Encontro-me em estado de graça.
Acabo de descobrir, perdido em meio a toneladas de entulho arqueológico
(no Tristram Shandy, para os mais detalhistas), um texto com o qual
poderei maldizer a quem eu quiser, de maneira plena e completa, revestindo-me
de um semblante similar ao daquele que estraçalha a cabeça
de outrem com um taco de golfe (sem o inconveniente da polícia
e da posição dos pés e braços para uma
jogada perfeita). Finalmente. Não há uma só imprecação
existente no mundo que não possa ser superada por esse precioso
documento do Bispo Ernulphus (século XI), velho resmungão
que deve ter sido extremamente feliz em seus praguejamentos pelo mundo
afora. Pô-los-ei em prática, a partir de agora, e começarei
pelo senhor vestido de abelha-operária ali no fundo.
"Pela autoridade de Deus Onipotente, do Pai, do Filho e do Espírito
Santo, e dos cânones santos, e da imaculdada Virgem Maria, mãe
e protetora de nosso Salvador, e de todas as virtudes celestiais,
arcanjos, anjos, tronos, dominações, potestades, querubins
e serafins, e de todos os santos patriarcas, profetas, e de todos
os apóstolos e evangelistas, e dos santos inocentes que, aos
olhos do santo Cordeiro, são julgados dignos de cantar o novo
cântico dos santos mártires e dos santos confessores,
e das santas virgens, e de todos os santos juntos, com os santos e
eleitos de Deus -- Nós os excomungamos e anatematizamos, e
dos umbrais da santa Igreja de Deus Onipotente o apartamos, para que
seja atormentado, vendido e entregue, juntamente com Datã e
Abirã e todos aqueles que dizem ao Senhor: Afasta-te de nós,
não desejamos nenhum dos teus caminhos. E assim como o fogo
é extinto com água, assim também seja a luz dele
apagada para sempre, a menos que isto o faça arrepender-se
e oferecer reparação. Amém.
Que o Pai, criador do homem, o amaldiçoe.
-- Que o Filho, o qual sofreu por nós, o amaldiçoe.
-- Que o Espírito Santo, que nos foi dado no batismo, o amaldiçoe.
-- Que a santa cruz a que Cristo, para nossa salvação,
triunfando dos inimigos, subiu, o amaldiçoe.
Que a santa e eterna Virgem Maria, mãe de Deus, o amaldiçoe.
-- Que São Miguel, o advogado das almas santas, o amaldiçoe.
-- Que todos os anjos e arcanjos, dominações e potestades,
e todos os exércitos celestiais o amaldiçoem.
Que são João, o pré-cursor, e são João
Batista, e são Pedro e são Paulo, e santo André,
e todos os apóstolos de Cristo, juntos, o amaldiçoem.
E que os restantes de seus discípulos e os quatro evangelistas,
que com sua pregação converteram o mundo universal,
e que a santa e maravilhosa companhia dos mártires e dos confessores,
que, com suas santas obras, se tornaram gratos ao Senhor Onipotente,
o amaldiçoem.
Que o santo coro das virgens santas, que, para honrar a Cristo desprezaram
as coisas do mundo, o maldigam. -- Que todos os santos que, desde
o princípio do mundo até o tempo imperecível,
se fizeram amados de Deus, o maldigam. -- Que os céus e a terra,
e todas as coisas santas ali contidas, o amaldiçoem.
Que ele seja amaldiçoado onde quer que esteja, -- em casa ou
nos estábulos, no jardim ou no campo, ou na estrada real ou
na trilha, ou na floresta, ou na água, ou na igreja. -- Maldito
seja vivendo ou morrendo. Maldito seja comendo e bebendo; quando esteja
faminto ou sedento; jejuando, dormindo, dormitando, andando; estando
em pé, sentado ou deitado; trabalhando, descansando, mijando,cagando
e sangrando!
Maldito seja ele, maldito em todas as faculdades do seu corpo!
Maldito seja interna e externamente. -- Maldito seja nos cabelos da
cabeça. -- Maldito seja no seu cérebro e no vórtice,
nas têmporas, na fronte, nos ouvidos, nas sobrancelhas, nas
faces, na mandíbula, nas narinas, nos dentes incisivos e molares,
nos lábios, na garganta, nos ombros, nos pulsos, nos braços,
nas mãos, nos dedos.
