Sr.(a) assinante, ao receber esta edição pedimos que calce um par de nadadeiras e não atenda o telefone -- o sr.(a) está prestes a empreender uma jornada pelo avesso da realidade, por uma auto-estrada de bolinhas de plástico com raias olímpicas onde passam navegando a cento e vinte por hora um Buick verde 1959 e navios de carga escandalosamente vazios. Meio de transporte: Dromedários (que saibam nadar), balão, barriga, milagres cristãos ou caravela. Respeitar as regras de trânsito da categoria. Modo de usar: Escolha um feijão para você, esconda alguns no bolso e coloque na primeira casa do tabuleiro quantos mais forem necessários para fazer um tutu. É facultado ao jogador /entretanto/ chutar a boca das regras e fazer como quiser. Jogar amarelinha na encosta da colina, por exemplo, e inventar outras normas unicamente para trapaceá-las: se a pedra rola pra direita, uma volta a menos, se pra esquerda, pode-se pular mais longe, e se uma pequena avalanche arrasta tudo, quem chegar primeiro em casa ganha – e mudar o mundo. Ou estabelecer um jogo próprio em suas regras mudas e essenciais.
(uma citação que os exploradores interpretam como um bom conselho na hora de iniciar seu diário de viagem) Pierre, nosso guia alpino, que se curou de sua penosa mareação e recomeçou a escrever suas memórias, vem me pedir que lhe empreste "a que afasta as palavras". Demoro a compreender que se trata de uma borracha.
Vaconautas da legumopista como os viajantes interplanetários que observam de longe o envelhecimento daqueles que continuam submetidos às leis do tempo terrestre, o que vamos descobrir ao entrar num ritmo de feijões e camelos depois de tantas viagens de avião e trem-bala?
(Para fins didáticos.) Ato único: a referida moça no Passa ou Repassa. Gugu: "Qual o plural de qualquer?" E quando o Gugu jogou chicletes do Garfield, me joguei em cima de uma câmera pra pegar.
René e eu não nos víamos há pelo menos seis anos, e nunca vou entender por que de repente ele ficou com tanta vontade de nos encontrar na autopista que devia percorrer em viagem para casa, no Gard. Poderíamos ter nos encontrado cem vezes em Paris, mas os cronópios são assim mesmo e de repente René ficou a fim de se meter em todos os parkings, um atrás do outro, até me encontrar.
A well-directed imagination is the source of great deeds. Pule aqui quantas casas quiser (contanto que seja uma quantia ímpar e divisível) ou apenas siga em frente, deixando um rastro fosforecente feito lesma de bigodes.
[prólogo, para compreensão do leitor médio: Certo dia comprei um livro num sebo virtual e ele veio cheio de inscrições bizarras de uma certa "Maria Solange Corrêa de Barros Oliveira". A equilibrada senhora sublinhou TODAS as linhas do livro e escreveu em TODAS as páginas mensagens como: "et tenho dito. Assim seja. Amém". Fiquei até orgulhosa. Mas sempre alguém tem uma história pior.] A Solange Albuquerque Moreira Pinto Penteado é muito mais interessante que a ex-dona do livro que eu comprei pela Amazon. O livro só não podia ser considerado novo porque na primeira página havia um nome escrito com cuidado e em letras femininas: "Jeniffer Whatever". Que gracinha, pensei comigo, vou entrar em contato. E assim fiz, fui ao Google e achei a moça. Mora em Nebraska e é jogadora de basquete da universidade do estado. Fiquei ainda mais encantado. Bonitona, alta, com interesses em economia (o livro!). Descobri o e-mail da Jeniffer através da técnica do time. Passei três dias lapidando meu texto de página e meia, tudo parecia perfeito. Mandei. Um dia, nada. Dois dias, sem resposta. No terceiro dia, abri meu e-mail e, emocionado, vi que a moça tinha respondido. Cliquei na mensagem e li sem mover os olhos tudo o que ela tinha escrito: "that's cool!". A Pinto Penteado deve ser muito mais divertida.
Esta casa não existe. Favor avisar as autoridades competentes.
Observação científica: no acostamento vimos uma lesma cor de terracota que enfiava a cabeça numa garrafa de cerveja vazia no chão. Esta noite, depois de prudentemente estacionar Fafner num terreno livre de impurezas, fizemos um chucrute. Logo depois notamos uma lesma, da mesma cor, que se aproximava de nosso carro.
Siga até a 12 se quiser ficar nesta casa para sempre (o que, pensando bem, é um paradoxo), e até a 13 para erguer um brunoscópio e espiar o final.
