A Hortaliça

www.hortifruti.org

Trocadilhos tolos e conduta absurda
Edição #056, de 15 de fevereiro de 2005.
(teus olhos são gritos demasiado redondos)

hortalica@gmail.com
qu'est-ce que je peux faire?, je ne sais pas quoi faire

 

"sol, nunca seca meu pranto
qui é preu refrescá meus pés"
(Elomar)

 

ERRAMOS
 

A edição #055, como as anteriores, foi gerada por trezentas e quinze vacas que se arranjaram a esmo e montaram belíssimos textos com as palavras rabiscadas em seus lombos. Ora, todos nós sabemos que bovinos, asininos, bubalinos e muares -- sobretudo os paisagistas -- não são criaturas confiáveis, de modo que nossas escribas se esqueceram de duas coisas:

1. de creditar a descoberta do fenômeno Witzelsucht ao cavalheiro Alexandre Barbosa -- o que, pensando bem, não passa de prova inequívoca da sabedoria láctea (desculpe, não sei o adjetivo referente a vacas), já que a respeito da existência de Alexandre Barbosa tem-se apenas uma foto antiga em que ele segura um púcaro pelas orelhas, obviamente forjada por um lambe-lambe com más intenções.

2. de mencionar, assim, como quem não quer nada, um samba-exaltação composto por Emilio Fraia e Tranqüilo, de nome "Carneirinho do Samba". Consiste na seguinte estrofe:

Vai,
Carneirinho,
baliiindo.

Não sei bem se gostaríamos de saber o resto.

Dito isto, esperamos que desta vez as vacas se enfileirem a contento (sujeito-verbo-predicado) ou ao menos formem algo digno, como uma edição bilíngüe de O Que Podemos Aprender Com os Gansos, toda em palíndromo.


:: FOI DEMAIS PARA KUDNO MOJESIC ::
Sunday Mirror, 11/1/76

Foi demais para Kudno Mojesic. Ele foi preso na rua do lado fora de sua casa em Belgrado atacando carros com um machado, gritando "acabem com todos os carros, eles são obra do diabo!".


:: PONTO FINAL DIGITATION & EMBROMATION INC. ::
para citar em trabalhos de Nutrição

Segundo Lebowitz, "a comida é uma parte importante de qualquer dieta balanceada" (1996, p. 15).


:: QUANDO FORES VELHA ::
Yeats, que também mal podia esperar

Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas;

Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;

Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou
E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.

:: DIGA A PALAVRA "CONVÉS" E GANHE 10% DE DESCONTO ::
Amazing Balls, O Fantástico Planeta das Bolinhas
(11) 6283-5251

É a maior piscina de bolinhas da América Latina, com 310.000 bolinhas, tubos, tobogans, pontes, cama elástica e muita diversão com toda a segurança, pois há uma equipe de monitores treinados e estrategicamente posicionados por toda a área, que auxiliam e orientam a brincadeira (a fim de que ninguém engula ninguém).


:: MEANING OF LIFE::

Monty Python

Waiter: Good evening! Uhh, would you care for something to... talk about?
Mr. Hendy: Oh, that would be wonderful.
Waiter: Our special tonight is minorities!
Mr. Hendy: Ohh, that sounds real interesting.
Mrs. Hendy: Um, what's this conversation here?
Waiter: Uh, that's 'football'. There you can talk about the Steelers-Bears game this Saturday, or you could, uh, reminisce about really great World Series.
Mrs. Hendy: No, no, no, no.
Mr. Hendy: What is this one here?
Waiter: Uhh, that's 'philosophy'.
Mrs. Hendy: Is that a sport?
Waiter: Aah, no, it's more of an attempt to, uh, construct a viable hypothesis to, uh, explain the meaning of life.
Mrs. Hendy: Oh, that sounds wonderful. Would you like to talk about the meaning of life, darling?
Mr. Hendy: Sure. Why not?
Waiter: Philosophy for two?
Mr. Hendy: Right.
(...)
Waiter: so why don't I give you these, uh, conversation cards? They'll tell you a little about philosophical method, names of famous philosophers.. -- Uh, there you are. Have a nice conversation!
Mr. Hendy: Oh, thank you. Thank you very much.
Mrs. Hendy: Oh! I never knew Schopenhauer was a philosopher!
Mr. Hendy: Oh, yeah! He's the one that begins with an 'S'.
Mrs. Hendy: Oh.
Mr. Hendy: Umm, like, uh, 'Nietzsche'.
Mrs. Hendy: Does 'Nietzsche' begin with an 'S'?
Mr. Hendy: Uh, there's an 's' in 'Nietzsche'.
Mrs. Hendy: Oh, wow. Yes, there is. Do all philosophers have an 's' in them?
Mr. Hendy: Uh, yeah! I think most of 'em do.
Mrs. Hendy: Oh. Does that mean Selina Jones is a philosopher?
Mr. Hendy: Yeah! Right! She could be! She sings about the meaning of life.
Mrs. Hendy: Yeah. That's right, but I don't think she writes her own material.
Mr. Hendy: No. Oh, maybe Schopenhauer writes her material.
Mrs. Hendy: No. Burt Bacharach writes it.
Mr. Hendy: But there's no 's' in 'Burt Bacharach'.
Mrs. Hendy: Or in 'Hal David'.
Mr. Hendy: Who's Hal David?
Mrs. Hendy: He writes the lyrics. Burt just writes the tunes, only now, he's married to Carole Bayer Sager.