Maldito seja na boca, no peito, no coração e fressura,
até o próprio estômago.
Maldito seja nos rins e nas virilhas, nas coxas, nas partes genitais
e nas ancas, e nos joelhos, nas pernas, e pés, e unhas dos
pés.
Maldito seja em todas as juntas e articulações dos seus
membros, do topo da cabeça à sola dos pés; que
não haja saúde nele.
Maldito seja, e que o céu, com todas as potestades que nele
se movem, se levante contra ele, o maldiga e
o dane, a menos que se arrependa e ofereça reparação.
Amém. Que assim seja, -- que assim seja. Amém."
:: COMENTÁRIO AO EXCONJURO ACIMA ::
do Tio Toby, que posteriormente aparece em uma matéria da Superinteressante
sobre hipotireoidismo
Declaro, disse o tio Toby, que meu coração não
me deixaria maldizer com tamanha amargura ao próprio diabo.
:: EDITORIAL ::
ainda não atingimos os 7 milhões de leitores, a fim
de alistar curiosos à Brigada de Busca Sem As Mãos (cf.
#004)
Nos últimos dias, temos recebido inúmeros emails repetitivos
com as edições #047, #048 e #050 deste zine que vos
fala. Se você também recebeu essas cópias, não
jogue-as fora -- são infinitamente melhores que as 46 anteriores.
E não desbotam. Mas não viemos para dizer isso, não
agora, já que precisamos pensar na edição #049
caso nossos plagiadores romenos se recusem a enviá-la antes
de Dezembro. O que importa é que estamos pendurando as chuteiras.
Sim. Hoje chegamos ao ponto alto de nossas mui distintas vidas em
que a diversão resume-se a mastigar doces de diversas procedências
e a martelar paredes com o objetivo único de incomodar os vizinhos.
Depois de hoje, nada mais fará sentido -- a partir de agora,
só decadência e mau cheiro.
Pois estávamos vagando de lá
pra cá, olhando as prateleiras de um lugar sujo - quando vimos.
Ele.
Sim.
Um livro.
E chamava-se "O Homem Que Confundiu Sua Mulher Com um Chapéu".
Nada mais havendo a tratar, encerro o presente editorial.
:: CORRESPONDÊNCIA n. 742/2001 ::
Lamentável, como de costume.
Comprei uma estante cor-de-rosa ontem. Estava andando na rua, mastigando
fiapos de lã, e aconteceu aquela velha história: garota
chuta pedras para passar o tempo, acerta um velhinho que vende churros,
velhinho persegue moça, ela joga calda de caramelo fervente
nos olhos dele, e pimba: eles se mudam pra Wyoming e compram uma concessionária
de bananas-boat. Já vi isso milhares de vezes. Não vai
acontecer de novo. Estava até começando a tornar-se
enfadonho, então comprei uma estante cor-de-rosa para modificar
meu destino e espantar os maus fluidos provenientes da perpendicularidade
da estante de mogno com relação ao espelho alemão,
como aconselham os grandes mestres do Feng Shui. Acontece que o vendedor
acabou ignorando meus apelos metafísicos e deu-me uma estante
de pessoas normais, de modo que precisarei adorná-la com toda
espécie de fiapos para que eu não seja morta por um
psicólogo compulsivo-obsessivo, como previsto no manual do
Feng Shui, pp. 442-A, "Dos Que Desprezam o Equilíbrio
das Cores". Não, não pare ainda, continue lendo.
Fiz uma pausa para martelar a parede por motivos gratuitos e acabei
pensando com os meus botões. Antigamente, usávamos um
abridor de latas em forma de atum para abrir as latas de molho de
tomate. (Meu irmão gritou do quarto: "Extrato de Tomate!",
e isso me assusta mto, mas vamos prosseguir como se nada tivesse acontecido
e nenhum fruto tivesse sido evocado sem qualquer motivo, resultado
da mente insana de um parente cosangüíneo inconveniente).
Enfim. Eu abria as latas com um abridor parnasiano. Hoje existe uma
argolinha nas tampas das latas para ser levantada e puxada com o dedo
(inclusive o do pé), e as crianças não são
mais felizes. Não podem mais machucar-se de propósito
com a ponta afiada dos abridores de atum e sair na rua jorrando sangue
pelas ventas, sem ao menos saberem onde ficam as tão propaladas
ventas.
