O gigantesco e promissor mundo do pequeno Nunca o tão pequeno se tornou
tão grande. De fato, conforme vislumbrado, quase meio século
atrás, pelo físico norte-americano Richard Feynman (1918-88),
em sua palestra de título inusitado – "Há
muito mais espaço lá embaixo" –, o impacto
da nanociência e da nanotecnologia nos setores acadêmico,
empresarial e na própria sociedade já é bastante
marcante – para alguns, ele será maior que o causado
por outras revoluções tecnológicas, como a agricultura,
a indústria e a microeletrônica.
eu tenho múltiplas personalidades,
"A-ha" --
Eu tenho uma história sobre sangue esguichando. Meu irmão um dia resolveu ver o que acontecia se ele cravasse uma tesoura grande na própria perna (pelo menos não foi na minha). A experiência foi um sucesso. Enquanto todo o conteúdo arterial dele se esvaía em jorros, bem alto, e eu saía correndo para acordar a minha mãe, ela apenas trocava de lado na cama e repetia: "bota um band-aid". Eu ainda tentei, mas o diminuto curativo não conteve o jorro sanguinolento e eu tive que soterrá-lo com um tomo da Barsa.
Louis, the Mailman, hoje apareceu de bermudas.
As belas fotos desta edição são uma cortesia de http://fotomaton.online.fr/, com o patrocínio do Rhum Cresotado. Veja, ilustre passageiro,
Eu sempre quis ter um piso de porcelanato. Pra dormir em cima dele e andar descalça o dia todo.
O Velho estava de barriga pra baixo no chão de porcelanato. Era primavera e ele vestia apenas cuecas. O velho olhava bem de perto uma fazendinha de formigas -- umas vermelhas, outras bem pretas, muitas delas pequenas e vagamente azuis, todas correndo como loucas e trombando-se e caindo com as patas pra cima. O velho gostava de enfiar o nariz a dois centímetros de distância dos insetos himenópteros apenas para vê-los tremer. Ele sussurrava "Abra-aããão" e metade das formigas morria de angina. Em geral ele só ficava ali, de bituca, bebendo um refri com canudinho e vendo o circo das formigas, vez ou outra balançava os pés. Elas eram muito burras, pensava o velho. Viviam se mordendo e se atropelando, corriam pra lugar algum, batiam os focinhos nas paredes e disputavam pedaços de açúcar já podres. De vez em quando o velho dava um peteleco numa delas para fins de entretenimento -- a formiguinha voava, voava e se espatifava meio tonta, plof, dava o maior barato. As outras formigas passavam por cima da caixa torácica do animalzinho e continuavam se trombando até acabar o expediente. O velho se entediava fácil com o cirquinho das formigas (elas eram muito burras). Quando isso acontecia, ele ia para a cama e sonhava que era o Coisa-Ruim.
Boris Casoy: Vou lhe contar uma coisa
que só eu e sua mãe sabemos: você é um
anão.
:: MAIS COLABORAÇÕES DO GRANDE ANÃO :: ...e finalmente chegamos a Aristenides, conde do séc. XVI, cujas previsões continuam a deixar perplexos até os mais céticos. Alguns exemplos típicos: "Duas nações
entrarão em guerra, mas só uma vencerá". "Um homem em Istambul
terá seu chapéu estragado."
Gostas dos elefantes
Louis, the Mailman, acaba de nos entregar um belo buquê (fig. 1). Trata-se de uma gigantesca hortaliça que nos foi presenteada por um admirador secreto como prova de sua emoliência e cremosidade. Veio sem cartão. O referido repolho pesa quatro quilos e setecentas gramas, possui frondosas folhas em dezessete camadas e soterrou as demais verduras em aparência e grandiosidade. A título de comparação, fizemos uma sessão de fotos em que o garboso vegetal posa ao lado de um tomate (à dir., sentado). Os cliques mais ousados poderão ser vistos em breve (sob o título: "Sorte, você não passa de um repolho"), em revista de circulação nacional. Tão querida variedade de couve rasteira de feitio globular foi acolhida pelos funcionários deste hebdomadário e doravante repousará dentro de um vaso no saguão de nosso Office Tower, até que todos os leitores da Hortaliça possam se reunir para comê-la.
No Sul, caça às marrecas.
Sentada na porta em sua cadeira de
rodas ficava Aquela menina era a felicidade que
eu tanto esperei E agora por onde ela anda eu não sei.
- Nunca esquecerei você.
