A Hortaliça

www.hortifruti.org

A idéia mais tola desde o bambolê.
Edição #046, de 19 de setembro de 2003.
Para nós, os quase mortos.
Enquanto você está aqui, sua casa pode estar pegando fogo.

hortalica@gmail.com
"Índio pelado pode"

 

FINALMENTE
 

Encontro-me em estado de graça. Acabo de descobrir, perdido em meio a toneladas de entulho arqueológico (no Tristram Shandy, para os mais detalhistas), um texto com o qual poderei maldizer a quem eu quiser, de maneira plena e completa, revestindo-me de um semblante similar ao daquele que estraçalha a cabeça de outrem com um taco de golfe (sem o inconveniente da polícia e da posição dos pés e braços para uma jogada perfeita). Finalmente. Não há uma só imprecação existente no mundo que não possa ser superada por esse precioso documento do Bispo Ernulphus (século XI), velho resmungão que deve ter sido extremamente feliz em seus praguejamentos pelo mundo afora. Pô-los-ei em prática, a partir de agora, e começarei pelo senhor vestido de abelha-operária ali no fundo.

"Pela autoridade de Deus Onipotente, do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e dos cânones santos, e da imaculdada Virgem Maria, mãe e protetora de nosso Salvador, e de todas as virtudes celestiais, arcanjos, anjos, tronos, dominações, potestades, querubins e serafins, e de todos os santos patriarcas, profetas, e de todos os apóstolos e evangelistas, e dos santos inocentes que, aos olhos do santo Cordeiro, são julgados dignos de cantar o novo cântico dos santos mártires e dos santos confessores, e das santas virgens, e de todos os santos juntos, com os santos e eleitos de Deus -- Nós os excomungamos e anatematizamos, e dos umbrais da santa Igreja de Deus Onipotente o apartamos, para que seja atormentado, vendido e entregue, juntamente com Datã e Abirã e todos aqueles que dizem ao Senhor: Afasta-te de nós, não desejamos nenhum dos teus caminhos. E assim como o fogo é extinto com água, assim também seja a luz dele apagada para sempre, a menos que isto o faça arrepender-se e oferecer reparação. Amém.

Que o Pai, criador do homem, o amaldiçoe. -- Que o Filho, o qual sofreu por nós, o amaldiçoe. -- Que o Espírito Santo, que nos foi dado no batismo, o amaldiçoe. -- Que a santa cruz a que Cristo, para nossa salvação, triunfando dos inimigos, subiu, o amaldiçoe.

Que a santa e eterna Virgem Maria, mãe de Deus, o amaldiçoe. -- Que São Miguel, o advogado das almas santas, o amaldiçoe. -- Que todos os anjos e arcanjos, dominações e potestades, e todos os exércitos celestiais o amaldiçoem.

Que são João, o pré-cursor, e são João Batista, e são Pedro e são Paulo, e santo André, e todos os apóstolos de Cristo, juntos, o amaldiçoem. E que os restantes de seus discípulos e os quatro evangelistas, que com sua pregação converteram o mundo universal, e que a santa e maravilhosa companhia dos mártires e dos confessores, que, com suas santas obras, se tornaram gratos ao Senhor Onipotente, o amaldiçoem.

Que o santo coro das virgens santas, que, para honrar a Cristo desprezaram as coisas do mundo, o maldigam. -- Que todos os santos que, desde o princípio do mundo até o tempo imperecível, se fizeram amados de Deus, o maldigam. -- Que os céus e a terra, e todas as coisas santas ali contidas, o amaldiçoem.

Que ele seja amaldiçoado onde quer que esteja, -- em casa ou nos estábulos, no jardim ou no campo, ou na estrada real ou na trilha, ou na floresta, ou na água, ou na igreja. -- Maldito seja vivendo ou morrendo. Maldito seja comendo e bebendo; quando esteja faminto ou sedento; jejuando, dormindo, dormitando, andando; estando em pé, sentado ou deitado; trabalhando, descansando, mijando,cagando e sangrando!

Maldito seja ele, maldito em todas as faculdades do seu corpo!

Maldito seja interna e externamente. -- Maldito seja nos cabelos da cabeça. -- Maldito seja no seu cérebro e no vórtice, nas têmporas, na fronte, nos ouvidos, nas sobrancelhas, nas faces, na mandíbula, nas narinas, nos dentes incisivos e molares, nos lábios, na garganta, nos ombros, nos pulsos, nos braços, nas mãos, nos dedos.