Vou deixar isso anotado aqui, e depois volto ao assunto. Estou escrevendo
porque preciso de ajuda. Formalizei hoje mesmo um pedido de almofadões
aqui em casa, que constava de 1 (hum) carregamento de puffs bufantes
e macios, de cor lilás, junto a almofadões com estampas
variadas, e entreguei pras autoridades da casa. Paralelamente, tenho
outro problema: a plantação de mixiricas embaixo do
colchão, descoberta recentemente pela fiscalização,
mas não vou te dar muitas coisas para resolver porque você
é diminuto e atarefado. O seu problema é o do almofadão.
Gostaria que me informasse quantos metros cúbicos de ar deve
ter um puff por dentro, para ser um legítimo e bufante puff,
e onde posso comprar um almofadão higienizado e comestível,
já que é um hábito íntimo meu mascar pedaços
de almofadão quando as mixiricas acabaram por completo. Considerando
tais pormenores, sua ajuda será de muita valia e até
deixo-o preencher inúmeros cupons de pasta de dente que peguei
na rua para distribuir entre os amigos e entes queridos, para que
todos fiquem remotamente satisfeitos.
Por último: em uma escala de 8 a 4, quanto de sanidade você
ainda acha que tem?
E que os vermes morram de fome - com os diabos.
:: OTIMISMO EM GOTAS ::
aforismos sábios do vovô Bukowski
I'd rather hear about a live American bum than a dead Greek God.
:: CAPÍTULO DOIS ::
pequena ementa ao menor conto da história
"Quando ele acordou, o dinossauro ainda estava lá."
Então ele deixou escapar um suspiro, trocou de lado e voltou
a dormir.
:: INÍCIOS - AQUI ::
por uma míriade de robôs cegos, velhos e amargurados
- nessa ordem
"...e, dizendo isso, beijou o
poste com fúria cega, dizendo em seguida: 'mate-me, mate-me
antes que a vida o faça!".
E morreu, acometida pelo tifo.
:: AQUELE ÍDOLO DE
CORUJA TEM GOSTO BOM ::
Dedicado aos que ainda procuram pertinência nos títulos
No início, havia uma caixa. Imagine um jardim ou uma praça,
com a grama rala e sem flores ou árvores – no centro
deste lugar você pode inserir uma humilde caixa, pequena ou
média, de papelão marrom com a inscrição
“Este Lado Para Cima” virada ao contrário.
Por obra de alguma mente pândega ou devido a circunstâncias
anteriores ao início deste parágrafo, dentro da caixa
havia algo que se movia como uma pulguinha cardíaca. Ninguém
estava por perto.
Era tarde e a caixa tombou ao chão, abrindo-se; dentro dela
saiu um garotinho minúsculo, magro e vagamente neurótico,
que rasgou o papelão e foi engatinhando, para frente e além.
O bebê tinha apenas fraldas, como manda a vasta literatura relacionada
ao tema, e atravessou a praça, naquele andar de quatro patas,
rebolando, babando e sendo um bebê.
Atravessou a rua e parou todos os carros, naquela engatinhação
de mãos e de pés descalços, sempre carequinha
e desajeitado, como convém a um representante da espécie.
Chegou ao outro lado da rua e se deparou com
2.
Um buraco. Redondo. Inexplicável e atônito como um bebê
mudo dentro de uma maldita caixa. Talvez tenha sido feito por algum
bólido espacial incandescente, refletiu o pequeno, inclinando
a cabeça e soltando bolinhas de baba, realmente confuso. Olhou
para o buraco e tentou calcular o diâmetro e a profundidade.
De súbito, ouviu berros e virou-se: a mãe estava na
praça, a persegui-lo. Contornou o buraco e chegou a
3.
Um muro. Ó muro, tu que és tão forte, que tapas
o sol que derrete o asfalto, livrai-me da minha mãe. Diante
daquela prece, o muro – que tudo vê mas que pouco fala
– afastou-se do caminho e deixou a pobre criança passar,
sem antes cumprimentá-la pelo belo modelo de fraldas e a maneira
displicente de dispor os não-dentes em torno de sua gengiva
engraçada.
(tinha continuação, mas ninguém merece).
