A edição #055, como
as anteriores, foi gerada por trezentas e quinze vacas que se arranjaram
a esmo e montaram belíssimos textos com as palavras rabiscadas
em seus lombos. Ora, todos nós sabemos que bovinos, asininos,
bubalinos e muares -- sobretudo os paisagistas -- não são
criaturas confiáveis, de modo que nossas escribas se esqueceram
de duas coisas:
1. de creditar a descoberta do fenômeno Witzelsucht ao cavalheiro
Alexandre Barbosa -- o que, pensando bem, não passa de prova
inequívoca da sabedoria láctea (desculpe, não
sei o adjetivo referente a vacas), já que a respeito da existência
de Alexandre Barbosa tem-se apenas uma foto antiga em que ele segura
um púcaro pelas orelhas, obviamente forjada por um lambe-lambe
com más intenções.
2. de mencionar, assim, como quem não quer nada, um samba-exaltação
composto por Emilio Fraia e Tranqüilo, de nome "Carneirinho
do Samba". Consiste na seguinte estrofe:
Vai,
Carneirinho,
baliiindo.
Não sei bem se gostaríamos de saber o resto.
Dito isto, esperamos que desta vez as vacas se enfileirem a contento
(sujeito-verbo-predicado) ou ao menos formem algo digno, como uma
edição bilíngüe de O Que Podemos Aprender
Com os Gansos, toda em palíndromo.
:: FOI DEMAIS PARA KUDNO MOJESIC ::
Sunday Mirror, 11/1/76
Foi demais para Kudno Mojesic. Ele foi preso na rua do lado fora de
sua casa em Belgrado atacando carros com um machado, gritando "acabem
com todos os carros, eles são obra do diabo!".
:: PONTO FINAL DIGITATION & EMBROMATION INC. ::
para citar em trabalhos de Nutrição
Segundo Lebowitz, "a comida é uma parte importante de
qualquer dieta balanceada" (1996, p. 15).
:: QUANDO FORES VELHA ::
Yeats, que também mal podia esperar
Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas;
Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;
Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou
E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.
:: DIGA A PALAVRA "CONVÉS"
E GANHE 10% DE DESCONTO ::
Amazing Balls, O Fantástico Planeta das Bolinhas
(11) 6283-5251
É a maior piscina de bolinhas da América Latina, com 310.000
bolinhas, tubos, tobogans, pontes, cama elástica e muita diversão
com toda a segurança, pois há uma equipe de monitores
treinados e estrategicamente posicionados por toda a área, que
auxiliam e orientam a brincadeira (a fim de que ninguém engula
ninguém).
:: MEANING OF LIFE::
Monty Python
Waiter: Good evening! Uhh, would you care for something to... talk about?
Mr. Hendy: Oh, that would be wonderful.
Waiter: Our special tonight is minorities!
Mr. Hendy: Ohh, that sounds real interesting.
Mrs. Hendy: Um, what's this conversation here?
Waiter: Uh, that's 'football'. There you can talk about the Steelers-Bears
game this Saturday, or you could, uh, reminisce about really great World
Series.
Mrs. Hendy: No, no, no, no.
Mr. Hendy: What is this one here?
Waiter: Uhh, that's 'philosophy'.
Mrs. Hendy: Is that a sport?
Waiter: Aah, no, it's more of an attempt to, uh, construct a viable
hypothesis to, uh, explain the meaning of life.
Mrs. Hendy: Oh, that sounds wonderful. Would you like to talk about
the meaning of life, darling?
Mr. Hendy: Sure. Why not?
Waiter: Philosophy for two?
Mr. Hendy: Right.
(...)
Waiter: so why don't I give you these, uh, conversation cards? They'll
tell you a little about philosophical method, names of famous philosophers..
-- Uh, there you are. Have a nice conversation!
Mr. Hendy: Oh, thank you. Thank you very much.
Mrs. Hendy: Oh! I never knew Schopenhauer was a philosopher!
Mr. Hendy: Oh, yeah! He's the one that begins with an 'S'.
Mrs. Hendy: Oh.
Mr. Hendy: Umm, like, uh, 'Nietzsche'.