Maldito seja na boca, no peito, no coração e fressura, até o próprio estômago.

Maldito seja nos rins e nas virilhas, nas coxas, nas partes genitais e nas ancas, e nos joelhos, nas pernas, e pés, e unhas dos pés.

Maldito seja em todas as juntas e articulações dos seus membros, do topo da cabeça à sola dos pés; que não haja saúde nele.

Maldito seja, e que o céu, com todas as potestades que nele se movem, se levante contra ele, o maldiga e o dane, a menos que se arrependa e ofereça reparação. Amém. Que assim seja, -- que assim seja. Amém."



:: COMENTÁRIO AO EXCONJURO ACIMA ::

do Tio Toby, que posteriormente aparece em uma matéria da Superinteressante sobre hipotireoidismo

Declaro, disse o tio Toby, que meu coração não me deixaria maldizer com tamanha amargura ao próprio diabo.


:: EDITORIAL ::
ainda não atingimos os 7 milhões de leitores, a fim de alistar curiosos à Brigada de Busca Sem As Mãos (cf. #004)

Nos últimos dias, temos recebido inúmeros emails repetitivos com as edições #047, #048 e #050 deste zine que vos fala. Se você também recebeu essas cópias, não jogue-as fora -- são infinitamente melhores que as 46 anteriores. E não desbotam. Mas não viemos para dizer isso, não agora, já que precisamos pensar na edição #049 caso nossos plagiadores romenos se recusem a enviá-la antes de Dezembro. O que importa é que estamos pendurando as chuteiras. Sim. Hoje chegamos ao ponto alto de nossas mui distintas vidas em que a diversão resume-se a mastigar doces de diversas procedências e a martelar paredes com o objetivo único de incomodar os vizinhos. Depois de hoje, nada mais fará sentido -- a partir de agora, só decadência e mau cheiro.

Pois estávamos vagando de lá pra cá, olhando as prateleiras de um lugar sujo - quando vimos. Ele.
Sim.
Um livro.
E chamava-se "O Homem Que Confundiu Sua Mulher Com um Chapéu".
Nada mais havendo a tratar, encerro o presente editorial.


:: CORRESPONDÊNCIA n. 742/2001 ::
Lamentável, como de costume.

Comprei uma estante cor-de-rosa ontem. Estava andando na rua, mastigando fiapos de lã, e aconteceu aquela velha história: garota chuta pedras para passar o tempo, acerta um velhinho que vende churros, velhinho persegue moça, ela joga calda de caramelo fervente nos olhos dele, e pimba: eles se mudam pra Wyoming e compram uma concessionária de bananas-boat. Já vi isso milhares de vezes. Não vai acontecer de novo. Estava até começando a tornar-se enfadonho, então comprei uma estante cor-de-rosa para modificar meu destino e espantar os maus fluidos provenientes da perpendicularidade da estante de mogno com relação ao espelho alemão, como aconselham os grandes mestres do Feng Shui. Acontece que o vendedor acabou ignorando meus apelos metafísicos e deu-me uma estante de pessoas normais, de modo que precisarei adorná-la com toda espécie de fiapos para que eu não seja morta por um psicólogo compulsivo-obsessivo, como previsto no manual do Feng Shui, pp. 442-A, "Dos Que Desprezam o Equilíbrio das Cores". Não, não pare ainda, continue lendo.

Fiz uma pausa para martelar a parede por motivos gratuitos e acabei pensando com os meus botões. Antigamente, usávamos um abridor de latas em forma de atum para abrir as latas de molho de tomate. (Meu irmão gritou do quarto: "Extrato de Tomate!", e isso me assusta mto, mas vamos prosseguir como se nada tivesse acontecido e nenhum fruto tivesse sido evocado sem qualquer motivo, resultado da mente insana de um parente cosangüíneo inconveniente). Enfim. Eu abria as latas com um abridor parnasiano. Hoje existe uma argolinha nas tampas das latas para ser levantada e puxada com o dedo (inclusive o do pé), e as crianças não são mais felizes. Não podem mais machucar-se de propósito com a ponta afiada dos abridores de atum e sair na rua jorrando sangue pelas ventas, sem ao menos saberem onde ficam as tão propaladas ventas.