:: DO APOCALIPSE S. JOÃO
::
sempre bom reiterar coisas assim, de quando em quando
Porque não és frio nem quente: porque és morno,
eu te vomitarei da minha boca.
:: DO NARIZ E O LATIM - PARTE I ::
Como manter uma conversação amistosa com Pio XII, acerca
de narizes e suas prováveis metáforas
"Nihil me paenitet hujus nasi"
- Este nariz não me desagrada
"Nec est cur paeniteat" - Não há razão
para que te desagrade
"Nihil me alea ernulphus nasi" - Sem ele, eu nada seria
"Atque omnium alea virtutum nasi mirificus?" - E, com os
diabos, como poderia malograr semelhante nariz?
:: ALGUÉM QUE TEM UMA
VAGA NOÇÃO ETC ::
por T. M. Stevens, de óbvia ascendência romena
Levantou-se da cama e fez um círculo de giz azul no carpete.
Ficou ali de cócoras, encarando-o com toda a seriedade do mundo.
Não parecia haver nada de mais curioso neste mundo do que aquele
círculo de giz em específico, bem no centro da sala.
Começou a cobrar ingressos: vinte e cinco centavos para ver
o círculo, cinqüenta para falar com ele. Diríamos
que encheu de gente, não fosse uma mentira; melhor seria afirmar
que JJ cochilou no tapete durante três ou quatro dias. Não
se sabe exatamente o que aconteceu nesse período; certo é
que, quando JJ acordou, a casa estava vazia e o círculo tinha
se transferido para o banheiro.
Abriu a porta com um ar de extrema importância e (finalmente)
saiu para conversar com o terapeuta. Lá fora, as casas pareciam
mais tortas.
:: NYLA MASTIGA AS BOTAS DE NANOOK PARA FICAREM MAIS MACIAS
::
De Steinbeck direto para A Hortaliça
Fica provado que nada é inútil, mesmo que assim pareça.
:: DA HORTALIÇA NA POESIA MODERNA ::
por Rodrigo Garcia Lopes, que não faço idéia
de quem seja. O título não é dele, claro.
a solidão sempre aparece com beijos & bombons
a solidão faz visitas regulares a seus amigos íntimos
a solidão procura o inverno em pleno verão
a solidão brinca no mar com seus dedos de açúcar
a solidão vive sorrindo pra desconhecidos
a solidão ainda se emociona com filmes antigos na televisão
a solidão tem olhos escuros, a solidão tem olhos azuis
a solidão tem uma cerca branca com rosas e uma bicicleta
a solidão imagina gueixas cujos olhos são borboletas
de vidro
a solidão é uma loucura e arrebata concursos de beleza
a solidão bebe em meu corpo seu próprio desespero
a solidão adora esconde-esconde e amarelinha
a solidão coleciona diários e discos do coltrane
a solidão usa pijamas de bolinhas e óculos quebrados
a solidão depois do sexo ainda se sente sozinha
a solidão e eu somos apenas bons amigos
a solidão corta meus pulsos com uma gilete de sal
depois sai chapada pelas ruas
com uma folha de alface na lapela
:: VENDEM-SE INÍCIOS ::
confeccionados por robôs velhos. Muito velhos.
...será chamado de Barbecue
Bob, terá longas barbas ruivas e um futuro patético
- profetizou a Fada Verde, apagando o cigarro no cotovelo.
:: E O INFERNO NÃO É ISSO? R-E-P-E-T-I-Ç-Ã-O
::
por F.G.T.S., a ameixa que queria ser má
Suponhamos que seja possível existir neste mundo três
irmãs chamadas Calhas, Rufos e Coifas. Tomo esta liberdade
sem qualquer constrangimento visível, especialmente após
um inverno de 1987 que me presenteou com a história da Doisolhinhos,
Tresolhinhos e Quatrolhinhos, trigêmeas que realmente possuíam
o número de globos oculares pelo narrador invocados. Pois bem.
Certa manhã, Calhas saiu de casa para ir à aula de dança
e não voltou mais. Em linhas gerais, foi o que aconteceu, excetuando-se
os detalhes do incidente matinal envolvendo Calhas e sua cafeteira
a vapor, que francamente não têm nada a ver com a trama.
