Considerando a quantidade enorme
de propostas recebidas em nosso e-mail de uns tempos pra cá
(desde a publicação da triste epopéia de Rolf),
geralmente a respeito de planos e sugestões incrivelmente pertinentes,
a direção deste hebdomadário resolveu tornar
pública uma relação simples de Coisas Que Este
Zine Não Pretende Fazer, pelo menos não até o
próximo inverno. Para facilitar as coisas.
1) Intervenções cirúrgicas
no duodeno
2) Descer de cabeça, rolando ou escorregando, pela parte externa
do edifício da Fiesp
3) Palitos. Odeio palitos.
4) Tratamento de canal
5) Apodrecer aos poucos em Confraternizações Madalênicas
6) Cravar tesouras afiadas no olho
7) Sapatear em público
8) Exercitar-se pela rua naquelas bicicletas gigantes de oito chineses
9) Equilibrar cabos de vassoura no nariz
10) Qualquer coisa que envolva dedos dos pés
11) Abandonar o projeto hortifrúteo do semanário "A
Hortaliça"
12) Domar ariranhas de circo
13) Vender capa pra celular (capa pra celular, capa pra celular)
14) Hipotireoidismo
15) Qualquer oba-oba que envolva jornalistas, RPs e auxiliares do
Tinoco (tinoco@tinoco.com)
16) Pirocópteros
17) Morte lenta e dolorosa (pode ser apenas lenta ou particularmente
dolorosa)
18) Cravar tesouras afiadas no olho de outrem
19) O item anterior admite algumas restrições
20) Comida turca que tenha curry em excesso
21) Qualquer coisa que nos obrigue a manusear granadas
22) Tifo e doenças relacionadas
23) Operação de grampeamento bochêcheo, a fim
de sorrir sempre e cumprimentar as visitas
24) Aftas
Todo e qualquer substantivo que não constar nessa lista pode
ser gentilmente sugerido à Redação por meio de
um requerimento escrito em superfície de purê de batatas.
E por que não, eu me pergunto.
:: APRENDA A QUEBRAR AS PERNAS DE OUTREM ::
por J. L. Borges, que não tem culpa
A.- Distraídos em racionalizar a imortalidade,
deixamos que anoitecesse sem termos acendido a lâmpada. Não
víamos nossos rostos. Com uma indiferença e uma doçura
mais convincentes que o fervor, a voz de Macedonio Fernandez repetia
que a alma é imortal. Assegurava-me que a morte do corpo é
de todo insignificante e que morrer seria o feito mais nulo que pode
acontecer com um homem. Eu brincava com uma navalha de Macedonio;
a abria e a fechava. Um acordeão vizinho tocava a Cumparsita,
essa futilidade consternada que agrada a muitas pessoas, porque lhes
disseram que é velha... Propus a Macedonio que nos suicidássemos,
para podermos discutir sem dificuldades.
Z (gozador).- Mas suspeito que no final não se decidiram.
A (em plena mística). – Francamente não recordo
se aquela noite nos suicidamos.
:: SAMBA LELÊ TÁ DOENTE ::
comentário pertinente de Bruno Sassi
O Samba Lelê é um dos caras mais injustiçados
da história. O camarada já está de cama, com
a cabeça quebrada, e aqueles fascistas ainda dizem que ele
merece tomar palmadas. Já não chega? Não basta
ter de ficar internado? Precisa também se submeter aos seus
castigos reacionários? O que ele fez de tão mau para
vocês? E vocês, são santos ou o quê? Fariseus!
Hipócritas!
:: DE NOSSOS SAUDÁVEIS EDITORES ::
por Franz Kafka, em Contemplação
"Lá existem pessoas –
imaginem! – que não dormem!”
“E por que não?”
“Porque não ficam cansadas.”
“E por que não?”
“Porque são loucas.”
“Então os loucos não ficam cansados?”
“Como é que os loucos poderiam ficar cansados?”
:: "ENCHENDO A BURRA DE MOEDAS" ::
não creditarei a ninguém para não comprometer
a fonte.
...Ou também podemos fazer outro site, mais secreto, para que
ninguém visite, mas que divirta muito o homem que passa de
site em site vendo se tem pornografia infantil. Tem isso, não
tem? Digo, alguém que olha todos os sites do mundo. Não?
:: HISTÓRIA DE AMOR ::
por Paulo Bullar, que também não tem culpa
O menino e a menina se encontraram na entrada do cinema. "Que
bom que você veio", disse ela, seus olhos grandes e esquisitos.