Vou deixar isso anotado aqui, e depois volto ao assunto. Estou escrevendo porque preciso de ajuda. Formalizei hoje mesmo um pedido de almofadões aqui em casa, que constava de 1 (hum) carregamento de puffs bufantes e macios, de cor lilás, junto a almofadões com estampas variadas, e entreguei pras autoridades da casa. Paralelamente, tenho outro problema: a plantação de mixiricas embaixo do colchão, descoberta recentemente pela fiscalização, mas não vou te dar muitas coisas para resolver porque você é diminuto e atarefado. O seu problema é o do almofadão. Gostaria que me informasse quantos metros cúbicos de ar deve ter um puff por dentro, para ser um legítimo e bufante puff, e onde posso comprar um almofadão higienizado e comestível, já que é um hábito íntimo meu mascar pedaços de almofadão quando as mixiricas acabaram por completo. Considerando tais pormenores, sua ajuda será de muita valia e até deixo-o preencher inúmeros cupons de pasta de dente que peguei na rua para distribuir entre os amigos e entes queridos, para que todos fiquem remotamente satisfeitos.

Por último: em uma escala de 8 a 4, quanto de sanidade você ainda acha que tem?
E que os vermes morram de fome - com os diabos.


:: OTIMISMO EM GOTAS ::
aforismos sábios do vovô Bukowski

I'd rather hear about a live American bum than a dead Greek God.


:: CAPÍTULO DOIS ::
pequena ementa ao menor conto da história

"Quando ele acordou, o dinossauro ainda estava lá."
Então ele deixou escapar um suspiro, trocou de lado e voltou a dormir.


:: INÍCIOS - AQUI ::
por uma míriade de robôs cegos, velhos e amargurados - nessa ordem

"...e, dizendo isso, beijou o poste com fúria cega, dizendo em seguida: 'mate-me, mate-me antes que a vida o faça!".

E morreu, acometida pelo tifo.

:: AQUELE ÍDOLO DE CORUJA TEM GOSTO BOM ::
Dedicado aos que ainda procuram pertinência nos títulos

No início, havia uma caixa. Imagine um jardim ou uma praça, com a grama rala e sem flores ou árvores – no centro deste lugar você pode inserir uma humilde caixa, pequena ou média, de papelão marrom com a inscrição “Este Lado Para Cima” virada ao contrário.

Por obra de alguma mente pândega ou devido a circunstâncias anteriores ao início deste parágrafo, dentro da caixa havia algo que se movia como uma pulguinha cardíaca. Ninguém estava por perto.

Era tarde e a caixa tombou ao chão, abrindo-se; dentro dela saiu um garotinho minúsculo, magro e vagamente neurótico, que rasgou o papelão e foi engatinhando, para frente e além.

O bebê tinha apenas fraldas, como manda a vasta literatura relacionada ao tema, e atravessou a praça, naquele andar de quatro patas, rebolando, babando e sendo um bebê.

Atravessou a rua e parou todos os carros, naquela engatinhação de mãos e de pés descalços, sempre carequinha e desajeitado, como convém a um representante da espécie. Chegou ao outro lado da rua e se deparou com

2.
Um buraco. Redondo. Inexplicável e atônito como um bebê mudo dentro de uma maldita caixa. Talvez tenha sido feito por algum bólido espacial incandescente, refletiu o pequeno, inclinando a cabeça e soltando bolinhas de baba, realmente confuso. Olhou para o buraco e tentou calcular o diâmetro e a profundidade. De súbito, ouviu berros e virou-se: a mãe estava na praça, a persegui-lo. Contornou o buraco e chegou a

3.
Um muro. Ó muro, tu que és tão forte, que tapas o sol que derrete o asfalto, livrai-me da minha mãe. Diante daquela prece, o muro – que tudo vê mas que pouco fala – afastou-se do caminho e deixou a pobre criança passar, sem antes cumprimentá-la pelo belo modelo de fraldas e a maneira displicente de dispor os não-dentes em torno de sua gengiva engraçada.

(tinha continuação, mas ninguém merece).

:: DO APOCALIPSE S. JOÃO ::
sempre bom reiterar coisas assim, de quando em quando

Porque não és frio nem quente: porque és morno, eu te vomitarei da minha boca.