...Cinco minutos mais tarde, toda a superfície do terreno à frente de Fafner estava coberta de lesmas que avançavam rumo ao nosso jantar. Relacionando o primeiro caso com a experiência de hoje, somos obrigados a concluir que as lesmas têm origem alemã. (Procurar imagens de lesmas, seu nome em latim etc.)
Pense no máximo de coisas que puder em cinqüenta segundos (quarenta e nove, quarenta e oito, quarenta e sete) e chame mais feijões para a casa seguinte.
Giustiniana estava radiosa em sua capa de brocado. Descia com muito cálculo a escadaria do palácio do conde, e um ventilador estrategicamente instalado na nuca do cavalheiro da frente fazia com que suas longas madeixas ruivas balouçassem ao sabor do vento. Como dissemos, ela descia a escada languidamente. Lá embaixo, à luz de um portentoso lustre de pingentes, o príncipe Andrea se rejubilava com a beleza primaveril da dama e mascava uns canapés de pato. De súbito, ouve-se dos aposentos da rainha um grito de horror. Andrea, o príncipe, ignora a turba de aristocratas que corre em círculos apenas para tumultuar o palazzo e alcança a porta dos aposentos da rainha. A porta do quarto está trancada. O rei chama Vossa Majestade e não obtém resposta. Giustiniana está em prantos e preocupada com o rímel. Andrea grita: “Abrai! Abrai! Arrombarei a porta se em minutos dois não abrirdes!” Com um vigoroso chute, ele derruba a entrada. O corpo da rainha jaz inerte no tapete, próximo à biblioteca. Giustiniana desmaia num gracioso rodopio. O rei não demonstra surpresa, contorna o cadáver e decide apanhar um livro melhor (este aqui o aborrece imensamente).
Espaço exclusivo para a passagem
de patos. :: DÉCIMA TERCEIRA
::
Estamos sós, meus sapatos sujos — eu e um guarda-chuva vermelho em plena primavera atômica, a cidade estranhamente coberta de betume, árvores respeitáveis impressas em papel carbono, os prédios com torcicolo e muros de parque estadual escocês — olho pra baixo, tentando adivinhar que horas são, e visto ainda uma capa de chuva tão longa que não me deixa dançar o twist. Estamos sós e já é dia, estamos sós e paro de andar um instante tentando encontrar o final da rua.
Você é a garota mais emocionalmente desajustada que eu conheci.
- Nada, chefe.
Nos quedaremos solos y será
ya de noche. Yo diré: Ya es muy tarde. Y diré: Ya es de noche
- Por que você vem me ver?
Quem se vestiu, se vestiu. :: DÉCIMA NONA :: Flaubert, em Madame Bovary Seu companheiro, porém, lhe parecia muito esquisito, pois muitas vezes Léon se estirava na cadeira, distendendo os braços, e se queixava da vida. - É porque não procura
distrações - dizia o preceptor.
Era o casal de velhinhos mais legal da história da quarta idade. Ele morreu assim: estavam seu João e dona Francisca, como todos os dias, caminhando tranqüilamente pelo bairro. Domingo de manhã. Andavam em câmera lenta, quando o seu João virou para a dona Francisca e disse: "não estou me sentindo bem". Daí sentou, tirou o chapéu e morreu. Ela está muito triste, a dona Francisca. (No entanto, que jeito mais legal de morrer.)
Em geral demonstra certo talento para a cozinha, embora possa pecar por excesso de imaginação. Se você sabe que ele tem a intenção de preparar uma torta de maçãs, por exemplo, é melhor esconder os vidros de páprica, alfavaca, coentro e tomilho. (a well-directed imagination is the source of etc.)
Faça o que bem entender nas próximas três casas, tomando cuidado para não assustar os vizinhos.
Se você pretende brilhar numa festa pronunciando frases tais como: “E se pegássemos o transiberiano esta noite?”, é bom arrumar a mala com antecedência, pois nesse trem não se vendem pasta de dente nem calcinhas.
