Não sei se algum de vocês
já acordou, um dia, morrendo de vontade de ser brotoeja.
Não que isto já tenha
ocorrido comigo, claro que não, mas vocês hão
de convir que pode acontecer com qualquer um - principalmente os canhotos,
por algum motivo que me escapa no momento.
Pois digamos que eu tenha acordado
hoje pela manhã, querendo ser brotoeja. Passo a redigir, portanto,
um pequeno manual prático de como lidar com o fato de ser uma
delas (das gordinhas), para essas emergências que a gente não
pode prever.
Capítulo Único
Ser brotoeja requer elegância,
e uma certa dose de auto-controle, para não expelir nenhum
líquido que não nos seja solicitado. Ser brotoeja é
adquirir formas estimulantes, todas bem geométricas, que causem
prurido ao serem fervidas ou tocadas. Para ser brotoeja é preciso
ter muita humildade, além de aderência e aspecto amarelado,
pois uma brotoeja autêntica nunca se preocupa com o que se é,
mas com o que se tem por dentro.
Ser brotoeja é nunca tossir
em público, porque pega mal. É estar sempre pronta para
negociar com as pomadas, oferecendo em troca um tequinho de nhaca
e pus, se é que as pomadas realmente apreciam essas coisas.
Ser brotoeja é aprender a pulsar, esbranquiçada, principalmente
se se estiver bem no centro da testa; é sorrir para as visitas,
encarando-as para que nunca tirem os olhos da gente e envergonhem
o anfitrião. É ficar pequena quando se tem um pouco
de medo, e crescer de maneira abrupta quando ninguém está
olhando. Uma brotoeja que se preza nunca sara, nunca some, nunca dorme
em serviço. É aquela que subsiste até sem ter
onde morar, como um sorriso sem gato, suspensa no éter em meio
às borbulhas e as não-coisas, orgulhosa de ser ela mesma
- uma senhora brotoeja, a pulsar no nada como se fosse uma estrela,
como se nada mais houvesse no mundo senão ser uma brotoeja,
sempre inútil, cheia de massa amarela e uma dorzinha incômoda,
a existir satisfeita em meio às coisas deste mundo.
:: OBJETOS PERDIDOS ::
por Julio Cortázar, Mendoza - Argentina, 1944
Por veredas de sueño y habitaciones
sordas
tus rendidos veranos me acechan con sus cantos
Una cifra vigilante y sigilosa
va por los arrabales llamándome y llamándome
pero qué falta, dime, en la tarjeta diminuta
Dónde están tu nombre y tu calle y tu desvelo
si la cifra se mezcla con las letras del sueño
si solamente estás donde ya no te busco.
:: PARADOXOS ILUSTRES ::
por Jorge Luis Borges, que não é nem mentiroso ou abderita
Em Sumatra, alguém quer doutorar-se em adivinhação.
O bruxo examinador lhe pergunta se será reprovado ou se passará.
O candidato responde que será reprovado... (Imagine como continua,
ao limite da insanidade ou da exaustão).
:: INFORMAÇÕES
FALSAS ::
por Bárbara Lopes, alguém particularmente doente
Todo mundo viu aquela história
de que o governo americano ia plantar notícias no mundo todo
pra melhorar a imagem dele e tal. Agora os caras disseram que não
vão mais fazer isso. E se for mentira? Aliás, e se a
história de plantar notícias tiver sido mentira? Parece
aqueles problemas de lógica: Tem uma superpotência que
só fala mentiras, mas é a única que tem. Você
tem que descobrir com três perguntas quantos agentes da CIA
estão infiltrados na Arábia Saudita.
:: QUE BATIAM
FEITO LOUCOS ::
trecho de 62: Modelo Para Armar, de Julio Cortázar.
E posto que se trata de sonhos,
quando os tártaros se entregam a sonhos coletivos, matéria
paralela à da cidade mas cuidadosamente deslindada porque não
ocorreria a ninguém misturar a cidade com os sonhos, o que
equivaleria a dizer a vida com a brincadeira, tornam-se de uma puerilidade
que repugnaria às pessoas sérias.