Mr. Hendy: Oh, waiter. This conversation isn't very good.
Waiter: Oh, I'm sorry, sir! Uhh, we do have one today that's not on the menu. It's sort of a specialty of the house, you know: 'Live Organ Transplants'.


:: FAZ UM TEMPÃO QUE NÃO CITAMOS COMODANTES ::
disse BP

Não saia de Abrantes antes que jantes.


:: JAVA ::
tango do J. Cortázar

Nos quedaremos solos y será ya de noche.
Nos quedaremos solos mi almohada y mi silencio
y estará la ventana mirando inútilmente
los barcos y los puentes que enhebran sus agujas.

Yo diré: Ya es muy tarde.
No me contestarán ni mis guantes ni el peine,
solamente tu olor, tu perfume olvidado
como una carta puesta boca abajo en la mesa.


:: LEI QUE PERMITE ANDAR NU PELAS RUAS ENTRA EM VIGOR ::
01/09/2004

A partir desta quarta-feira, dia 1 de setembro, qualquer cidadão terá o direito de andar nu pelas ruas da cidade de Barcelona, na Espanha. A medida, aprovada pela prefeitura da cidade, tende a "fomentar o respeito do cidadão à liberdade de indumentária”.


:: A GORDURA SAI E O SABOR FICA! ::
de Al Cunha

É preciso tecer algum comentário sobre a notícia anterior, aliás, é preciso fazer observações construtivas a respeito dos assuntos que nos são diariamente colocados à apreciação -- infelizmente, os únicos cartões de conversa que temos no cardápio se referem a técnicas de refrigeração industrial (com ênfase em calhas, rufos e coifas) e Manuel Bandeira: "não te doas do meu silêncio/ estou cansado de todas as palavras". De modo que, com licença.


:: MINIMA MORALIA ::
Theodor Adorno

O diálogo ocasional com o homem no comboio, que, para não desembocar em disputa, consente apenas numas quantas frases a cujo respeito se sabe que não terminarão em homicídio, é já um elemento delator; nenhum pensamento é imune à sua comunicação, e basta já expressá-lo num falso lugar e num falso acordo para minar a sua verdade.


:: DICAS PRÁTICAS PARA PROTEGER SEUS PENSAMENTOS ::
ou: como evitar a leitura de mentes usando um rolo de papel alumínio

A thin coat of alien-protectant material known to prevent mind reading known as tin-foil: http://www.serversunderthesun.com/tin/.

Assim evitamos nossa transformação em algo semelhante a isto: http://dickcream.com/tandem/, com a mesma trilha sonora. Ou, pior, isto: http://www.hampsterdance2.com/classorig.html, que fará seus miolos fritarem. (já os Dadás optariam por algo
mais construtivo: http://www.newgrounds.com/assassin/hamster)


:: POEMA ::
Fernando Pessoa

O que é feito dos propósitos perdidos, e dos sonhos impossíveis?
E por que é que há propósitos mortos e sonhos sem razão?
Nos dias de chuva lenta, contínua, monótona, uma,
Custa-me levantar-me da cadeira onde não dei por me ter sentado,
E o universo é absolutamente oco em torno de mim.