Lindos. Ele sorriu amarelo, puxou uma faca e enfiou no braço
da menina. A faca lá ficou, o sangue brotando. A menina, surpresa,
seus olhos mais lindos do que nunca, retirou a faca devagar, com dificuldade,
e a devolveu pro menino, que pegou a arma e voltou a esfaqueá-la,
dessa vez na barriga, na região do baço. A menina suspirou,
melancólica, quase entediada, e puxou a faca novamente, uma
leve expressão de dor em seu rosto. O gesto levou alguns segundos,
pois a lâmina rasgava ainda mais sua carne quando era puxada,
e ela, é claro, praticava a operação com cautela.
A menina lhe devolveu a faca, sua blusa branca manchada de sangue.
O menino, a mão trêmula, esfaqueou novamente a menina,
dessa vez no fígado. Ela olhou para baixo, na direção
da ferida, e viu o sangue escorrendo lentamente. "Assim não
chegaremos a lugar nenhum", disse, esmorecida.
:: COMO PRAGUEJAR (COM CLASSE) ::
por Augusto dos Anjos, sugerido por Cleber Tavares
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
:: COMO PRAGUEJAR (SIMPLESMENTE) ::
por Felipe, do Quino
Hasta mis debilidades son más fuertes que yo.
:: CLASSIFICADOS ::
Leitor desesperado pede ajuda à Providência
Sou verde, anão, molengo, não tenho orelhas. Procuro
garotas em forma de kibe para relacionamento duradouro. Tratar com
Abdias.
:: DAS ÚNICAS COISAS QUE NÃO QUERO FAZER ::
por Leipziger Stadtanzeiger. Sim, ele de novo.
...Então me pus a pensar nos seus escritos, nas suas reflexões
relevantes e translações diárias em torno de
seu próprio eixo. Cheguei à conclusão de que
é este o tipo de coisa que distingue o gênio do simples
transeunte popular: a capacidade de usar o maior número de
símbolos possível sem que qualquer coerência seja
respeitada e tornando (brilhantemente) a comunicação
em todas as frases do texto algo equivalente a 0 (zero).
Você é bom nisso. Logo, devia entrar pro Sindicato dos
Notáveis e dedicar o resto da sua vida sendo um ermitão.
Pois saiba que eu sempre quis ser uma ermitã, sempre, mas nunca
contei pra ninguém. Passar os dias fazendo rabiscos antiquíssimos
na parede, pregando aos pássaros e aos peixes, morando em cima
de uma coluna e mudando de década em década apenas para
viver em outra mais alta. E trocar meu nome por uma série de
símbolos gregos, para que ninguém mais possa me encontrar
na Lista Telefônica (eles ligam. Eles sempre ligam. É
terrível). Como vc pode ver, a proposição "virar
ermitã" (com H seria melhor) não consta na lista
de impedimentos acima enumerados e ainda está em pauta. Contanto
que eu tenha um microondas e meias de lã, claro.
Mas vou embora, no momento, pois você tem que se acostumar a
se virar sozinho. Tem salsicha e frango cozido no congelador, não
se esqueça de colocar as crianças pra dormir antes das
5. Estou deixando uma porção de parênteses na
cômoda ))))))))))))))), para que você não tenha
que se preocupar em fechá-los quando escreve. Os parentes (os
seus) estão no armário. Descongele antes de fritar.
:: COMO PRAGUEJAR (SOZINHO) ::
por Miguelito, do Quino
...Yo diría que nos pusieramos todos contentos sin preguntar
porque.
:: DINHEIRO, EMPREGO E ADESIVOS AUTOCOLANTES AQUI ::
desculpa atrapalhar a viagem dos senhores
pinda yba (tupi) = estado de extrema penúria.
:: DESEJO DE SE TORNAR ÍNDIO ::
por Franz Kafka, em Contemplação
Se realmente se fosse um índio, desde logo alerta e, em cima
do cavalo na corrida, enviesado no ar, se estremecesse sempre por
um átimo sobre o chão trepidante, até que se
largou as esporas, pois não havia esporas, até que se
jogou fora as rédeas, pois não havia rédeas,
e diante de si mal se viu o campo como pradaria ceifada rente, já
sem pescoço de cavalo nem cabeça de cavalo.