Quase sempre quem começa
é Polanco: Olha, sonhei que estava numa praça e que
achava um coração no chão. Apanhei-o e ele batia,
era um coração humano e batia, então eu o levei
até uma fonte, lavei-o o melhor possível porque estava
cheio de folhas e de poeira, e o entreguei no distrito da rua Abbaye.
É absolutamente falso, diz Marrast. Você o lavou mas
depois o embrulhou desrespeitosamente num jornal velho e o botou no
bolso do paletó. Como é que vai botá-lo no bolso
do paletó se estava em mangas de camisa, diz Juan. Eu estava
corretamente vestido, diz Polanco, e levei o coração
para o distrito e eles me deram um recibo, isso é que foi o
mais extraordinário do sonho. Você não
o levou, diz Tell, nós vimos quando você entrava em casa
e escondia o coração num armário, desses que
têm um cadeado de ouro. Imagia só Polanco com um cadeado
de ouro, ri grosseiramente Calac. Eu levei o coração
para o distrito, diz Polanco. Bem, concorda Nicole, talvez esse fosse
o segundo, porque todos nós sabemos que você achou pelo
menos dois. Bisbis bisbis, diz Feuille Morte. Pensando bem, diz Polanco,
achei uns vinte. Deus de Israel, tinha esquecido a segunda parte do
sonho. Você os achou na place Maubert debaixo de um monte de
lixo, diz meu paredro, eu vi tudo no café Les Matelots. E todos
eles batiam, diz Polanco entusiasmado. Achei vinte corações,
vinte e um contando o que eu levei para o distrito, e todos batiam
feito loucos. Você não o levou para o distrito, diz Tell,
eu vi quando você o escondia no armário. Em todo caso
batia, concorda meu paredro. Pode ser, diz Tell, pouco estou me incomodando
com o bater. Não há como as mulheres, diz Marrast, que
um coração esteja batendo ou não, a única
coisa que vêem é um cadeado de ouro. Não vira
misógino, diz meu paredro. Toda cidade está coberta
de corações, diz Polanco, me lembro muito bem, era estranhíssimo.
E pensar que no começo eu só me lembrava de um coração.
Por alguma coisa é preciso começar, diz Juan. E todos
batiam, diz Polanco. De que lhes podia adiantar, diz Tell.
:: ESMOLA ::
por Alisson Villa
Deu rima a um poeta mendigo,
mas o vagabundo
gastou tudo em textos teóricos
:: EU E VOCÊ, JUNTOS
EM PEDERNEIRAS ::
por Válter Ego, grande pessoa.
Pois te conto uma coisa: eu queria
cometer um crime, dos mais absurdos, e ir pra prisão de Pederneiras.
E não estou brincando. Dizem que as celas de Pederneiras são
maiores que o meu quarto, têm grandes pufes, parede estofada,
aquecimento central e computador conectado à Internet (banda
larga, por Deus). Na cadeia de Pederneiras, os ovos mexidos têm
sabor de hortelã, há uma variedade de oito sucos e vitaminas,
presuntos e pães de mel, e nos fins de semana você pode
encomendar uma pizza por conta da casa.
Na prisão de Pederneiras há
luminárias coloridas e bibelôs de elefantinho. Há
um quadro de fotos e um espelho de corpo inteiro, banheiros individuais
com tapete felpudo e sabonetinhos minúsculos. A pia é
de mármore e os vizinhos de cela emprestam todo tipo de creme
e perfumes que você solicitar.
Durante os feriados, os detentos de
Pederneiras oferecem bailes belíssimos, prestigiados por toda
a sociedade local, quando as garotas vestem cor de rosa e os moços
dão-lhes ramalhetes frescos e cestas com frutas e fitas de
cetim, para que voltem sempre. Nas festas da Detenção,
há sempre os arruaceiros que tentam cometer infrações
para poder entrar na cadeia de Pederneiras. Mas o processo de seleção
é rigoroso, e a maioria logo desiste.
+++
Fidípedes é o mais antigo
inquilino de Pederneiras. Na rua todos o chamam de Barão e
as mocinhas pedem-lhe a benção. Ele organiza as partidas
de pôquer das quintas à noite e periodicamente cava túneis
enormes com o final na sala do delegado, para que nunca alcance a
liberdade por boa conduta e ainda consiga prisão perpétua
ou algo assim.