O que transportam esses caminhões sempre meio sinistros, sempre vagamente ameaçadores? Não acredito que esta estrada faça parte de um circuito de tráfico de armas, nem que o fato de ocultar a natureza de sua carga salve estes caminhões do controle policial ou alfandegário, muito pelo contrário. Não se trata, então, de imaginar que vão ou vêm da Bulgária para Paris ou de Estocolmo a Nápoles levando mísseis ou helicópteros; excluímos, naturalmente, outras cargas explosivas, tais como a heroína ou as raízes de ginseng, por evidentes razões de volume. Por que então esse segredo, por que esses caminhões se parecem a certas casas suburbanas que, sem nada que aparentemente as diferencie das outras, dão a impressão de estarem cercadas, habitadas por seres que não são como os das outras casas? Por que, para falar corajosamente, nos dão tanto medo? Carol fica imaginando carregamentos vergonhosos, que nenhuma empresa de transportes se animaria a proclamar com letreiros como os que alegremente levam cerveja ou porcos. Aventurou-se a dizer que alguns podiam transportar farinha, tapioca, cremes depilatórios ou macarrão a granel, coisas pouco anunciáveis publicamente sem corar. Concordo com ela em que ninguém proclamaria com muito orgulho que leva um carregamento de alfinetes de gancho ou touquinhas para bebês. Seu ponto de vista me parece digno de atenção e respeito, e me contento em imaginar coisas menos comerciais, mas que em certas circunstâncias e contextos exigem ser transportadas discretamente; fico pensando que talvez o governo de um país chuvoso tenha vendido em segredo uma nuvem ao governo de um país seco, ou que os sócios de um clube de viciosos em Oslo compraram um carregamento de vibradores socialistas dos iugolavos, que dizem ser mais titilantes que os de Hamburgo ou os da rue Saint-Denis. E não seria possível que esse segundo caminhão envolto num encerado negro, que segue o primeiro de perto, estivesse importando uma centena de especialistas no uso desses implementos? Você não vai explicar isso com letras de um metro de altura. Tenho outras hipóteses: talvez algum desses caminhões transporte um carregamento de obesos holandeses destinados às experiências dietéticas de um instituto de Milão, ou vice-versa; como soltar oitenta gordos ao mesmo tempo nos parkings? Penso também numa remessa de luvas de borracha, que sempre evocam pensamentos turvos... Mas a hipótese extrema, com que ambos concordamos sem ânimo para acreditar muito nela, é que todos esses caminhões estão vazios e pertencem a um excêntrico escocês que se diverte em fazê-los ir e vir por toda parte e ao receber informes semanais sobre a cara dos fiscais da alfândega quando os abrem; naturalmente essa diversão deve custar uma fortuna, mas como se trata de um escocês a suprema excentricidade está justamente aí.
I'm feeling depressed.
Sorte, você não passa de um repolho.
O carteiro acaba de passar por aqui, me desejou Boa Páscoa e disse que eu precisava tomar um sol. Enquanto eu assinava o comprovante de recebimento do talão de cheques, ele confirmou que o meu pai se chamava Sérgio, certo? — mas como o meu pai nunca atendeu por Sérgio, o carteiro derrubou metade da correspondência e mostrou estar chocado com a notícia. Sérgio mora no cento e trinta e sete, eu dizia, tentava acalmá-lo mas o senhor de amarelo estava realmente confuso. Eu pensei que os meus olhos fossem cair, tinha dor de cabeça e precisava de um banho, mas o Sérgio não morava ali e a questão demandava uma verificação atabalhoada em cada um dos telegramas, promoções de fraldas e extratos bancários ou de tomate a um e noventa e nove no Senda’s. O carteiro já tinha afastado os óculos escuros da augusta fronte e livrava o chão dos papéis, antes que o cortador de grama desse cabo dos envelopes maiores. “Eu fui para Long Beach”, exclamou com júbilo o profissional da correspondência quando Sérgio apareceu de pijamas na porta do 137 e elogiou o carteiro substituto do mês de agosto, que nunca deixava molhar o guia de programação da tevê. O carteiro substituto é calado, usa óculos, cumprimenta a todos com saudações socialmente corretas e entrega o que é de Sérgio a Sérgio. O carteiro substituto quita valores mensais para o convênio odontológico. Louis, the mailman, encontrou meu talão de cheques e me deu Feliz Páscoa, depois apostou com o cortador de grama que faria dona Ondina sair de casa para entregar pessoalmente a correspondência trocada e falar mal do carteiro, não toma jeito, entrarei com uma reclamação formal, esse grande louco.
"E além disso todo mundo pode fazer o mesmo. Basta fechar os olhos."
"é do outro lado da vida".
Este jornalzinho é impessoal, objetivo e imparcial. Computadores meticulosamente programados preenchem formulários, desenvolvem os textos, se emocionam, editam e publicam a visão neutra da coisa toda.
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2005
Vanessa Barbara |