A esperta Rufos logo tomou o caderninho de endereços e telefonou
para os hospitais da cidade e para o padre Mouro, que fazia as vezes
de serviço de informações local.
[aos que não conhecem o padre Mouro, consultar a seguinte passagem:
"...muito bem, crianças, enquanto esperamos a hora do
lanche vamos ouvir a historinha do padre Mouro sobre o Inferno. A
historinha do padre Mouro sobre o Inferno. Do padre Mouro sobre o
Inferno. Do padre Mouro sobre o. Do padre Mouro sobre o Inf ]
Enquanto Rufos checava ao mesmo tempo com o Necrotério e o
Disque Crianças Desaparecidas, a pobre Coifas estava sentada
em um banquinho, telefone celular na mão, ligando para os senhores
da letra A/Aab da lista telefônica endereços residenciais.
Acreditava mesmo que estava sendo útil. Considerando o fato
de que não se faz necessária a conclusão a contento
da presente história, que parou de me interessar há
um bocado, digamos que Rufos saiu correndo de casa para comprar páprica
e espalhar pela casa, na esperança de que Calhas aparecesse
para o jantar, e naquele mesmo instante a inocente Coifas entrou em
contato com Aarão, filho de Barrabás (do volume seguinte),
e este lhe confessou que estava prestes a fugir com Calhas para um
lugar onde não houvesse telha alguma entre ambos; ao que Coifas
respondeu "obrigada mesmo assim", riscando Aarão
da lista e discando 555-7794, o número seguinte que pertencia
ao Abade Mouro. (Deu ocupado.)
:: OBSERVAÇÃO COMPLEMENTAR ::
de alguém que anda por aí
Gostaria de ficar irremediavelmente louca de uma hora pra outra, a partir
de AGORA.
:: AHH, O BLUES ::
trechos relevantes para serem citados à banca examinadora (mais
sugestões para a Redação)
A -- o - oo - a- o - Eu não queria viver no Cairo - A - o -oo
- a - o.
(Não, AGORA.)
:: IDÉIAS DE CATEGORIA EU-VI-PRIMEIRO ::
por JL Borges, em sua autobiografia
Todas as vezes em que algo desfavorável a mim é escrito,
não apenas compartilho o sentimento mas julgo que poderia fazer
o serviço muito melhor. Talvez eu deva aconselhar meus potenciais
inimigos a enviar-me suas queixas antecipadamente, com total certeza
de que receberão meu apoio e ajuda incondicionais. Inclusive
já quis escrever secretamente, sob pseudônimo, uma crítica
impiedosa contra mim mesmo.
:: OTIMISMO EM DRÁGEAS ::
o primeiro aforismo refere-se à Natação; o segundo,
ao Tênis
1. "Segundo OBADIAH (1982), 'o melhor método de propulsão
é nadar pra frente´".
2. "Em resumo: bater a bola por cima da rede não seria difícil
se não houvesse a exigência de que ela deve cair na quadra
(GALLWEY, 1996)."
:: O TÚNEL ::
por Ernesto Sábato
Em todo o caso havia um só túnel, obscuro e solitário:
o meu, o túnel em que havia transcorrido minha infância,
minha juventude, toda a minha vida. E num desses trechos transparentes
do muro de pedra eu divisara esta mulher e crera ingenuamente que vinha
do outro túnel paralelo ao meu, quando na realidade pertencia
ao imenso mundo, ao mundo sem limites dos que não vivem em túneis;
e talvez se tivesse acercado por curiosidade de uma de minhas estranhas
janelas e entrevisto o espetáculo de minha irremediável
solidão, ou lhe houvesse intrigado a linguagem muda, a chave
do meu quadro. E então, enquanto eu avançava sempre pelo
meu corredor, ela vivia lá fora sua vida normal, a vida agitada
das pessoas que vivem do lado de fora, essa vida curiosa e absurda onde
há bailes e festas e alegria e frivolidade. E às vezes
sucedia que, quando eu passava defronte de uma de minhas janelas, ela
estava esperando-me muda e ansiosa (por que esperando? e por que muda
e ansiosa?); mas às vezes sucedia ela não chegar a tempo
ou se esquecer deste pobre ser encarcerado, e então eu, com o
rosto colado ao muro de vidro, via-a ao longe sorrir ou dançar
despreocupadamente ou, o que era pior, não a via em absoluto
e imaginava-a em lugares inacessíveis ou torpes. E então
sentia ser o meu destino infinitamente mais solitário do que
havia concebido.