+++
Quanto à mim, mandei um currículo
para Pederneiras há mais de um mês. Eles me disseram
que eu precisaria matar alguém a faca antes de comparecer à
entrevista, de modo que ando ocupada, cuidando das questões
legais. Parece que só posso assassinar um pederneirense, o
que me deixa muito triste porque eles são boas pessoas (embora
um tanto cabeçudos). Conversei com meu advogado e juntos conseguimos
arquitetar um plano suculento, por fim: duelaria com o carteiro, ambos
sairíamos feridos, hospitalizados e, com um pouco de sorte,
iríamos juntos para a cadeia.
Escolhi um punhal tão bonito que você tem que ver. O
carteiro armou-se de um estilete de abrir envelopes, como era mesmo
de se esperar. Em pouco tempo, eu tinha perdido uma porção
de dedos e arrancara a orelha esquerda do cidadão, pedindo-lhe,
entretanto, sinceras desculpas e prometendo mantê-la no formol
para posteriormente podermos discutir o assunto.
Em Pederneiras, no entanto, as pessoas levam tudo a sério.
Inclusive as desculpas. De modo que, infelizmente, fui absolvida (pelo
próprio carteiro, inclusive), condecorada; ganhei a chave da
cidade e logo estava no trem, de volta para São Paulo, sem
antes maldizer todos os meus antepassados pela polidez maldita com
que me dotaram.
:: COMUNICAÇÃO
::
por Bárbara Lopes, em http://b-lo.blogspot.com
Todo mundo pensa em Romeu e Julieta
como uma grande tragédia de amor. Eu sempre vi como uma grande
tragédia das comunicações. Um terrível
mal-entendido. E amar não seria justamente nunca precisar se
explicar? Nunca precisar dizer "Não, benzinho, eu não
queria me matar. Só estava fingindo para que possamos ser felizes
para sempre"? Não que isso costume acontecer com muitas
pessoas. Eu, pelo menos, nunca passei por uma situação
dessas. Mas eu já marquei encontros e esperei no lugar errado.
Não me espanto, portanto, que sejamos tão apegados a
pagers, celulares, e-mails, comunicadores instântaneos, bloquinhos
de anotação na geladeira... No fundo, estamos apenas
esperando um único telefonema, um único e-mail e um
único recado na geladeira. É muito triste morrer porque
o sistema de telegramas não funcionou.
::
TEORIA ::
a Teoria Final Que Rege Todas As Cousas, criada por mim e pelo Victor,
o Hugo.
.. todos os entes que existem têm o seu barulho particular.
Com seu respectivo tom de voz, timbre e sonzinhos. Há os que
têm vários barulhos de acordo com as funções,
por exemplo: a escada teria um som determinado, como "sendo um
degrau, sendo outro degrau, tendo cimento em sua composição,
sendo esmagada", e assim por diante. Quando você sobe uma
escada, então, imagina só a sinfonia enlouquecedora
de coisas exercendo suas funções e falando delas, ao
mesmo maldito tempo:
"sendo um degrau, movimentando
o calcanhar, tendo cimento, executando funções vitais,
segurando no corrimão, sendo um reles corrimão, batimentos-cardíacos-batimentos-cardíacos,
fígado funcionando, sendo um degrau, continuando-a-ser-um-maldito-insignificante-corrimão,
filtrando o sangue, oxigênio oxigenando, gás carbônico
sendo expelido, sendo um corrimão".... e assim infinitamente:
imagina quantas vozes teria o mundo, todas ao mesmo tempo, a gritar
tresloucadamente como se fosse a última coisa que fariam no
mundo, para depois prosseguir ao infinito, cada uma com sua voz, timbre,
entonação, repetindo as mesmas ações,
as mesmas falas, as mesmas malditas coisas... pelas minhas barbas,
se eu fosse Deus tudo seria TÃO mais divertido. E o mar seria
uma grande sopa.
:: DICIONÁRIO DAS IDÉIAS
FEITAS ::
por Gustave Flaubert, em Bouvard e Péchuchet
Parentes -- Sempre desagradáveis.
-- Esconder os que não são ricos.
Poesia -- Inteiramente inútil; passou de moda.