“Você parece a minha Tia Agnes” – disse Hillary ao telefone, e não estava brincando. Com uma paciência de pedra, Bruno continuava de pé e pensava em frases de efeito para começar romances ou em todas as coisas do mundo, por ordem de tamanho [olho de pulga, lêndea azulada, perdigoto de espirro de nenê], motivo pelo qual a enorme fila do banco seria uma das últimas pautas do dia, pouco antes da expansão do Universo e da essência das coisas, com um espaço para o ignorante carnê de prestações da máquina de lavar. A crescência dos pensamentos de Bruno continuou com pedrinhas, verruga na nuca da senhora da frente, soluço, dedo mindinho e evoluiu para a menina miúda que desceu do ônibus com um salto de bailarina, pousando na calçada e aguardando as notas dos jurados, que levantariam plaquinhas (9,5), (9,87) e (2,75) porque sempre tem um especialista com infecção na unha que odeia Jogos Olímpicos e está ali por falta do que fazer. Fariseus, hipócritas. A Hortaliça carregava o Técnicas de Refrigeração junto ao peito e isso lhe conferia segurança e empáfia – Bruno anotou mentalmente o tamanho da obra para incluí-la próxima à Via Láctea, à fila do banco e à gigantesca paciência dos presentes, que mais um pouco diminuiria a ponto de fazer companhia às pulgas, à caspa e à verruga gordinha da senhora de cinza. – Boa tarde, companheiro da frente
– disse a Hortaliça e ofereceu-lhe um botão azul,
por falta de algo melhor. Levemente chateada, a Hortaliça encerrou por ali seu monólogo, sentou em cima do livro e ficou procurando coisas crocantes no chão para quebrar em dois e oferecer ao menino da senha número oito como prova de seu amor (e posterior ascensão na fila). Mas o alvo não era visível a olho nu e, por azar, o tiozinho que vende binóculo e passe de metrô estava em horário de almoço. Estima-se que o início da fila localizava-se a quatro quadras ou a um quilômetro dali, segundo os cálculos precisos de um velhinho que chegou com uma trena e desandou a falar sobre seu posto de sargento de Artilharia na Guerra da Coréia [ou foi só imaginação, fruto de uma indigestão de torta de maçãs]. De qualquer forma, caso a Hortaliça enviasse o graveto e a declaração de amor de pessoa em pessoa até o menino em questão, certamente após doze cabeças o recado não seria mais o mesmo, tendo se transformado em convite para duelo na lama ou em uma mensagem tão incompreensível que chegaria a ofender. A dez pessoas dali, um morador das redondezas se pôs a comercializar roupa de frio e a cobrar ingresso para o banheiro. Roupa de frio, roupa de frio, aqueça seus pés com nossos sacos plásticos. - E tem de gola alta? – era o que perguntaria a senhora de cinza – Pois então dê-me duas do Carrefour para envolver minhas omoplatas – a Hortaliça espichou o pescoço entre os pés dos cidadãos pra ver se enxergava uma fogueira lá na frente, duas milhas a oeste, onde ficava a porta de entrada do banco e onde inúmeros velhinhos disputavam uma vaga na fila VIP, certamente empurrados pelo chinês lá da frente (que precisava ficar grávido ou subitamente idoso pra acabar logo com isso). Próximo à fila dos figurões/idosos/gestantes/crianças de colo, dúzias de velhinhos amontoavam-se com roupas coloridas, contavam piadas e se refrescavam no ar condicionado (não estava calor). O estagiário do banco tentava ordenar a multidão perguntando aos cavalheiros idosos em que poderia ajudá-los – não, filho, a gente só está de bobeira. A Hortaliça, em pé sobre o Técnicas de Refrigeração, mal podia esperar pelo momento de ficar muito velha. Seus planos incluíam viver em Cuba, conhecer o Ibrahim Ferrer e passar tardes ao sol com um chapéu-coco sentada num degrau, talvez palitando os dentes e reclamando da distribuição de sapatos. Ou juntar-se a três senhores cegos solfejadores de Rama Lama Ding Dong na porta do metrô com um cão manco que morde uma caneca do coringão. Subitamente, percebeu que o menino da senha oito avançara para a senha seis – meus senhores, é apenas uma questão de tempo. Provavelmente, a ascensão social se estenderia a todos na fila, e a Senhora Cinza imaginava qual seria agora seu novo número – oitenta e quatro ou oitocentos e quatro, deixa eu contar de novo. Diante do alvoroço do pessoal do fundo, que se abraçava e congratulava o governo pela rápida progressão das colocações filísticas, Bruno calou-se e continuou pensando em azeitonas. Não, não estragaria a festa com a informação de que penetras se infiltraram entre o seis e o sessenta e seis, dobrando a extensão da fila e tornando inútil a conquista do menino da senha oito, cujo