Mrs. Hendy: Does 'Nietzsche' begin with an 'S'?
Mr. Hendy: Uh, there's an 's' in 'Nietzsche'.
Mrs. Hendy: Oh, wow. Yes, there is. Do all philosophers have an 's'
in them?
Mr. Hendy: Uh, yeah! I think most of 'em do.
Mrs. Hendy: Oh. Does that mean Selina Jones is a philosopher?
Mr. Hendy: Yeah! Right! She could be! She sings about the meaning of
life.
Mrs. Hendy: Yeah. That's right, but I don't think she writes her own
material.
Mr. Hendy: No. Oh, maybe Schopenhauer writes her material.
Mrs. Hendy: No. Burt Bacharach writes it.
Mr. Hendy: But there's no 's' in 'Burt Bacharach'.
Mrs. Hendy: Or in 'Hal David'.
Mr. Hendy: Who's Hal David?
Mrs. Hendy: He writes the lyrics. Burt just writes the tunes, only now,
he's married to Carole Bayer Sager.
Mr. Hendy: Oh, waiter. This conversation isn't very good.
Waiter: Oh, I'm sorry, sir! Uhh, we do have one today that's not on
the menu. It's sort of a specialty of the house, you know: 'Live Organ
Transplants'.
:: FAZ UM TEMPÃO QUE NÃO CITAMOS COMODANTES ::
disse BP
Não saia de Abrantes antes que jantes.
:: JAVA ::
tango do J. Cortázar
Nos quedaremos solos y será ya de noche.
Nos quedaremos solos mi almohada y mi silencio
y estará la ventana mirando inútilmente
los barcos y los puentes que enhebran sus agujas.
Yo diré: Ya es muy tarde.
No me contestarán ni mis guantes ni el peine,
solamente tu olor, tu perfume olvidado
como una carta puesta boca abajo en la mesa.
:: LEI QUE PERMITE ANDAR NU PELAS RUAS ENTRA EM VIGOR ::
01/09/2004
A partir desta quarta-feira, dia 1
de setembro, qualquer cidadão terá o direito de andar
nu pelas ruas da cidade de Barcelona, na Espanha. A medida, aprovada
pela prefeitura da cidade, tende a "fomentar o respeito do cidadão
à liberdade de indumentária”.
:: A GORDURA SAI E O SABOR FICA! ::
de Al Cunha
É preciso tecer algum comentário sobre a notícia
anterior, aliás, é preciso fazer observações
construtivas a respeito dos assuntos que nos são diariamente
colocados à apreciação -- infelizmente, os únicos
cartões de conversa que temos no cardápio se referem
a técnicas de refrigeração industrial (com ênfase
em calhas, rufos e coifas) e Manuel Bandeira: "não te
doas do meu silêncio/ estou cansado de todas as palavras".
De modo que, com licença.
:: MINIMA MORALIA ::
Theodor Adorno
O diálogo ocasional com o homem no comboio, que, para não
desembocar em disputa, consente apenas numas quantas frases a cujo
respeito se sabe que não terminarão em homicídio,
é já um elemento delator; nenhum pensamento é
imune à sua comunicação, e basta já expressá-lo
num falso lugar e num falso acordo para minar a sua verdade.
:: DICAS PRÁTICAS PARA PROTEGER SEUS PENSAMENTOS ::
ou: como evitar a leitura de mentes usando um rolo de papel alumínio
A thin coat of alien-protectant material known to prevent mind reading
known as tin-foil: http://www.serversunderthesun.com/tin/.
Assim evitamos nossa transformação em algo semelhante
a isto: http://dickcream.com/tandem/,
com a mesma trilha sonora. Ou, pior, isto: http://www.hampsterdance2.com/classorig.html,
que fará seus miolos fritarem. (já os Dadás optariam
por algo
mais construtivo: http://www.newgrounds.com/assassin/hamster)
:: POEMA ::
Fernando Pessoa
O que é feito dos propósitos perdidos, e dos sonhos
impossíveis?
E por que é que há propósitos mortos e sonhos
sem razão?
