeite a mesa com flores. Compre um peru. Feche as crianças no banheiro. Antes de começar a ceia, convide seu marido para dançar ao redor da mesa (não mexa com o peru). Inopinadamente pergunte se ele gosta de trufas. Se ele disser que sim, gargalhe algum tempo atrás da porta e diga que "trufas não tem não, amorzinho".


:: PÕE OU NÃO PÕE A VACA? ::
por Rodrigo Savazoni, publicado em http://emcrise.blogspot.com

O Bixiga é o bairro mais velho de São Paulo. Seus boêmios, sambistas, cantinas são patrimônios da noite paulistana. Ali, na Santo Antônio, pertinho da Vai-Vai, escola de seu Osvaldinho da Cuíca - e de tantos outros que ajudaram a escrever a história da patuléia na paulicéia – o Geraldinho serve a sua Jerupinga. Dizem que é o único lugar em que se bebe mais do que se paga. A conta, lá, é negativa. O fito desta nota, no entanto, não é falar do Geraldinho, menos da jerupinga. A história da Vaca ocorreu um quarteirão acima, num boteco pequenino, de uma senhora que eu não conhecia.

13 de maio. Coração da Bela Vista. Oito pessoas no bar. Cinco homens, três mulheres. Um pintor, de parede, trabalha um mural. Pinta uma fazenda, com árvores, céu azul, nuvens branquinhas, lagos, e montanhas. A dona do botequim, atrás do balcão, pergunta a um senhor, que degusta um rabo de galo:

– Tá bonito, não?

O homem limita-se a mover a cabeça. Pra frente, pra trás, pra frente, pra trás. Um rapaz, aparentando 28 anos, com uma garrafa de cerveja na mão, emite sua opinião.

– Tá bonito, sim. Eu que venho sempre aqui vou vir ainda mais.

E ri. Não se sabe se de bobo, ou porque carregou a sentença de ironia.
Há um espaço em branco no desenho que o artista faz. Espaço grande. O pintor pára. Olha para trás. Seus longos cabelos brancos caem no rosto e ele os retira, com a mão cheia de tinta. Entre o nariz e a testa, surge-lhe na face um risco azulado. Pergunta aos seus companheiros de madrugada:

– Pinto ou não pinto uma vaca aqui?

O rapaz com síndrome de hiena gargalha. E diz que sim. Para ele, quanto mais avacalhado melhor. A dona do boteco tenta dissuadir o pintor.

– Não, não faz isso. Não vai pôr uma vaca. Vai ficar feio.

O pintor não concorda.

– Mas é uma fazenda, e fazenda tem vaca.

Um senhor, que até então não se manifestara, cigarro em punho, opina:

– É verdade, fazenda tem vaca. Acho que pode ficar bonito.

O pintor começa a dar as primeiras pinceladas. Em pouco tempo, a fazenda estaria completa. Mesmo à revelia da dona do boteco, que não queria na sua parede uma vaca. Democracia?

:: DICIONÁRIO DAS IDÉIAS FEITAS ::
por Gustave Flaubert, em Bouvard e Péchuchet

Negras -- Mais ardentes do que as brancas (vide Morenas e Louras).
Nó Gordio -- Relativo à Antigüidade.
Nervoso -- Diz-se todas as vezes em que não se compreende uma doença; esta explicação satisfaz o paciente.
Numismática -- Tem relações com as altas ciências e inspira imenso respeito.
Negócios -- Estão acima de tudo. -- Uma mulher deve evitar falar dos seus. -- São a coisa mais importante da vida. -- Resumem tudo.


:: PEQUENA DIGRESSÃO ::
de Voltaire

Logo no começo da fundação dos Quinze-Vingts, sabe-se que os asilados eram todos iguais e seus assuntos se decidiam por votação. Distinguiam perfeitamente, pelo tato, a moeda de cobre da de prata; nenhum deles tomou jamais vinho de Brie por vinho de Borgonha. Seu olfato era mais fino que o de seus patrícios que tinham dois olhos. Aprofundaram-se perfeitamente nos quatro sentidos, Isto é, ficaram sabendo acerca deles tudo quanto é possível; e viveram tranqüilos e felizes na medida em que os cegos o podem ser. Infelizmente, um de seus professores julgou possuir noções claras sobre o sentido da vista; fez-se ouvir, intrigou, granjeou partidários; reconheceram-no afinal como chefe da comunidade. Pôs-se a julgar soberanamente em matéria de cores, e ai é que foi a perdição.