Púrpura -- Palavra mais nobre do que vermelho. -- Citar a anedota
do cão que descobriu a púrpura mordendo uma concha.
Pompílio -- Inventor de uma espécie de circo.
Pasta -- Levar uma embaixo do braço empresta ares de ministro.
Parágrafo -- Quanto mais complicado, mais belo.
Quadratura do círculo -- Não se sabe o que seja, mas
deve-se dar de ombros quando se fala em quadratura do círculo.
:: VEJAM SÓ COMO SÃO AS COISAS ::
sábio pensamento de Bárbara Lopes, que não sei
quem seja, mas é alguém curioso.
Nesse exato momento, eu acendo um cigarro e minha gata está
comendo uma mosca.
:: VOCÊ AVANÇA UMA CASA E EU FICO PRA TRÁS ::
de Através do Espelho, de Lewis Carroll.
- (...) Mas aqui tenho que deixá-la. Tinham chegado à
orla do bosque.
Alice apenas olhou-o aturdida: estava pensando no pudim.
- Você está triste -- disse o Cavaleiro em tom aflito.
Deixe-me cantar uma canção para confortá-la.
- É muito comprida? -- perguntou Alice, pois naquele dia já
tinha ouvido poesia demais.
- É comprida -- disse o Cavaleiro -- mas é muito, muito
bonita. Todo mundo que me ouve cantá-la ou fica com lágrimas
nos olhos ou então...
- Ou então o quê? -- disse Alice, pois o cavaleiro fizera
uma súbita pausa.
- Ou então não fica. A canção é
chamada "Olhos de eglefim".
- Ah, é esse o nome da canção? -- disse Alice,
tentando interessar-se.
- Não, você não está entendendo -- disse
o Cavaleiro, parecendo meio contrariado. -- É assim que se
chama o nome da canção. O nome verdadeiramente é
"O homem velho, muito velho".
- Então eu deveria ter dito "É assim que se chama
a canção?"
- Não, não devia: isso é outra coisa. A canção
se chama "Modos e meios". Mas isso é só como
ela se chama, veja bem!"
- Mas qual é a canção, afinal? -- disse Alice,
já completamente desnorteada.
- Já estava chegando ao ponto -- disse o Cavaleiro. -- A canção,
verdadeiramente, é "Sentado sobre uma porteira".
A melodia fui eu mesmo que inventei.
E assim dizendo, parou o cavalo e largou as rédeas no pescoço
do animal. Depois, batendo vagarosamente o ritmo com uma mão,
com lânguido sorriso iluminando o rosto suave e néscio,
como se fruísse a música da sua canção,
pôs-se a cantar.
De todas as coisas estranhas que Alice viu em sua viagem Através
do Espelho, essa era uma de que sempre se lembrava com a maior clareza.
Anos depois ainda podia recordar-se da cena inteira outra vez, como
se tivesse sido no dia anterior. Os doces olhos azuis e o sorriso
bondoso do Cavaleiro... os raios do sol poente brilhando francamente
em seus cabelos e refletindo-se em sua armadura num esplendor luminoso
que a ofuscava por completo... o cavalo que se mexia quietamente,
com as rédeas abandonadas no pescoço, mordiscando a
relva sob as patas... e as negras sombras da floresta atrás...
tudo isso ela gravou como se fosse um quadro, com uma mão em
viseira sobre os olhos, encostada numa árvore, contemplando
o estranho par e ouvindo, meio em sonho, a melancólica música
da canção.
:: TRECHO FINAL ::
tirado de Através do Espelho, de Lewis Carroll
Ao cantar as últimas palavras da balada, o Cavaleiro pegou
as rédeas e voltou seu cavalo na direção de onde
tinham vindo. -- Você agora tem poucos metros a caminhar --
disse -- descendo a colina e depois saltando aquele pequeno riacho.
E então será uma Rainha... Mas antes você vai
ficar aí e ver minha partida, não vai? -- acrescentou,
enquanto Alice se virava com olhar ávido na direção
em que tinha apontado. -- Não demorarei. Você espera
e acena com o seu lenço quando eu virar naquela curva da estrada?
Acho que isso me encorajará, entende?