Nos dias de chuva lenta, contínua, monótona, uma,
Custa-me levantar-me da cadeira onde não dei por me ter sentado,
E o universo é absolutamente oco em torno de mim.
:: PEDRO ::
Raduan Nassar, apud Flavio Lobo
Pedro, eu dizia muitas vezes existe um silêncio fúnebre
em tudo que corre, vai uma alquimia virtuosa nessa mistura insólita,
como é possível tanto repouso nesse movimento? eu pensava
muitas vezes que eu não devia pensar, que nessa história
de pensar eu já tinha o meu contento, me estrebuchando na santa
bruxaria do infinito, por isso eu pensava muitas vezes que o meu caminho
não era de eu pensar, e que não devia ser esse o meu
vezo na correnteza, eu devia, isto sim, eu devia quando muito era
apoiar a nuca num travesseiro de espumas, deitar o dorso numa esteira
de folhas, fechar os olhos, e, largado na corrente, minhas mãos
ativas que se deixassem roçar em abandono por colônias
de algas, pelos dejetos à tona e o lodo espesso, mas eu me
permitia uma e outra vez sair frivolamente desse meu sono e me perguntar
para onde estou sendo levado um dia?
:: HOJE CEDO ::
Um cinco um.
Ganhou do Guilherme três dados
de bordas arredondadas que faziam barulho genuíno de dados
quando em superfícies rugosas. Passou a carregá-los
no bolso, junto com pedrinhas, gravetos e sanduíches de chancliche.
Hoje cedo, encostou no balcão e pediu um quindim, por favor,
depois tirou-os do bolso. Um cinco um. Mastigou um pouco e jogou novamente.
Cinco cinco um. Achou engraçado -- até a hora do um
um um. Olhou para os lados, mas ninguém estava vendo.
Um um um.
O Bruno chegou adiantado, como sempre,
mais exatamente uns dois dias antes do horário marcado. Decidiu
recobrar a calma e sentou naqueles bancos altos (demais), apoiando
o cotovelo à mesa com certa dificuldade. Perguntou quanto tava
o jogo do Flu só por perguntar, pediu um picolé de banana,
enrolou mais um pouco. Era hora de sacar novamente os dados do bolso,
que assim não podia ficar. Cinco um um. Melhor jogar aos poucos,
um dado de cada vez: cinco. Suspirou, fechou os olhos, cinco de novo
(me vê uma água), e depois um.
Quis chorar, mas continuou mastigando.
Após uns minutos em que certamente o planeta apresentou um
movimento de translação mais lento, lá fora Guilherme
passeava a esmo e viu o amigo sozinho no balcão da padaria,
desoladíssimo, soterrado por uma montanha de canudinhos mascados
ao lado do pires de quindim e de três dados cor de laranja.
Tinham marcado à noite, e ainda era de manhã. "E
aí, cara, beleza?"
- É.
- Como é que tá?
- Meio mal, cara, meio mal.
Guilherme ficou esperando. Morte na família? Problemas de pele?
Mosca no quindim? Nada.
- É, não tá fácil. - e bebeu um gole d'água.
Silêncio. Resolveu recorrer ao clima: São Paulo era uma
cidade que nunca dormia, tinha as quatro estações num
dia só, o Maluf põe a Rota na rua, enfim. Guilherme
falou da vida, do amor, dos cinamomos e Bruno continuava invariavelmente
calado, sentindo o rim esquerdo que sacolejava em busca de um lugar
melhor para se acomodar, aquela angústia ardida, vontade de
cuspir. Isso era comum em CNTP brunesca, mas agora (sinto muito) não
havia mais onde guardar tanto segredo. A sala do almoxarifado mastigava
com a boca cheia de vassouras, no fígado a lotação
sugerida se entupia de coisas que ele não havia conseguido
vomitar pra ninguém: por exemplo, o Bruno não sabia
ver as horas em relógio de ponteiro, e mesmo assim usava um
genuíno Bolex de números romanos. Alguém sempre
perguntava as horas e ficava esperando, quinze pras... oito.. dez..
nove... quinze pras nove. É, quinze pras nove. Ele demorava
tanto que já tinha nascido o sol. O diabo era quando andava
na rua e um apressado vinha na direção oposta, a perguntar
"que horas são?". O cara impaciente, todo mundo olhando,
a moça da sacola com um sorrisinho sarcástico. Oito..
doze... dezessete para as... -- toma, vê aí. O Bruno
não sabia consultar as horas em relógio de ponteiro
e isso carcomia seu fígado.