Esse primeiro ditador dos Quinze-Vingts formou primeiro um pequeno conselho, com o qual se tornou depositário de todas as esmolas. Por esse motivo, ninguém se atreveu a resistir-lhe. Decidiu ele que todas as roupas do Quinze-Vingts eram brancas; os cegos acreditaram; não falavam senão de seus belos trajes brancos, embora não houvesse entre eles um único dessa cor. Como todo o mundo começasse então a zombar deles, foram queixar-se ao ditador, que os recebeu muito mal; tratou-os de inovadores, de espíritos fortes, de rebeldes, que se deixavam seduzir pelas opiniões errôneas daqueles que tinham olhos e ousavam duvidar da infalibilidade de seu senhor. Dessa querela, formaram-se dois partidos.

O ditador, para os apaziguar, baixou um decreto segundo o qual todas as suas vestes eram vermelhas. Não havia uma única veste vermelha entre os Quinze-Vingts. Riram-se deles mais do que nunca. Novas queixas da comunidade. O ditador enfureceu-se, os outros cegos também. Disputaram longamente, e só se restabeleceu a concórdia quando foi permitido, a todos os Quinze-Vingts, suspenderem o juízo sobre a cor de sua roupa.

Um surdo, ao ler esta pequena história, confessou que os cegos tinham feito muito mal em querer julgar a respeito de cores, mas permaneceu firme na opinião de que só aos surdos compete falar de música.

:: MANUEL POR UMA VIDA MELHOR ::
por Mariângela Carvalho, assessora da campanha do Manuel

1. Troque o dia pela noite, adquira hábitos estranhos e passe a dormir no chão.
2. Proponha coisas esquisitas para serem feitas, a pessoas esquisitas que você não conhece, como ficar apontando os lápis alheios.
3. Roube coisas interessantes que achar nos lixos de grandes mansões e prédios espetaculares e coloque-as na estante de sua sala e diga que são troféus que você ganhou por ser a melhor pessoa do mundo.
4. Adote um uniforme: aquela calça de abrigo que sua mãe guarda desde que você estava na quarta série. De preferência, uma calça de abrigo vermelha. E use também uma regata de cor florescente, para combinar com a calça. Adote galochas como seu calçado preferido.
5. Invente a fórmula para criar escamas em humanos e fique milionário.
6. Dê gritos de espasmos involuntários. Tente soluçar o máximo que você puder.
7. Anuncie que vai mudar seu nome, que vai passar a se chamar "Dona Clotilde", independente de ser homem ou mulher. (Nota da editora: você também pode se chamar Silas. Mas peça os direitos para o Deak.)
8. Quando te perguntarem qualquer coisa finja que não ouviu. Cinco minutos depois, pergunte a mesma coisa.
9. Agarre o braço de um desconhecido na rua e grite, aos sete ventos: "RUN FOR YOUR LIFE. RUN!!!!!".
10. Decore seu lar com fotografias de olhos tiradas de revistas e jornais. E, quando alguém te perguntar o por quê, diga que aqueles olhos poderiam ser seus e que, por isso, eles também olham o que você olha.
11. Lave, todos os dias, sua coleção de bolinhas de gude.
12. Procure, incansavelmente, uma caixa de orgônio e faça dela sua poltrona favorita.
13. Faça cursos de botânica, filosofia, biologia e monte uma linda horta no box de seu banheiro.
14. Se perca de propósito e chore desesperadamente na rua.
(para adquirir a versão completa do Manual, escreva para a moça: mari_cpc@yahoo.com.br)