- Claro que espero -- disse Alice. -- E muito obrigada por me acompanhar
toda essa distância... e pela canção... gostei
muito.
- Espero que sim -- disse o Cavaleiro cheio de dúvida -- mas
você não chorou tanto quanto eu esperava.
Apertaram as mãos, e então o Cavaleiro deslocou-se vagarosamente
na direção da floresta. "Não vai demorar
muito para vê-lo cair, juro", disse Alice para si mesma,
enquanto o contemplava. "Lá vai ele! Bem de cabeça
pra baixo, como sempre! Mas sobe outra vez com muita facilidade...
é porque tem muitas coisas penduradas em volta do cavalo..."
Continuou assim seu monólogo enquanto o cavalo seguia pachorramentamente
e o Cavaleiro tombava, ora de um lado ora de outro. Depois do quarto
ou quinto tombo ele chegou à curva, e então ela acenou
com o lenço, esperando até que sumisse de vista.
:: COMO ENTENDER AS ACNES, SENÃO SENDO-AS? ::
por Jimmy Nutto
O diabo de escrever sobre brotoejas é que ninguém nunca
entende.
:: METÁFORA ::
por André Deak. Coitado
(...) "Por una cabeza":
é o título de uma canção de tango, bonita,
mas que eu não entendi direito. Aliás, é uma
boa metáfora para a forma com que enxergo a vida: bonita, mas
não entendo direito.
::
SIM, MAS COMO HÁ GENTE ESTRANHA POR AQUI ::
email recebido da Ouvidoria do metrô, mais uma vez.
Senhora Solange,
Agradecemos por nos ter enviado seu
relato. A observação sobre erros gramaticais será
levada para conhecimento da área interna que gere o contrato
junto a Metrocom.
Pedimos a gentileza de aguardar novo
contato, pois assim que tivermos o parecer daquela área, repassaremos.
Atenciosamente,
Ouvidora
:: CORRESPONDÊNCIA ::
e-mails reais, bisonhos e suspeitíssimos, interceptados por
um inocente nenúfar.
Olá.
Aqui é o Dagobaldo, o moço que despacha os emails. Gostaria
de pedir, por obséquio, que os senhores parassem de surtar
eletronicamente, tomassem vergonha na cara e me deixassem trabalhar
em paz, afinal, nos últimos dias foram aposentados 8 funcionários
da Corporação com o diagnóstico de insanidade
súbita e tremiliques generalizados. Todos sabem que nós
costumamos ler os emails e censurá-los antes que prossigam
(eu, particularmente, gosto de inserir palavras que as pessoas não
escreveram, cortar os finais, mandar mensagens de erro, devolver as
cartas, e outras vantagens peculiares que se tem ao trabalhar neste
honrado ofício), e - francamente - nos emails de vocês
não se passa das primeiras linhas. Quando muito, alguém
lê o assunto e se põe a chorar bastante, convulsivamente
(dá um dó danado). A Matilde, senhora lúcida
e religiosa que costumava separar e catalogar os emails para mandá-los
ao destinatário, teve uma crise de epilepsia nervosa ao checar
esta sua última epístola e foi afastada temporariamente
por invalidez (no momento ela pensa que é uma couve e passa
os dias a piscar, apenas, no chão do escritório). Bom,
vamos ter que tomar providências - mas se algum de vcs for encontrado
morto, esmagado por 352 quilos de alfafa fresca, que fique claro que
não fomos nós, não desta vez.
Constitucionalissimamente,
Dagobaldo, supervisor de RH (?)
-------------------
Finalmente o adorável BrFree resolveu dar o ar de sua graça
e me trazer biscoitos. Os indefesos e gordinhos catalupos órfãos
(ver o verbete www.catalupos.hpg.com.br)
já estavam adoecendo aos montes, visto que não podiam
mais ler os emails antes de dormir (não dormindo, portanto).