:: PEDRO ::
Raduan Nassar, apud Flavio Lobo

Pedro, eu dizia muitas vezes existe um silêncio fúnebre em tudo que corre, vai uma alquimia virtuosa nessa mistura insólita, como é possível tanto repouso nesse movimento? eu pensava muitas vezes que eu não devia pensar, que nessa história de pensar eu já tinha o meu contento, me estrebuchando na santa bruxaria do infinito, por isso eu pensava muitas vezes que o meu caminho não era de eu pensar, e que não devia ser esse o meu vezo na correnteza, eu devia, isto sim, eu devia quando muito era apoiar a nuca num travesseiro de espumas, deitar o dorso numa esteira de folhas, fechar os olhos, e, largado na corrente, minhas mãos ativas que se deixassem roçar em abandono por colônias de algas, pelos dejetos à tona e o lodo espesso, mas eu me permitia uma e outra vez sair frivolamente desse meu sono e me perguntar para onde estou sendo levado um dia?


:: HOJE CEDO ::

Um cinco um.

Ganhou do Guilherme três dados de bordas arredondadas que faziam barulho genuíno de dados quando em superfícies rugosas. Passou a carregá-los no bolso, junto com pedrinhas, gravetos e sanduíches de chancliche. Hoje cedo, encostou no balcão e pediu um quindim, por favor, depois tirou-os do bolso. Um cinco um. Mastigou um pouco e jogou novamente. Cinco cinco um. Achou engraçado -- até a hora do um um um. Olhou para os lados, mas ninguém estava vendo.

Um um um.

O Bruno chegou adiantado, como sempre, mais exatamente uns dois dias antes do horário marcado. Decidiu recobrar a calma e sentou naqueles bancos altos (demais), apoiando o cotovelo à mesa com certa dificuldade. Perguntou quanto tava o jogo do Flu só por perguntar, pediu um picolé de banana, enrolou mais um pouco. Era hora de sacar novamente os dados do bolso, que assim não podia ficar. Cinco um um. Melhor jogar aos poucos, um dado de cada vez: cinco. Suspirou, fechou os olhos, cinco de novo (me vê uma água), e depois um.

Quis chorar, mas continuou mastigando.

Após uns minutos em que certamente o planeta apresentou um movimento de translação mais lento, lá fora Guilherme passeava a esmo e viu o amigo sozinho no balcão da padaria, desoladíssimo, soterrado por uma montanha de canudinhos mascados ao lado do pires de quindim e de três dados cor de laranja. Tinham marcado à noite, e ainda era de manhã. "E aí, cara, beleza?"

- É.
- Como é que tá?
- Meio mal, cara, meio mal.

Guilherme ficou esperando. Morte na família? Problemas de pele? Mosca no quindim? Nada.

- É, não tá fácil. - e bebeu um gole d'água.

Silêncio. Resolveu recorrer ao clima: São Paulo era uma cidade que nunca dormia, tinha as quatro estações num dia só, o Maluf põe a Rota na rua, enfim. Guilherme falou da vida, do amor, dos cinamomos e Bruno continuava invariavelmente calado, sentindo o rim esquerdo que sacolejava em busca de um lugar melhor para se acomodar, aquela angústia ardida, vontade de cuspir. Isso era comum em CNTP brunesca, mas agora (sinto muito) não havia mais onde guardar tanto segredo. A sala do almoxarifado mastigava com a boca cheia de vassouras, no fígado a lotação sugerida se entupia de coisas que ele não havia conseguido vomitar pra ninguém: por exemplo, o Bruno não sabia ver as horas em relógio de ponteiro, e mesmo assim usava um genuíno Bolex de números romanos. Alguém sempre perguntava as horas e ficava esperando, quinze pras... oito.. dez.. nove... quinze pras nove. É, quinze pras nove. Ele demorava tanto que já tinha nascido o sol. O diabo era quando andava na rua e um apressado vinha na direção oposta, a perguntar "que horas são?". O cara impaciente, todo mundo olhando, a moça da sacola com um sorrisinho sarcástico. Oito.. doze... dezessete para as... -- toma, vê aí. O Bruno não sabia consultar as horas em relógio de ponteiro e isso carcomia seu fígado.

E digo mais: ninguém ia entender se ele contasse.

Cinco cinco cinco

O Bruno também odiava gosto de água, já que entramos no assunto. Ele ia na casa dos outros e até freqüentava o filtro, mas não contava pra ninguém que não gostava de beber.. água. Sobretudo limpa. Um dia ele tentou confessar para o Guilherme numa mesa de bar, foi mais ou menos assim: "Por que você foi embora da festa?", ao que respondeu, "Sei lá, não gosto muito de água".