:: DAS IDÉIAS QUE SE TEM NO 701-U::
sim, a publicidade é mesmo um ofício respeitável
....Para um fundo de investimentos cujo símbolo é a
picareta, voltado a clientes com menos de 2 reais de renda mensal:
Fundo do Poço. Aplique já e saia da Pinda Yba. (cenas
de uma família feliz dentro do carro, indo para um Hotel Fazenda
em Pinda Monhangaba)
...Para uma empresa telefônica: NÃO CORTE OS PULSOS antes
de conferir nossas promoções. (Assim, entre brusco e
brunesco.)
:: DA NOSSA TÉCNICA DE TRABALHO ::
J. L. Borges
Meu errante não fazer nada vive e se solta pela variedade da
noite.
:: BOLHINHAS DE AMOR ::
Quando a noção das coisas resolve se retirar do recinto,
de repente
Regue sua alma
Lave seu espírito
Com límpidas, translúcidas
Bolhinhas de amor.
:: EDITORIAL ::
por Margareth Mae Ascott III
Há alguns meses, este congruente fanzine transferiu sua Redação
para um edifício fumê na Praça Tito (s/n). O processo
foi feito às escondidas. A justificativa para a mudança
refere-se à descoberta de que nossos funcionários costumavam
passar suas tardes de trabalho a fazer experimentos com formigas superalimentadas,
tentando matá-las a grito ou a reflexos de lupa. Alguns utilizavam
água de queijo, mas sempre acabavam adoecendo ou ficando, sei
lá, esquisitos. Nos intervalos, editavam um ou outro zine mas
logo se enchiam e ocupavam-se em coisas mais úteis (tentar
matar as lesmas com fatias de batata cozida ou embebedar os caramujos
do quintal com Axe Conviction, por exemplo).
Nesta cômoda posição, assim instalados na artéria
cultural-fashion-econômica do país, conclui-se que doravante
será possível fazer o mesmo naipe de coisas úteis
de outrora -- mas agora em um local bonito --, além de podernos
cultivar nossa anti-sociabilidade com um número maior de pessoas
importantes, durante os intervalos da incineração. (Carbonização
e chamuscamento de todas as formigas da região, utilizando
o reflexo de nossas janelas fumê.)
Isso sem mencionar nossa recente greve e depredação
descontrolada (gratuita) pelas ruas do bairro, a fim de convencer
os proprietários da praça (sr. Tito, presumo) a construir
uma área verde no prédio para que possamos desenvolver
uma horta de catalupo transgênico, com o propósito único
e exclusivo de criar uma espécie que não durma tanto.
Isso tudo para declarar que
:: DAS NARRATIVAS CONVINCENTES
::
por Umberto Eco
Será que alguém pode dizer: “Era uma bela manhã
de fim de novembro” sem sentir-se Snoopy?
:: CONTO TORTO ::
por Paulo Jimenez, Don Viktor e André Deak
"Acontece que viveram mais do que esperavam. Muito mais. Tanto
que foram ficando, enquanto outros amigos e conhecidos tinham os olhos
cerrados por seus dedos velhos, outrora magicamente habilidosos.
Entre eles, sempre tentaram adivinhar de que mal sofreriam no caminho
derradeiro, ou como seria o fim de cada um, ou quem ficaria por redigir
o epitáfio de quem... Nunca passaram perto de acertar. Mas
de certa forma esperavam, secretamente, o momento de fechar as cortinas
– ou, no caso deles, a hora de fechar o bar.
Na verdade, sua travessia para o outro lado fora tão inexplicável
quanto grande parte de suas vidas. Talvez ninguém jamais soubesse
a verdade. Quem – e o quê – exatamente eram? Qual
o segredo de suas qualidades abomináveis e de seus defeitos
fascinantes? Eram sempre bem-humorados? Será que choravam?
E será que eles comeram mesmo todas as meninas que anunciavam?
Ninguém arriscaria um palpite. Os poucos que restaram para
lhes chorar os corpos vazios e concluir sua biografia já não
tinham a sanidade assim tão confiável, trocando nomes
e datas em suas fraldas geriátricas.
Por isso, mistérios como esses permanecerão insolúveis
e, dentre as dezenas de versões de suas histórias, haverá
as que os chamarão de heróis, as que os acusarão
de canalhas, as que carregarão lágrimas em cada menção
de seus nomes, e as que tentarão atirar ao lodo suas honras.
E conhecendo os três como eram, saber-se-ia que carregariam
a verdade consigo e, com um riso de escárnio, atirá-la-iam
às profundezas escuras do Rio da morte durante sua passagem.