suéter combinava de maneira insólita com os sapatos lustrosos de bico quadrado. “Mas não é possível”, voltou a reclamar a madame de cinza ao esposo, sem deixar a Hortaliça se meter na conversa para argumentar que sim, era possível, a senhora acredita que houve uma vez na porta do teatro em que eu e mais quinze infelizes chegamos a – Roupa de frio, roupa de frio, novos modelos de botas de jornal. Com cartum ou horóscopo. porque o espetáculo era de graça e começava às oito, eu apareci às três e meia e fiquei atrás de um mocinho que lia qualquer coisa. Primeiro da fila. O desgraçado não levantou o rosto, precisa ver – atrás de mim chegou um cara que parecia o Wally, com uma touca listrada e uma revista Ti-Ti-Ti. Ele lia a notícia e rasgava os trechos menos significativos, com um suspiro de satisfação. Completamente doido. Sentei em cima de uma sacolinha plástica, pensei em morrer de frio mas fiquei ali, alcançando a imobilidade e tentando aplicar sustos em mim mesma, como de costume. Às quatro e meia, a fila completou quinze idiotas e os seguranças fecharam a entrada, com um olhar suspeito de que não sairíamos dali vivos. Logo alguém apresentaria sintomas de um rotavírus oriundo de uma larva inteligente e teríamos que lutar uns contra os outros até que os seguranças voltassem a abrir a porta e lá estariam quinze cadáveres sem o globo ocular e os intestinos, roídos por um verme gigante. Achávamos que a atitude lógica seria vender a senha por um cobertor, ou apenas sair dali correndo e se aquecer no metrô quando apareceu uma guria de sandálias que nos deu até vergonha de sentir frio. Continuamos calados, pulando e dando tapas uns nos outros pela honra de assistir a peça de um dramaturgo norueguês num teatro decorado com quinhentos bebês de plástico – da próxima vez, irei a um espetáculo caribenho. Certamente haveria sol e os seguranças distribuiriam drinques de abacaxi na fila, belas mulatas dançariam salsa para o nosso deleite e não haveria indício de bebês de plástico, por mil demônios, lá vai o senhaoito para o terceiro lugar da fila. A Hortaliça ainda tentou propor uma grande roda de Batata-Quente para animar o povo, mas ninguém deu atenção. Só o menino Bruno suspendeu por alguns minutos seu pensamento em azeitonas pretas para registrar a saga da Hortaliça na fila do teatro em um dia de inverno – pouco antes de a garota abrir o Livro Azul (oremos) no item 2.6 e dizer: “Qualquer espaço que contém um gás a uma pressão menor que a da atmosfera encontra-se em condições denominadas vácuo parcial”. Ela levantou os olhos, cheia de expectativa – senhaoito na posição dois – e percebeu que as pessoas continuavam com seus assuntos. Sentiu-se um tecladista de restaurante esperando aplausos ou um vago olhar de interesse, e recebendo como resposta o barulho dos talheres nos pratos / Dona Matilde comentando sobre como está impossível o pequeno Zeca, imagine você que na última semana ele lambuzou a testa do tio Rodolfo com pasta de amendoim e ainda riu sem os dentes da frente. Onde é que esse mundo vai parar / a religião, os costumes / é verdade. – Irmãos, é chegada a hora de ler o item 13.1, “Generalidades Sobre o Degelo”. Todos em pé, por favor. Gostaria que uma criança venha ler em jogral – o garotinho tinha 10 anos e achou a idéia boa, livrou-se do braço da mãe e deixou cair o Técnicas no chão. “O gelo e a escarcha acumulam-se continuamente nas serpentinas que funcionam em temperatura abaixo do ponto de congelam, congelamen congelamento é e o escoamento do ar pode vir a ser eventualmente bloqueado a menos que se remova o gelo” Engraçado, o gelo e a escarcha se acumulando continuamente, cotovelando as minúcias e as coifas na briga por um espaço nas serpentinas, que são mais de uma e portanto deveriam acolher a todos – gelo, escarcha, calhas, rufos e coifas –, como é que você chama? Manoel Muito obrigada pela participação, Manoel, e agora vamos interromper nossa programação cultural para um boletim extraordinário: menino da senhaoito está se aproximando do caixa, podemos distinguir uma mancha vagamente fashion entregando um saco de moedas para a atendente.
Este jornalzinho é impessoal,
objetivo e imparcial. Computadores meticulosamente programados preenchem
formulários, desenvolvem os textos, se emocionam, editam e
publicam a visão neutra da coisa toda. "Para
ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado
-- logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela
em que tudo faz sentido" (Stephanie Avari, que realmente mora
na rua Paulo da Silva Gordo)
|
2005
Vanessa Barbara |