- Quê?
- Água. Tem gosto ruim.

O amigo deu risada, jogou o cabelo pra trás e acendeu um cigarro. O Bruno, quase chorando, apertava os pés por baixo da mesa e encarava o piso de sinteco. Naquela noite, foi a pé pra casa enquanto o Guilherme juntava mesas com o Fumaça, o Joca e o Cabelo, que no dia seguinte foram perguntar por que é que ele não gostava de água. Mas que absurdo. Deve ter tido uma infância triste, é problema da figura materna, falha de caráter, entenda bem, não estamos reprovando a sua decisão. Mas, não gostar de água?!

Um cinco um

Por isso ele deveria contar tudo, de uma vez só, para não passar o resto da noite de barriga pra cima caçando moscas e escutando os grilos, numa desolação de ator-mirim em filme existencialista. Ele poderia começar: "Gui, por favor não ri do que eu vou falar", ou então já derrotado: "eu sei que você vai achar idiota, mas olha só". Passou três horas na padaria comendo quindim atrás de quindim, sem falar grande coisa. O Guilherme, talvez por gentileza, não manifestava o desejo de ir embora, mas sempre perguntava as horas. Às vezes o Bruno não pensava mais naquilo, nem na água ou no relógio de ponteiros, até engatava uma conversa sobre construção amadora de veleiros, sei lá, polipropileno e vigas de sustentação. Mas sempre voltava a sentir um deslocamento de três passos à esquerda; ele pensava em colocar os dados na mão do amigo e dizer: joga. Ou então escrever uma carta, "é loucura, eu sei, mas...".

Ou podia desistir: nunca mais encontrar almaviva, botar fogo nos dados, ir viver no topo de uma coluna na Síria. Fingir que não se importava. Ficar amigo do Joca e do Cabelo, beber muita água, passar três dias aprendendo a ler ponteiros. Comprar um carro, um telefone celular, uma bermuda florida. Freqüentar lugares mais iluminados. Pentear o cabelo, fugir. Ou então contar tudo -- desde o primeiro dia da Criação --, enumerar os motivos em itens, dizer que um velho da rua de baixo morreu engasgado com as pelotas do mingau, enrolar, fazer parecer que nem é tão importante, voltar atrás, dizer que é questão de vida ou morte, arrumar um padre, escrever um blog, tatuar nas costas "eu odeio água, eu não sei dirigir, gosto de filme mudo e há oito dias não consigo tirar outro resultado nos dados", talvez um grupo de apoio - "olá, meu nome é Bruno e eu quero um abraço".

Cento e cinqüenta e um

Daí o Cabelo chegou com o Joca e as meninas, sentou e ficou falando sobre água com gás, água de Vichy e água oxigenada, e mesmo se todo mundo fosse embora, o Bruno (sabia que) não teria coragem de dizer nada ao Guilherme. Difícil. Nem se eles sobrevivessem ao Cataclisma Nuclear sozinhos e passassem o resto da vida boiando em um pedaço de isopor. Embrulhou o quindim para viagem, tirou uma seqüência cinco-um-cinco e saiu; deixou os dados no balcão.


EDIÇÕES ANTERIORES

Este jornalzinho é impessoal, objetivo e imparcial. Computadores meticulosamente programados preenchem formulários, desenvolvem os textos, se emocionam, revisam e publicam a visão apolítica da coisa toda. Afinal de contas, a parte da primeira parte sempre foi conhecida neste contrato como a parte da primeira parte.



... Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado -- logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido (Stephanie A.)

## Você está recebendo !!Witzelsucht!! (saúde) porque estava na lista de indivíduos manquitolas da lista dos Illuminati. Ou então, ou então! Você está recebendo o !Rododendro! porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os existentes, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e o To Fu, que ganhou o direito de trazer um tufo de nenúfares e furar a fila (desculpe). Caso não queira voltar a receber este jornalzinho asseado, mande um e-mail para vmbarbara@terra.com.br, e diga na linha de assunto: "Foi demais para Kudno Mojesic", mesmo que você não seja -- e nem planeje ser -- Kudno Mojesic. (Fnord keeps a spare eyebrow in his pocket.)

Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que ri cuidado para que não babe.


God is coming.
Look busy.



2005 Vanessa Barbara