Hoje cedo, impelidos pelo desejo (cada vez mais recorrente) de fazer algo estranho, os técnicos da Hortaliça resolveram migrar os cacarecos deste conceituado jornalzinho para um sistema de correio mais satisfatório. Após algumas tentativas envolvendo pombos levemente tísicos, tubas, velhas beatas com uma extensa rede de contatos, pneumáticos e uma equipe altamente gabaritada de monges copistas, encontraram um cliente de emails assaz pitoresco e viram os técnicos que aquilo era bom. Se é verdade que ninguém neste mundo tem o direito de enviar spam, salvo eles mesmos, os cavalheiros responsáveis pela tecnologia deste hebdomadário legumináceo aproveitaram a ocasião para usar de má-fé e misturar à lista da Hortaliça endereços eletrônicos de senhores que nunca, JAMAIS apreciaram o jornalzinho, cavalheiros de moral irretocável, damas casadoiras que só tinham ouvido falar em tamanho disparate e sujeitos que, francamente, não estavam entendendo coisa alguma. Por isso, aos que recebem isto pela primeira vez e estiverem se sentindo ofendidos com o conteúdo nada decente dos tubérculos aqui contidos, minhas compungidas desculpas. Basta devolver esta mensagem ao carteiro (que, no Mandaqui, é igualzinho o Louis Armstrong) com o carimbo "mudou-se" e a inscrição em letra de fôrma "é só colocar na tomada e ele infla!" para que o(s) sr.(s)(as) recebam de volta a dignidade perdida e uma exclusiva tábua Giroserv. Dito isto, vamos à edição de Páscoa.
:: ABRE ASPAS :: todo mundo gosta de malhar a si mesmo,
Nota: Este trecho do "Tratado sobre a Flunfa para aqueles que não a respeitam" foi supostamente escrito por Epicuro (que sofria de pedra nos rins) e deve ser lido no original, em latim, à luz da primeira estrela da noite. A flunfa. Verdade seja dita, não é apenas um acúmulo de detritos na cavidade umbigal, mas o amálgama de nosso ser. Fiapos laníferos de uma blusa especialmente querida, nacos de sabonete Phebo, materiais orgânicos de toda sorte, restos de comida e todos os subprodutos de nossos hábitos quotidianos se reúnem no umbigo para celebrar a essência do que somos. Juntos, reagem e oxidam a fim de formar um único elemento primordial, a FLUNFA, descrita por Demócrito como "a substância-Mãe". [trecho omitido do original] pois algumas questões de cunho metafísico devem ser confrontadas pelo cientista que queira melhor compreender o mecanismo de funcionamento desta nhaca corpórea. Trata-se do caráter sazonal e pouco previsível do fenômeno. Ora, durante o inverno, a acumulação flunfeana é intensa devido ao uso de roupas vastamente felpudas e pouco banho; já no verão, o suor e a água do mar dissolvem grande parte do conteúdo flúnfeo, embora no outono ele já comece a se acumular novamente, e assim por diante. [trecho ilegível, que não faz a menor falta para a compreensão do todo]
:: A MISS :: A Miss estendia as mãos: A boca da Miss invariavelmente Ladies and gentlemen, you know when you've been in a hole for so long that you start to decorate it? This is a song about that. It's called "Everything's Fucked".
Com licença. Em algum momento deste colóquio eclético alguém falou em pulgões? Não se evocam pulgões impunemente. Eu mesmo já quase perdi um amigo - que depois acabei perdendo mesmo, mas isso não vem ao caso - graças aos pulgões. Tudo começou quando eu disse a ele que os pulgões são conhecidos como "o gado das formigas" (lembre-se que gutliboa, que é pulgão em basco, significa exatamente "vaca de formiga"). Segundo um documentário da série Natureza Formidável, de um educativo canal português a cabo, as formigas arrebanham, conduzem, escoltam e vigiam os pulgões para protegê-los das cruéis joaninhas que os tratam como se fossem figurantes de filme trash de terror. Mas as formigas não fazem isso por alguma compaixão invertebrada, não senhor, elas estão de olho no melaço - e neste ponto os de maior sensibilidade digestiva devem parar de ler -, que é sabem o quê? A excreção adocicada dos pulgões. É verdade, eu juro. Mas o cara que era meu amigo não acreditou e ficou mangando de mim.
O título do livro que estou escrevendo no momento é exatamente Maquinação da Máquina, Especulação do Espelho. Assim como a 4ª Sinfonia de Charles Ivens exige a presença de três maestros para ser bem interpretada, assim também penso que êsse meu nôvo livro, para ser bem compreendido, deva ser lido simultâneamente por três leitores. :: HISTORINHA MATRIMONIAL A TROCO DE NADA :: por Flávia Fusco, ou Thomas Pynchon Chovia, e ele estava lá fora
com uma pá e dois sacos de lixo. Eram nove horas da manhã
de uma terça-feira e o marido de Fabiana varria a rua. Voltaria no dia seguinte com uma pá maior. :: PADIOLA :: atendendo a pedidos, repeteco Eu sei -- vcs sempre quiseram ouvir trechos do Finnegans Wake lidos por um japonês que ao mesmo tempo toca tambor como um pobre-diabo. Pois a chance chegou: http://www2.airnet.ne.jp/takayuki/audio/1/index.html
:: DOIS BONS VERBETES :: CEBOLA. [...] A cebola, além de ser uma das hortaliças condimentares mais utilizadas no mundo, fortalece o pulmão, estômago, intestino grosso e alivia sintomas de resfriados e até bronquites. TELÉGRAFO. Antes mesmo da Era Cristã, já se haviam observado as propriedades de atração do âmbar friccionado e as da atração magnética do ímã. Tais ocorrências, porém, eram vistas simplesmente como fenômenos interessantes. :: COMPREENSIVELMENTE RIDÍCULO :: furtado daqui: http://xy7htk.wunderblogs.com/. Um dos diretores de Matrix está
mudando de sexo; o cara agora se chama "Linda". Enquanto
isso, têm sido constrangedoras para a entourage (ui etc) de
David Bowie suas tentativas cada vez mais frequentes e menos sutis
de inserir em conversações casuais a menção
a um compreensivelmente ridículo medo de estar sendo seguido
por um coelho rosa gigante; ele tem visto um sujeito fantasiado em
seus últimos shows. Rapaz.