E além das moedas que cada um cuspiria às mãos
de Carontes pela travessia em sua barcarola, haveria uma a mais –
a gorjeta – para comprar o segredo do barqueiro."
Triunfante, sacudia a folha para secar a tinta.
– Finalmente concluímos nossa autobiografia.
– Está meio modesta, mas vá lá.
– Como poderíamos publicar isso? Seria, fatalmente, um
best-seller.
– Será que esse negócio de psicografia funciona?
– Não sei. A gente nunca acreditou nisso.
– A gente nunca acreditou em nada, Paulo. E estamos aqui.
– ...
– O Viktor!
– O Viktor acreditava, é claro. Por isso hoje ele toca
sax na banda de anjos, tem hidromassagem...
– Não isso, Paulo. O Viktor deve conseguir realizar o
que pretendemos. Ele tem influência aqui.
Deixaram o casebre celestial e dirigiram-se aos Campos Elíseos,
que era onde o tal morava. Perto da entrada, em frente a um celestial
bar que servia drinks sofisticados e sem gosto (como quase tudo no
Céu), toparam com São Pedro.
– Cabrones!
– Seu Pedro! – uníssono.
– Como ides? Conteis as novas! – São Pedro gostava
deles. Era um desses velhos bonachões que dificilmente se divertem
e procuram nas pessoas bacanas as emoções que lhe faltam.
– Estamos com pressa, São Pedro. Vamos ao Viktor.
– Ah... Perda de tempo. Ele está em curso.
– Curso?!
– De "canonização". O Pai está
pleiteando uma vaga de santo para ele. Inclusive, eu estava levando
estas auréolas para os alunos do curso. – explicou o
Santo, pomposamente, enquanto exibia aquelas argolas douradas e reluzentes
presas ao seu notável molho de chaves
– Ih, coitado do Vitão!
– Oh, André!! – o semblante do velho Santo fechava
um pouco – Ser santo não é o fim do mundo. Há
uma série de vantagens nisso. Por exemplo: o Viktor terá
um dia de festa para ele na Terra. Poderá interferir na vida
de um ou de outro ser. E o melhor: poderá aparecer para algumas
pessoas, o que sempre dá notícia, está deveras
na moda. Sem contar que as regalias do Pai para os santos são...
um pouco mais generosas...
– Achei que ele tratasse todos igualmente.
– Argumento de perdedor – sussurrou o velho.
– Bom, mas se é assim, nós também queremos
ser santos. Que é que temos que fazer?
As gargalhadas de São Pedro ecoaram por milhas e milhas no
Céu.
– Vós sois muito divertidos, caras. Desde que o espírito
do Groucho reencarnou num técnico de elevadores, eu não
ria tanto... Vindes, sentemo-nos aqui e tomemos um aperitivo. Por
minha conta.
Algumas cervejas depois, as regalias da santidade ainda atiçavam
os dois espíritos.
– Então, Seu Pedro, não tem como arranjar uma
vaguinha de beato pra nós?
– Rapazes, rapazes... Não insistais com isso. O que vos
justificaria como santos?
– A justiça. – afirmou André.
– O amor. – completou Paulo.
Todos riram. Muito.
Então os dois tentaram de novo:
– Qual é, Pedrão, dá uma chance. Só
pra gente ficar com o nosso camarada Vitão... Nós já
viemos pro Céu, então somos bons, não é?
– Amigos... dizeis coisas boas, mas aqui os vossos pensamentos
transparecem... Tu, André, só o que sabes sobre santos
é que costuma-se derramar um gole da cachaça para eles;
algo, aliás, que nunca fizeste.
– E o desperdício? E o desperdício?! É
pecado, pô! – justificou, André, ajeitando a boina.
– E tu, Paulo, só queres a canonização
para ser beijado pelas mulheres mais puras.
– Que absurdo! Eu seria incapaz de discriminar as não
tão puras.
A insistência continuou sem êxito. Aí veio a idéia
de apelar:
– Olha, São Pedro, na verdade a gente não está
pedindo por nós, apenas, mas também pelo Viktor. Na
vida ele sempre ficou chateado por ser tão melhor que nós.
Chegava a ter faniquitos se insinuássemos isso. E até
que a gente tentou tratá-lo como um cara comum, um qualquer
amigo. Agora, se ele virar santo e nós não, vai se comprovar
o que sempre dissemos, e ele vai ficar deprimido, ou bravo, periga
até abdicar.