:: DO NARIZ E O LATIM - PARTE I ::
Como manter uma conversação amistosa com Pio XII, acerca de narizes e suas prováveis metáforas

"Nihil me paenitet hujus nasi" - Este nariz não me desagrada
"Nec est cur paeniteat" - Não há razão para que te desagrade
"Nihil me alea ernulphus nasi" - Sem ele, eu nada seria
"Atque omnium alea virtutum nasi mirificus?" - E, com os diabos, como poderia malograr semelhante nariz?

:: ALGUÉM QUE TEM UMA VAGA NOÇÃO ETC ::
por T. M. Stevens, de óbvia ascendência romena

Levantou-se da cama e fez um círculo de giz azul no carpete. Ficou ali de cócoras, encarando-o com toda a seriedade do mundo. Não parecia haver nada de mais curioso neste mundo do que aquele círculo de giz em específico, bem no centro da sala.

Começou a cobrar ingressos: vinte e cinco centavos para ver o círculo, cinqüenta para falar com ele. Diríamos que encheu de gente, não fosse uma mentira; melhor seria afirmar que JJ cochilou no tapete durante três ou quatro dias. Não se sabe exatamente o que aconteceu nesse período; certo é que, quando JJ acordou, a casa estava vazia e o círculo tinha se transferido para o banheiro.

Abriu a porta com um ar de extrema importância e (finalmente) saiu para conversar com o terapeuta. Lá fora, as casas pareciam mais tortas.


:: NYLA MASTIGA AS BOTAS DE NANOOK PARA FICAREM MAIS MACIAS ::
De Steinbeck direto para A Hortaliça

Fica provado que nada é inútil, mesmo que assim pareça.


:: DA HORTALIÇA NA POESIA MODERNA ::
por Rodrigo Garcia Lopes, que não faço idéia de quem seja. O título não é dele, claro.

a solidão sempre aparece com beijos & bombons
a solidão faz visitas regulares a seus amigos íntimos
a solidão procura o inverno em pleno verão
a solidão brinca no mar com seus dedos de açúcar
a solidão vive sorrindo pra desconhecidos
a solidão ainda se emociona com filmes antigos na televisão
a solidão tem olhos escuros, a solidão tem olhos azuis
a solidão tem uma cerca branca com rosas e uma bicicleta
a solidão imagina gueixas cujos olhos são borboletas de vidro
a solidão é uma loucura e arrebata concursos de beleza
a solidão bebe em meu corpo seu próprio desespero
a solidão adora esconde-esconde e amarelinha
a solidão coleciona diários e discos do coltrane
a solidão usa pijamas de bolinhas e óculos quebrados
a solidão depois do sexo ainda se sente sozinha
a solidão e eu somos apenas bons amigos
a solidão corta meus pulsos com uma gilete de sal
depois sai chapada pelas ruas
com uma folha de alface na lapela


:: VENDEM-SE INÍCIOS ::
confeccionados por robôs velhos. Muito velhos.

...será chamado de Barbecue Bob, terá longas barbas ruivas e um futuro patético - profetizou a Fada Verde, apagando o cigarro no cotovelo.


:: E O INFERNO NÃO É ISSO? R-E-P-E-T-I-Ç-Ã-O ::
por F.G.T.S., a ameixa que queria ser má

Suponhamos que seja possível existir neste mundo três irmãs chamadas Calhas, Rufos e Coifas. Tomo esta liberdade sem qualquer constrangimento visível, especialmente após um inverno de 1987 que me presenteou com a história da Doisolhinhos, Tresolhinhos e Quatrolhinhos, trigêmeas que realmente possuíam o número de globos oculares pelo narrador invocados. Pois bem. Certa manhã, Calhas saiu de casa para ir à aula de dança e não voltou mais. Em linhas gerais, foi o que aconteceu, excetuando-se os detalhes do incidente matinal envolvendo Calhas e sua cafeteira a vapor, que francamente não têm nada a ver com a trama. A esperta Rufos logo tomou o caderninho de endereços e telefonou para os hospitais da cidade e para o padre Mouro, que fazia as vezes de serviço de informações local.