Ele mastigava lentamente um naco de hortaliças cruas no banco mais alto do balcão da padaria quando começou o programa do Faustão. (E pensar que essa primeira frase até que estava indo bem.) O sujeito tentou se concentrar em seu prato de verão com rúcula, cenoura e cubos sortidos, mas quando há uma TV a dois palmos do seu guaraná fica difícil desviar a atenção. Pois bem. Era dia do Orgulho Português no Faustão; aparentemente três crianças cantariam coisas típicas e um cavalheiro de nome Pascal Francisco Álvares de Montoya, do Alentejo, recitaria Quatro paredes caiadas Como se a existência do sujeito já não fosse suficientemente ruim. Ele decidiu, portanto, comer mais rápido e concluiu que as crianças cantando eram um bocado assustadoras, além de feias. Enquanto mastigava, lembrou da Shirley Temple sentada com aquelas pernas pequenas demais, cercada de homens que coreografavam à sua volta e lhe davam pirulitos enormes. Uma criança definitivamente medonha, que remetia por algum motivo à infância do sujeito, entre quatro paredes caiadas e um cheirinho de alecrim. Da lembrança das pernas curtas da Shirley Temple, ele passou para a sua avó metade portuguesa, metade marguerita, e aos poucos foi acometido de um pânico horrível, uma sensação de que as janelas da padaria estavam todas fechadas e ele não podia sair sem terminar o prato verão. Um guri no outro lado do balcão tentava acertá-lo com pedaços de quibe. Daí aconteceu o pior: as crianças foram embora da tela subitamente e dois caras começaram a cantar ópera no programa, um gordo e um magro, e o gordo de smoking tinha sido o coelho da Páscoa do sujeito quando ele era menor. O Adur. Ele assustava sempre o sujeito no domingo de Páscoa. O Adur entrava pelo corredor da casa metido numa fantasia de coelho rosa de pelúcia comprada em prestações no Armarinhos Fernando, gritava ro-ro-ro porque estava (invariavelmente) bêbado, despachava os ovos de chocolate meio moles no assoalho e saía correndo, com aquele rabo de pompom derrubando os móveis no caminho. Ele era gordo, devia pesar uns duzentos quilos. As meninas sempre choravam e o Adur reclamava que a fantasia de coelho rosa gigante o deixava assado. De maneira compreensível, o sujeito simplesmente desistiu de terminar o prato verão. Pediu o uísque mais caro do cardápio e bebeu de um só gole, junto com um salgadinho de estufa. Quis sair, e afogar todos os guris do mundo na pia do banheiro, mas antes contou a história do Adur aos cavalheiros que tomavam refresco no balcão. Todo mundo ouviu com atenção. Ao invés de terem pena, olharam para o sujeito com uma expressão de orgulho extremo. Taí um cavalheiro de alta estirpe. Coisa fina. O coelho gigante de Páscoa dele era um barítono famoso. Alguém sugeriu que brindassem a isso. E o sujeito, que a essa altura já tinha devolvido a chave do banheiro, mandou embrulhar o prato verão pra viagem, que hoje ia ter festa lá na mãe dele.
Fui convidar-te pra ir a uma festa :: I GUESS I'LL CONCENTRATE
ON THAT :: Everybody is everybody else's fool. The only way to stay out of trouble is to grow old, so I guess I'll concentrate on that.
O dr. Raymond West anunciou alguns anos atrás que “a felicidade é um estetoscópio quente” e ofereceu uma nova invenção a um mundo estupefato: um estetoscópio mais tépido, que tornaria os checkups médicos mais prazerosos e aboliria para sempre a desagradável sensação de “cubos de gelo nas costas”.
Que começam com a possibilidade de se acordar assustado e dar de cara com um destes duck-shaped buildings construídos ao lado de casa: http://www.newsday.com/other/special/ny-iholi0814story.htmlstory. E terminam com a deprimente observação: "Ele não morreu. Ele virou um duck-shaped Elvis". Dito isto, encerro a edição cinco-sete, que vai por mim devidamente assinada e rubricada.
Este jornalzinho é impessoal, objetivo e imparcial. Computadores meticulosamente programados preenchem formulários, desenvolvem os textos, se emocionam, revisam e publicam a visão apolítica da coisa toda. Afinal de contas, a parte da primeira parte sempre foi conhecida neste contrato como a parte da primeira parte. ... Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado -- logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido (Stephanie Avari) ## Você está recebendo !!Witzelsucht!! (saúde) porque estava na lista de mala direta dos Illuminati. Ou então, ou então! Você está recebendo o !Rododendro! porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os existentes, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e o To Fu, que ganhou o direito de trazer um tufo de nenúfares e furar a fila (desculpe). Caso não queira voltar a receber este jornalzinho asseado, mande um e-mail para vmbarbara@terra.com.br, e diga na linha de assunto: "Foi demais para Kudno Mojesic", mesmo que você não seja -- e nem planeje ser -- Kudno Mojesic.
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2005
Vanessa Barbara |