:: PROPAGANDA EM UM VAGÃO DO METRÔ ::
de uma firma de seguros residenciais
"Enquanto você está aqui, sua casa pode estar pegando
fogo".
:: POEMA PARALER EM VOZALTA ::
poeminhas bacanas do sr. Minúscula Minúscula Cummings
plato told
him:he couldn’
believe it(jesus
told him;he
wouldn’t believe
it)lao
tsze
certainly told
him,and general
(yes
mam)
sherman;
and even
(believe it
or
not)you
told him:i told
him;we told him
(he didn’t believe it,no
sir)it took
a nipponized bit of
the old sixth
avenue
el;in the top of his head:to tell
him
:: MAIS FRASES ÚTEIS PARA SEREM TATUADAS ::
por B. S., outra de nossas tantas invenções romenas
"O homem é o lobo do homem"
- Mogli
"Ah, mãe, ervilha de novo?"
- Mendel
:: IDÉIAS GRATUITAS ::
discussões a esmo, durante uma longa viagem de volta
Nome para uma revista = original e
sonoro. Uma palavra só. Matadora. Que as pessoas ouçam
e já identifiquem o produto em questão.
Idéia final:
FEZES.
:: MANDUCA, JAM COCTUM EST
::
Trecho de plano detalhista anotado ao pé de uma velha página
(MEDO)
...Enquanto isso, os maquinistas jogavam sobre eles baldes de gema
de ovo, urina de vaca, éter, carne de gado, pêssegos
podres, pão preto e os cabelos de uma mulher de trinta e dois
anos.
:: "MERDA", DISSE A MADRE SUPERIORA ::
mais um diálogo subutilizado pela literatura indie de alta
costura
A. Conte-me algo nada plausível,
por favor, para que eu possa acreditar.
(uma história sobre treze peixinhos cegos e sua Canção
Para Derreter Camarões)
B. Posso te dar um trecho, embora o heliporto já estivesse
cheio e Polly Ann agitasse enormes lanternas cor-de-laranja em seus
braços. Nada que não pudesse ser modificado posteriormente
pelo autor da história.
A. Dizia-se muito que teria liderado a maior comunidade gótica
da América Latina ao suicídio coletivo por meio da ingestão
inveterada de mamões verdes. Polly Ann relutava ao responder,
mas dava de ombros e roía a unha do indicador direito, que
já era deformado de tanta baba, por tantos anos.
B. Não, ela não recomendava que partissem as cascas
antes de engoli-los, era o que afirmava a repórter do Post-Pittsburgh
Gazette. Deixou-se levar pelos boatos e finalmente afogou-se em sua
própria baba cáustica, mais por tédio que por
outra coisa - Polly Ann odiava aquela cidade e cuspiu nos funcionários
do heliporto, antes de levantar vôo com o dinheiro do seguro
da casa ("enquanto você está aqui etc"). Decidiu
tentar a sorte como vilã em um romance Júlia ou Bianca.
A. ...Mas se você tivesse que escolher entre a Lei e a Justiça?
B. Eu sou um legalista, mas, disseram em coro, já entediados.
B. "escolheria o sabão em pó", completou o
gárgula e sua esposa.
A. "pois eu não falo inglês, falo brasileiro",
disse o dono da Sebolândia, irritado.
B. E foi dançar.
:: AVISO ::
já que hoje estamos impregnados de shandices
A edição seguinte deste
jornalzinho será a edição das AFTAS, a fim de
manter algum tipo de nexo entre as minhas obras.
:: CORRESPONDÊNCIA ::
e-mails reais, alcalinos e suspeitíssimos, interceptados por
um inocente nenúfar.
Criança de nuca quentinha,
Imagine uma luz branca entrando pelo seu dedão do pé
e curando toda a sua dor.
Agora imagine que essa luz branca te dá coceiras pelo corpo
todo, e que afinal ela não é uma luz, mas um bicho geográfico.
(Por apenas R$ 7,99 por dia você pode se livrar destes comentários
estúpidos enviados ao seu email. De quebra, ainda fazemos mapa
astral e curativos pós-operatórios. Pense nisso.)