E digo mais: ninguém ia entender se ele contasse.
Cinco cinco cinco
O Bruno também odiava gosto
de água, já que entramos no assunto. Ele ia na casa
dos outros e até freqüentava o filtro, mas não
contava pra ninguém que não gostava de beber.. água.
Sobretudo limpa. Um dia ele tentou confessar para o Guilherme numa
mesa de bar, foi mais ou menos assim: "Por que você foi
embora da festa?", ao que respondeu, "Sei lá, não
gosto muito de água".
- Quê?
- Água. Tem gosto ruim.
O amigo deu risada, jogou o cabelo pra trás e acendeu um cigarro.
O Bruno, quase chorando, apertava os pés por baixo da mesa
e encarava o piso de sinteco. Naquela noite, foi a pé pra casa
enquanto o Guilherme juntava mesas com o Fumaça, o Joca e o
Cabelo, que no dia seguinte foram perguntar por que é que ele
não gostava de água. Mas que absurdo. Deve ter tido
uma infância triste, é problema da figura materna, falha
de caráter, entenda bem, não estamos reprovando a sua
decisão. Mas, não gostar de água?!
Um cinco um
Por isso ele deveria contar tudo, de
uma vez só, para não passar o resto da noite de barriga
pra cima caçando moscas e escutando os grilos, numa desolação
de ator-mirim em filme existencialista. Ele poderia começar:
"Gui, por favor não ri do que eu vou falar", ou então
já derrotado: "eu sei que você vai achar idiota,
mas olha só". Passou três horas na padaria comendo
quindim atrás de quindim, sem falar grande coisa. O Guilherme,
talvez por gentileza, não manifestava o desejo de ir embora,
mas sempre perguntava as horas. Às vezes o Bruno não
pensava mais naquilo, nem na água ou no relógio de ponteiros,
até engatava uma conversa sobre construção amadora
de veleiros, sei lá, polipropileno e vigas de sustentação.
Mas sempre voltava a sentir um deslocamento de três passos à
esquerda; ele pensava em colocar os dados na mão do amigo e
dizer: joga. Ou então escrever uma carta, "é loucura,
eu sei, mas...".
Ou podia desistir: nunca mais encontrar almaviva, botar fogo nos dados,
ir viver no topo de uma coluna na Síria. Fingir que não
se importava. Ficar amigo do Joca e do Cabelo, beber muita água,
passar três dias aprendendo a ler ponteiros. Comprar um carro,
um telefone celular, uma bermuda florida. Freqüentar lugares
mais iluminados. Pentear o cabelo, fugir. Ou então contar tudo
-- desde o primeiro dia da Criação --, enumerar os motivos
em itens, dizer que um velho da rua de baixo morreu engasgado com
as pelotas do mingau, enrolar, fazer parecer que nem é tão
importante, voltar atrás, dizer que é questão
de vida ou morte, arrumar um padre, escrever um blog, tatuar nas costas
"eu odeio água, eu não sei dirigir, gosto de filme
mudo e há oito dias não consigo tirar outro resultado
nos dados", talvez um grupo de apoio - "olá, meu
nome é Bruno e eu quero um abraço".
Cento e cinqüenta e um
Daí o Cabelo chegou com o Joca
e as meninas, sentou e ficou falando sobre água com gás,
água de Vichy e água oxigenada, e mesmo se todo mundo
fosse embora, o Bruno (sabia que) não teria coragem de dizer
nada ao Guilherme. Difícil. Nem se eles sobrevivessem ao Cataclisma
Nuclear sozinhos e passassem o resto da vida boiando em um pedaço
de isopor. Embrulhou o quindim para viagem, tirou uma seqüência
cinco-um-cinco e saiu; deixou os dados no balcão.