[aos que não conhecem o padre Mouro, consultar a seguinte passagem:

"...muito bem, crianças, enquanto esperamos a hora do lanche vamos ouvir a historinha do padre Mouro sobre o Inferno. A historinha do padre Mouro sobre o Inferno. Do padre Mouro sobre o Inferno. Do padre Mouro sobre o. Do padre Mouro sobre o Inf ]
Enquanto Rufos checava ao mesmo tempo com o Necrotério e o Disque Crianças Desaparecidas, a pobre Coifas estava sentada em um banquinho, telefone celular na mão, ligando para os senhores da letra A/Aab da lista telefônica endereços residenciais. Acreditava mesmo que estava sendo útil. Considerando o fato de que não se faz necessária a conclusão a contento da presente história, que parou de me interessar há um bocado, digamos que Rufos saiu correndo de casa para comprar páprica e espalhar pela casa, na esperança de que Calhas aparecesse para o jantar, e naquele mesmo instante a inocente Coifas entrou em contato com Aarão, filho de Barrabás (do volume seguinte), e este lhe confessou que estava prestes a fugir com Calhas para um lugar onde não houvesse telha alguma entre ambos; ao que Coifas respondeu "obrigada mesmo assim", riscando Aarão da lista e discando 555-7794, o número seguinte que pertencia ao Abade Mouro. (Deu ocupado.)

:: OBSERVAÇÃO COMPLEMENTAR ::
de alguém que anda por aí

Gostaria de ficar irremediavelmente louca de uma hora pra outra, a partir de AGORA.


:: AHH, O BLUES ::
trechos relevantes para serem citados à banca examinadora (mais sugestões para a Redação)

A -- o - oo - a- o - Eu não queria viver no Cairo - A - o -oo - a - o.

(Não, AGORA.)


:: IDÉIAS DE CATEGORIA EU-VI-PRIMEIRO ::
por JL Borges, em sua autobiografia

Todas as vezes em que algo desfavorável a mim é escrito, não apenas compartilho o sentimento mas julgo que poderia fazer o serviço muito melhor. Talvez eu deva aconselhar meus potenciais inimigos a enviar-me suas queixas antecipadamente, com total certeza de que receberão meu apoio e ajuda incondicionais. Inclusive já quis escrever secretamente, sob pseudônimo, uma crítica impiedosa contra mim mesmo.


:: OTIMISMO EM DRÁGEAS ::
o primeiro aforismo refere-se à Natação; o segundo, ao Tênis

1. "Segundo OBADIAH (1982), 'o melhor método de propulsão é nadar pra frente´".

2. "Em resumo: bater a bola por cima da rede não seria difícil se não houvesse a exigência de que ela deve cair na quadra (GALLWEY, 1996)."


:: O TÚNEL ::
por Ernesto Sábato

Em todo o caso havia um só túnel, obscuro e solitário: o meu, o túnel em que havia transcorrido minha infância, minha juventude, toda a minha vida. E num desses trechos transparentes do muro de pedra eu divisara esta mulher e crera ingenuamente que vinha do outro túnel paralelo ao meu, quando na realidade pertencia ao imenso mundo, ao mundo sem limites dos que não vivem em túneis; e talvez se tivesse acercado por curiosidade de uma de minhas estranhas janelas e entrevisto o espetáculo de minha irremediável solidão, ou lhe houvesse intrigado a linguagem muda, a chave do meu quadro. E então, enquanto eu avançava sempre pelo meu corredor, ela vivia lá fora sua vida normal, a vida agitada das pessoas que vivem do lado de fora, essa vida curiosa e absurda onde há bailes e festas e alegria e frivolidade. E às vezes sucedia que, quando eu passava defronte de uma de minhas janelas, ela estava esperando-me muda e ansiosa (por que esperando? e por que muda e ansiosa?); mas às vezes sucedia ela não chegar a tempo ou se esquecer deste pobre ser encarcerado, e então eu, com o rosto colado ao muro de vidro, via-a ao longe sorrir ou dançar despreocupadamente ou, o que era pior, não a via em absoluto e imaginava-a em lugares inacessíveis ou torpes. E então sentia ser o meu destino infinitamente mais solitário do que havia concebido.


:: PROPAGANDA EM UM VAGÃO DO METRÔ ::
de uma firma de seguros residenciais

"Enquanto você está aqui, sua casa pode estar pegando fogo".