Diante dos bons argumentos dos amigos, São Pedro resolveu encerrar
o assunto:
– Compreendais, carinhas, mesmo que eu quisesse realizar a vossa
vontade, há uma série de outros problemas que me deixam
de mãos atadas, entendem?
– Por exemplo?
– Por exemplo: já existem santos com os vossos nomes.
São Paulo e Santo André. Já existem. E são
famosos, não dá nem pra fazer cambalacho. Diferente
de São Viktor, com "k" no meio, que é inédito;
e tem uma sonoridade boa, com apelo comercial e tudo.
– Podemos usar pseudônimos! – brilhou Paulo.
-- Isso! Boris e Aníbal, que tal? -- sugeriu André.
– Esqueçais, ok? Quando o Todo-Poderoso me deu estas
auréolas, deixou bem claro que eu não deveria jamais
usá-las sem propósitos plenamente justificados.
Encerrado o assunto, o papo ficou em torno de amenidades. André
reclamava que a comida era sem gosto e sem gordura, Paulo argüia
que as roupas eram todas muito compridas e sóbrias... Em algum
momento perguntaram a São Pedro se todos os santos falavam
assim como ele, formalmente, a que o Santo respondeu que “sim,
exceto o Todo-Poderoso, que gosta de falar que nem o Mussum”.
E assim a conversa foi passando despercebida.
Muito tempo – e muitas bebidas – depois, São Pedro
cantarolava, com sílabas moles, algum samba do Adoniran Barbosa
– “Trem das Onze”, parecia. E, aproveitando a deixa
do primeiro refrão, os dois amigos se despediram do parceiro
trôpego e foram embora. Na saída do bar, ainda passaram
uma cantada na garçonete – que era um anjo, literalmente.
São Pedro só deu pela falta de duas auréolas
em seu molho de chaves no dia seguinte, ao acordar com uma baita dor
de cabeça e sem lembrar de muita coisa. Daí foi o maior
auê: inquérito, ameaças, e o diabo a quatro (bem,
o Diabo, mesmo, tinha um álibi justo). Sobrou pro Paulo e pro
André, que negaram tudo até a morte e juraram por Deus
a inocência. A coisa só não ficou pior porque
o Viktor intercedeu e botou panos quentes no assunto, antes que o
Criador dissesse “Cacildis!”.
Acabou ficando por isso mesmo e, algum tempo depois, o bafafá
foi esquecido. Só restaram uns boatos estranhos sobre missas
para um tal São Boris, celebradas com vodka e amendoim em vez
de vinho e pão, e sobre o milagre da imagem de um tal Santo
Aníbal, que dizem aparecer em espelhos de boates e casas noturnas.
Boatos, boatos.
:: INGRESSOS AQUI! ::
provérbio indiano, ou algo do tipo
Senta-te à beira do rio e espera, o cadáver de teu inimigo
não tardará a passar.
:: SUGESTÃO MUSICAL DE HOJE ::
por Popão, in memorian
Hell Patrol (Judas Priest) -- Sensacional. Empolgante. Corinhos durante
o reeeeeefrãaaao (reeeeefráááaaao) e vocalistas
que descabam pra categoria "fininho" quando mais se espera.
"É como o livrinho do ursinho panda", disse alguém.
:: NUEVO!! ::
por Agka Agkundka, senhor dos dezessete portais de caruncho
Cara Srta. Dexter,
Venho, por meio desta, informar-lhe que o seu mundo é de mentira.
O de verdade está à venda nas melhores casas da região
por apenas R$ 9,90.
Não servindo, ou mudando de cor, a srta. pode trocá-lo
em até 7 dias.
Somos contra as práticas de spam.
(Isto não é um spam)
:: WHAT IS FNORD ::
não leia antes de
Fnord is the bucket where they keep the unused serifs for Helvetica.
:: OBSERVAÇÃO INOCENTE ::
ora, você é grandinho demais para ler os créditos
Gostaria de saber o que "singing" "opera" "loud",
para o Google, tem a ver com uma jardineira florida. Respostas para
a Redação.
:: CORRESPONDÊNCIA ::
e-mails reais, alcalinos e suspeitíssimos, interceptados por
um inocente nenúfar.