Alguns já se reestabeleceram e saíram da indeterminada
Sala de Espera - o limbo onde moram os emails não entregues,
as cartas rasgadas, os guarda-chuvas perdidos, as garotinhas órfãs,
as desilusões, as aftas e a Alice (que não têm,
repito, não têm a menor relação entre si,
a não ser às escondidas e sem autorização
dos pais) com uma pilha de revistas sobre Engenharia de Alimentos
e Construção Civil. --- Dez melhores leituras para profissionais
da Construção Civil: "Manual de preparo caseiro
- Argamassa Cimentcola Quartzolit", "312 dicas para modelar
balaústres de sustentação" e "Concreto
Armado: Eu te Amo!".
Observação essencial antes que a ordem das coisas se
reestabeleça: o mundo na minha mente é como a tela fundamental
(como é que chama aquilo, diabos?) do Matrix: um negócio
branco, branco, branco, silencioso e medonho; sem começo, fim
ou sentido possível. Bonito, mas não entendo direito.
Fim do aparte. Início de uma nova consideração:
russos nunca se vestiriam de pingüins nem teriam carros vermelhos;
eles se vestiriam de vermelho e teriam pingüins para transportá-los.
Sobe BG.
Desce vinheta de abertura, uma música apoteótica do
estilo Ópera espanhola: gostaria que os canhotos parassem de
se gabar desta condição invejável. Há
muitas pessoas por aí que fariam tudo por uma mão esquerda
levemente coordenada (na verdade, só conheço uma pessoa:
eu mesma, mas mesmo assim pode ser relevante estatisticamente). Tanto
que passei bons anos da minha vida escrevendo com a esquerda, só
pra ver se adquiria uma habilidade súbita de repente - infelizmente,
o que eu faço com a esquerda continua sendo.. ãhm. Igual
a tudo que eu faço com a direita, talvez. Na verdade, eu adoraria
abrir uma lata de ervilhas com abridores convencionais usando a mão
esquerda, porque é tão bonito. E aquele lance de sentar
em carteiras destras, e se virar inteiro para ajeitar o papel corretamente,
ou - imagine só! - cortar papéis com tesoura direita,
que cativante é tudo isto!!! Bonito, poético, toscamente
desajeitado! ... Meu reino por uma mão esquerda.
As melhores pessoas do mundo são canhotas, escreva (virado
de lado para se ajeitar na cadeira) o que eu estou dizendo. Ou melhor,
copie e cole, porque já está escrito. Ser canhoto é
praticamente uma arte, um estilo de vida, uma religião, uma
transcendência - aposto que o Nietzsche era canhoto, pois eles
não precisam de Deus ou de qualquer outra dessas frescuras.
No meu bilhete de suicídio (que você vai poder copiar
como epitáfio) estará escrito: "ela apenas queria
ser canhota". Fecha aspas .
(cruel destino, como vou poder viver os anos restantes da minha vida
com este fardo pendendo pra o lado herege do meu corpo?)
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1- Pergunta para pensar em casa: por que é que as pessoas têm
dois olhos só delas? Por que elas não dividem um deles,
emprestam pros outros, ou roubam o outro de alguém? Por exemplo,
eu poderia ter um olho meu e um do Cortázar. Ou um do Cortázar,
um seu e o outro na nuca, para evitar que falem mal de mim pelas costas.
2- Uma história, rápido: o canhoto A. estava sentado
num banquinho realmente alto, chacoalhando os pés. Entra (naquelas
portas vai-e-vem de Saloon) uma figura de botas altas, esporas, poncho
e cachimbo, que grita: "Cortem-lhe as cabeças!",
o que significa que eles estão prestes a duelar ao preço
do olho do outro. E não só literalmente, eu acrescentaria.
O canhoto em questão lança de sua mochila seu exército
de poemas agressivos, que amordaçam o guerrilheiro e obrigam-no
a dizer "aranhinha" repetidas vezes, até que ele
seja curado. Mas ele diz "ariranha" e tudo vai por água
abaixo.
(ou)
A figura de botas altas encara o canhoto, escancara as portas, faz
cara de mau e grita "CORREEEEIO!", entregando este email
d’A Destra, para satisfação do dono do bar e alegria
geral dos presentes.
:: VOCÊ PERGUNTA, NÓS NÃO DAMOS A MÍNIMA
::
Questionamentos sadios de uma sociedade doente.
??? É verdade que vocês mentem, e os escritores
de vocês são todos fictícios? (Pedro Le Minsque,
Belo Horizonte).
Sim.