:: POEMA PARALER EM VOZALTA ::
poeminhas bacanas do sr. Minúscula Minúscula Cummings

plato told

him:he couldn’
believe it(jesus

told him;he
wouldn’t believe
it)lao

tsze
certainly told
him,and general
(yes

mam)
sherman;
and even
(believe it
or

not)you
told him:i told
him;we told him
(he didn’t believe it,no

sir)it took
a nipponized bit of
the old sixth

avenue
el;in the top of his head:to tell

him


:: MAIS FRASES ÚTEIS PARA SEREM TATUADAS ::
por B. S., outra de nossas tantas invenções romenas

"O homem é o lobo do homem" - Mogli

"Ah, mãe, ervilha de novo?" - Mendel


:: IDÉIAS GRATUITAS ::
discussões a esmo, durante uma longa viagem de volta

Nome para uma revista = original e sonoro. Uma palavra só. Matadora. Que as pessoas ouçam e já identifiquem o produto em questão.
Idéia final:

FEZES.

:: MANDUCA, JAM COCTUM EST ::
Trecho de plano detalhista anotado ao pé de uma velha página (MEDO)

...Enquanto isso, os maquinistas jogavam sobre eles baldes de gema de ovo, urina de vaca, éter, carne de gado, pêssegos podres, pão preto e os cabelos de uma mulher de trinta e dois anos.


:: "MERDA", DISSE A MADRE SUPERIORA ::
mais um diálogo subutilizado pela literatura indie de alta costura

A. Conte-me algo nada plausível, por favor, para que eu possa acreditar.
(uma história sobre treze peixinhos cegos e sua Canção Para Derreter Camarões)
B. Posso te dar um trecho, embora o heliporto já estivesse cheio e Polly Ann agitasse enormes lanternas cor-de-laranja em seus braços. Nada que não pudesse ser modificado posteriormente pelo autor da história.
A. Dizia-se muito que teria liderado a maior comunidade gótica da América Latina ao suicídio coletivo por meio da ingestão inveterada de mamões verdes. Polly Ann relutava ao responder, mas dava de ombros e roía a unha do indicador direito, que já era deformado de tanta baba, por tantos anos.
B. Não, ela não recomendava que partissem as cascas antes de engoli-los, era o que afirmava a repórter do Post-Pittsburgh Gazette. Deixou-se levar pelos boatos e finalmente afogou-se em sua própria baba cáustica, mais por tédio que por outra coisa - Polly Ann odiava aquela cidade e cuspiu nos funcionários do heliporto, antes de levantar vôo com o dinheiro do seguro da casa ("enquanto você está aqui etc"). Decidiu tentar a sorte como vilã em um romance Júlia ou Bianca.
A. ...Mas se você tivesse que escolher entre a Lei e a Justiça?
B. Eu sou um legalista, mas, disseram em coro, já entediados.
B. "escolheria o sabão em pó", completou o gárgula e sua esposa.
A. "pois eu não falo inglês, falo brasileiro", disse o dono da Sebolândia, irritado.
B. E foi dançar.

:: AVISO ::
já que hoje estamos impregnados de shandices

A edição seguinte deste jornalzinho será a edição das AFTAS, a fim de manter algum tipo de nexo entre as minhas obras.


:: CORRESPONDÊNCIA ::
e-mails reais, alcalinos e suspeitíssimos, interceptados por um inocente nenúfar.

Criança de nuca quentinha,

Imagine uma luz branca entrando pelo seu dedão do pé e curando toda a sua dor.
Agora imagine que essa luz branca te dá coceiras pelo corpo todo, e que afinal ela não é uma luz, mas um bicho geográfico.

(Por apenas R$ 7,99 por dia você pode se livrar destes comentários estúpidos enviados ao seu email. De quebra, ainda fazemos mapa astral e curativos pós-operatórios. Pense nisso.)


EXPEDIENTE

Este Zine é impessoal, objetivo e imparcial. Computadores meticulosamente programados preenchem formulários, desenvolvem os textos, se emocionam, revisam e publicam a visão neutra e apolítica da coisa toda. O único responsável é a instituição "Da Redação".


... Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado (que vem logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido) - Stephanie A.

## Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque estava na lista de indivíduos manquitolas da lista negra dos Illuminati. Ou então, ou então! Você está recebendo o !!DAMN!! Zine porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis do mundo, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e Li-Ching-Yang. Caso não queira voltar a receber este monte de bobagens, mande um e-mail para vmbarbara@brfree.com.br, e escreva na linha de assunto: "Me deixem em paz, pelas barbas de Tutatis!". (Fnord keeps a spare eyebrow in his pocket.)

"Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que ri cuidado para que não babe".


God is coming.
Look busy.



2005 Vanessa Barbara