:: MESMO A ANTILÓGICA ::
Campos de Carvalho

Há qualquer coisa que escapa até mesmo à antilógica, não sou nenhum assassino mas poderia ser a qualquer momento, e sobretudo um assassino de idéias que é o que mais os preocupa e tira-lhes o sono: esta minha liberdade é pior do que a pior das prisões, em momento nenhum lhes causei pânico e eles não têm tentado outra coisa desde que o mundo é mundo. É possível até que me julguem um cidadão respeitável, o que de si já me tiraria todo e qualquer respeito, e me mandem amanhã um meirinho cobrar o imposto disso ou daquilo, se é que já não me mandaram -- e me obriguem de novo a tirar as impressões digitais, batráquio ou não, centauro ou simples cavalgadura, como se faz com o último dos canalhas. (...) Só não me levanto porque já estou de pé, minha indignação é tanta que até as luzes já se acenderam de novo.


:: CORRESPONDÊNCIA ::
e-mails reais, bisonhos e suspeitíssimos, interceptados por um inocente nenúfar.

...Ótimo. Justo agora que eu estava de saída para a Bulgária (claro), empacotando minha coleção de besouros do amendoim e desativando o telefone, meus nomes falsos e antecedentes criminais, aí está vc de novo, grudado na minha nuca, olhando pro horizonte de alguma forma assustadoramente medonha, com olhos enormes de órfão boliviano. Minha avó já tinha alertado: "Você pode fugir, mas não pode se esconder", embora eu nunca tivesse entendido direito o que ela dizia durante seus delírios em latim.

[espaço para testar as hidrográficas]

Fiquei um tempo considerável pensando em trabalhar para a imprensa bovina. Por algumas horas (dentro de um ônibus, claro) achei que tinha encontrado minha verdadeira vocação (a TV iria adorar a história, eles apreciam grandes dramas no domingo à tarde envolvendo pessoas que encontram suas verdadeiras mães, suas verdadeiras galochas ou centenas de mães vestindo grandes galochas), mas foi por pouco tempo, porque o banco era daqueles que têm fofinho na nuca e eu encostei gostosinho, logo estava sonhando que estava dentro de um ônibus. Eu daria uma ótima jornalista rural. Gostaria de falar mais sobre isso. Mas não hoje.

Mesmo assim, fiquei emocionada e fui oferecer-me para ser aliciada por traficantes.

(candidato X: "o jovem que não está na escola agora, a essa hora não está jogando futebol. Está sendo aliciado por traficantes.")

Acho que vou me dedicar à política. Olhe bem nos meus olhos. Na minha bolinha de ping-pong, tirada do sorteio entre os candidatos, estará escrito: "pingue-me", devido à minha recente obsessão pelo livro da Alice. Etiquetei todos os objetos da minha casa com "coma-me" ou "beba-me", e só hesitei na hora de catalogar o meu irmão (podia ser perigoso) e a privada, devido ao caráter volátil (?) dos elementos nela contidos.

É isso.

:: VOCÊ PERGUNTA, NÓS NÃO DAMOS A MÍNIMA ::
Questionamentos sadios de uma sociedade doente.

??? Em que obra está escrita a seguinte pérola: "Tudo como dantes no quartel de Abrantes"? (Al Cunha, Lisboa)

(É uma pergunta. Quem responder ganha uma laranja descascada de tampinha). Respostas para cá.


EXPEDIENTE

Este Zine é impessoal, objetivo e imparcial. Computadores meticulosamente programados desenvolvem os textos, se emocionam, revisam e publicam a visão neutra e apolítica da coisa toda. O único responsável é a instituição "Da Redação".


... Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado (que vem logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido)
- Stephanie A.

## Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque estava na lista de indivíduos manquitolas da lista negra dos Illuminati. Ou então, ou então! Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis do mundo, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e Li-Ching-Yang. Caso não queira voltar a receber este monte de bobagens, mande um e-mail para vmbarbara@brfree.com.br, e escreva na linha de assunto: "Me deixem em paz, pelas barbas de Tutatis!". Se quiser que mais vítimas recebam o Zine, também escreva para esse e-mail mandando o endereço dos condenados e o número e senha de suas contas bancárias. Se quiser usar cartão de crédito, basta fornecer o número. (Be afraid. Be VERY afraid.) ##

"Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que ri cuidado para que não babe".


God is coming.
Look busy.



2005 Vanessa Barbara