Caríssimo,
Recebi seu carregamento diário de rolhas. Rogo-lhe, por obséquio,
que da próxima vez embrulhe as mais roliças em plásticos
especiais, para que não escorreguem pelo caminho e causem acidentes
às pessoas que não forem malabaristas ou ursos de circo,
habituados a enfrentar situações monocíclicas
sapateando em cima de tubos. Sim, sim, eu guardo todos os nossos documentos
secretos, desde a época imemorial em que éramos sacerdotes
romanos vigiando árvores sagradas da deusa Diana, vagando pelos
bosques com nossas espadas para que não fôssemos substituídos
por outro sacerdote, que, matando-nos, poderia se apoderar da árvore
e roubar-lhe o ramo de ouro, iniciando então outro ciclo que...
Enfim, guardo todos os documentos, desde os mais primevos, em uma
pasta segura chamada "Não_mexa_aqui", dentro de outra
pasta denominada: "Vazio", que por sua vez está no
diretório F:\Coisas_secretas, no computador "Fnord"
que a mim pertence. Nos dias em que não há sobremesa,
um relâmpago atinge meus familiares, a tartaruga adoece ou mesmo
nos momentos de melancolia sem motivo aparente, costumo abrir tais
arquivos e é nessas horas que minha cadeira costuma desparafusar.
Mas vim para alertar-lhe de algo importante. Me responda, com sinceridade:
vc já notou alguma pessoa aparentemente normal, esquecível,
sem trejeitos típicos e nenhuma cicatriz na testa, vc já
notou alguém desse tipo aparecendo em locais diferentes da
sua vida, de tempos em tempos, e sumindo da maneira exata com que
apareceu? Por exemplo: no meu caso é o moço com cara
de Snoopy. Ou o moço com cara de pupi, como é chamado
nos meus relatórios sobre a Corporação. Pois
bem, o moço-Snoopy me persegue há anos, desde que eu
virei mocinha e o Corredor transformou-se em uma idéia em potencial
na minha mente já incoerente. Não sei se há relação
comprovada entre os fatos. Pois o puppy-guy apareceu algumas vezes
acocorado no banco alto do Lausane, tarde da noite; no terminal de
ônibus, um dia de manhã; numa travessa da Paulista; no
cinema; uma vez na fila do mercado; na feira; e um dia eu juro que
estava na rodoviária e o vi tentando embarcar no mesmo ônibus
que eu. Vi, sim, ah, se vi. Ele sempre me encara, atrapalhado, e some
inexplicavelmente; as estimativas sustentam que dali a 5 ou 6 semanas
ele deva surgir novamente, em outro lugar inusitado, com uma camiseta
da Oktoberfest, uma régua T na mão e sem qualquer desculpa
aprazível para sua presença naquele local. Segundo minhas
pesquisas, todo cidadão potencialmente perigoso possui um puppy
guy o perseguindo, em todos os momentos da vida (eles possuem táticas
especiais para espiar no banheiro, vc deve saber disso), e às
vezes se vc é mais insano do que o habitual pode até
possuir mais de um. No seu caso, dezenas deles. Eles te observam ininterruptamente
e produzem relatórios diários (enviados ao verdureiro
Eliseu, um dos agentes secundários da Corporação,
que embrulha rúculas com os papéis e vende-as para empresários
de terno preto e óculos escuros), e, bem, se vc é daqueles
que sobem a avenida saltitando e logo em seguida desce porque errou
o caminho, igualmente saltitando, mas meio sem-graça, em poucos
dias será visitado pela Receita Federal e talvez o puppy guy
tenha algo a ver com isso.
Agora faça uma coisa: pare de respirar, não pisque e
vire-se subitamente, o mais rápido q vc puder, para cima. Ou
para trás, ou para os lados, ou para baixo, ou para a diagonal,
ou para dentro. Se vc vislumbrar um par de olhos por um milésimo
de segundo, destrua o computador com um pontapé, calce os chinelos
e CORRA. Você ainda pode pegar o Puppy guy pelo cangote e descobrir
que é apenas o jardineiro aparando as begônias.
Fim do parêntese.
Bom, agora vou acordar a parte da minha mente que estava dormindo
até agora, para que ela possa me levar ao banheiro, escovar
meus dentes, dar boa noite pro Puppy Guy lá no quintal e me
levar para dormir, já que é tarde e eu já deixei
a incoerência brincando por tempo demais, aqui.
Espero poder vê-lo de novo antes dos meus trinta anos.
Beijo,
Tilápias.
ps: Eu não aguentaria ler este zine até aqui. Pode ir
pra casa agora, você já sofreu o bastante por hoje.