Se perguntarem
de onde vêm os medos
Temos um novo sítio: Mas por favor, não reparem.
Pode ser que chore ou ria por dentro mas, por dentro, talvez também o caranguejo resolva equações de segundo grau.
Meu irmão tem uma mesa só dele na agência 1550-4 do Banco do Brasil, onde ele brinca de Escritório. Quando a gente era menor, todo mundo da rua se reunia pra brincar de escritório. Tinham as secretárias, em geral eu e a minha vizinha, os chefes, que eram os mais velhos, os office-boys (os menorzinhos) e uma dezena de aparelhos velhos furtados das nossas casas ou de antiquários de quinta categoria, tipo telefones quebrados, grampeadores industriais, fichários, cadeiras giratórias e, um dia, chegou um 386 no qual eu fazia fichas cadastrais dos funcionários usando o Bloco de Notas. Às vezes a gente virava chefe e demitia todo mundo, ou rolava alguma briga com o pessoal do sindicato e uma turma de dissidentes abria concorrência na casa do lado. Normalmente a gente brincava no quintal, que tinha bastante espaço. Hoje o meu irmão sai de casa cedo pra brincar sozinho de escritório, e não chama ninguém.
Nobody loves me but my mother
Era uma vez uma mulher que tinha três filhas. A mais velha chamava-se Olhinho, porque só tinha um olho no meio da testa; a segunda chamava-se Doisolhinhos, porque tinha dois olhos, como todo mundo; e a terceira chamava-se Trêsolhinhos, porque tinha três olhos: o terceiro estava no meio da testa. Mas como Doisolhinhos era igual ao resto da humanidade, a mãe e as outras irmãs detestavam-na. Por isso diziam: - Tu, com os teus dois olhos, não és nada diferente da gente vulgar! Nada tens em comum conosco! Viviam a enxotá-la de um lado para outro aos empurrões; atiravam-lhe os piores vestidos e, para se alimentar, davam-lhe as sobras de comida; torturavam-na, enfim, de mil maneiras. Um belo dia, Doisolhinhos tinha que ir levar as cabras a pastar; mas estava fraca de tanta fome porque as irmãs lhe haviam deixado pouquíssimas sobras para comer. Então, sentou-se à borda do campo e pôs-se a chorar; chorou tanto que as lágrimas, escorrendo-lhe pelas faces, formaram dois regatos. Enquanto estava assim chorando, deu com uma mulher na sua frente, que lhe perguntou: - Por quê estás chorando? Doisolhinhos respondeu: - E não tenho razão para chorar? Só porque tenho dois olhos, como todo mundo, minha mãe e minhas irmãs detestam-me, empurram-me de um canto para outro, atiram-me vestidos velhos e dão-me apenas restos de comida para me alimentar. Hoje comi tão pouco que estou morrendo de fome. A mulher, que era uma feiticeira, então disse: - Enxuga teus olhos, minha menina; vou dizer-te uma coisa, para que não padeças mais fome. É isto: basta que digas à tua cabrinha: Linha cabrinha, põe a mesinha! E logo surgirá à tua frente uma mesinha ricamente posta, coberta com o que há de melhor no mundo, e ninguém te impedirá de comer até te fartares. Assim que estiveres satisfeita, dize: Linha cabrinha, tira a mesinha! E a mesinha desaparecerá. (continuação aqui).
Pugsley: We don't hug.
tanta coisa depende
Livros em francês! Dedais! Begônias!
Espelhinhos, escravos, rum e melaço! É impressionante
como todas as coisas do mundo vêm parar aqui em casa. Semana
passada alguém apareceu com um espelho. Não daqueles
com moldura de plástico, mas um espelho super cenográfico,
igual ao da bruxa má da Branca de Neve -- oval, com rococós
dourados, pedestal, moldura etc. Ontem a vizinha deixou no jardim
uma daquelas garrafas de tampinha em forma de gota para colocar licor,
super na moda em 1920. Estou determinada a decorar o quarto de maneira
estranha. Um lustre de pingentes não seria mal. Um pufe de
zebrinha, idem.
Madonna deixa hospital andando após cair de cavalo
É verdade, sem mentira, certo e muito verdadeiro: O que está abaixo é como o que está acima e o que está acima é como o que está abaixo.
- How old shall you be? - How many years should you be married? Pause. - How many grandchildren shall you have by now? How many? How many? How many? Ha! You do not answer that so quick. I make better questions than you answers, hmm?
Já comprou um livro apenas porque ele é grande?
Em geral, quando a gilete risca o pescoço ou o pulso, as pessoas costumam estancar o sangue depositando um metro e meio de terra sobre o cidadão.
João Ubaldo Ribeiro, em Sargento Getúlio, já escreveu: "Donde que o homem esguicha sangue mais longe do que pode cuspir".
- Olhe, o entusiasmo é uma mania, uma crise, [...] e eu não posso amar de verdade alguém que não seja capaz de, a qualquer hora do dia ou da noite, enlouquecer de alegria porque no cinema da esquina está passando um filme de Buster Keaton, ou algo assim. Ontem à noite, por exemplo, quando você falou de sair para comer batatas fritas no Boulevard Sébastopol e dar uma volta pelo bairro da Bolsa, Ludmilla começou a pular, você deve se lembrar, os olhos dela abriram até as orelhas e era como um violão, não sei, algo que tremia e vibrava, e não por seu Max Ernst ou seu Xenakis mas somente por umas batatas fritas e andar até o amanhecer, coisas sem importância.
[...] Pode acontecer dos pacientes atribuirem tais sintomas à pressão baixa por terem entendido mal as informações do médico que, ao falar em manifestações sugestivas "de depressão", seja interpretado como tendo se referido à manifestações decorrentes "da pressão".
Nós somos a Mulher Tatuada do circo, e nunca teremos um minuto de paz, o resto da vida, enquanto não virmos que todos os outros também foram tatuados.
[...] Em todo caso eu procurarei sempre essas mulheres que inventam a cada cinco minutos o aeroplano ou o submarino, figurativamente falando, que não podem ver uma tesoura e uma folha de papel sem recortar um coelhinho, que cozinham botando mel no lugar de azeite na frigideira para ver o que acontece com as costeletas de porco, e que em qualquer momento botam o rímel na boca e o batom nas sobrancelhas.
Sonhei ontem que tinha um sapo gigante fechando o meu caminho. Ele não saía do lugar; eu ficava olhando pra cara dele à espera de qualquer coisa. (Verde.) Mas ele me encarava, piscava os dois olhos ao mesmo tempo, bem devagar, e dizia: ÔI. eu tossia um pouco, trocava de lado, ele olhava de novo e dizia: ÔI. foi assim a noite inteira -- daí eu acordei, meu pai acendeu a luz e disse ÔI.
— Caramba — exclamou Jill. — Martinez, você parece um tomatão.
CADU DISSERTA SOBRE MESAS DE CENTRO Sem dúvida, um conceito nada trivial. A mesa de centro típica é definida não pela sua forma ou tamanho, mas pela função. Ela precisa, antes de mais nada, servir como um obstáculo surpresa para aqueles que tentam chegar no interruptor do outro lado da sala. Esta seria uma condição necessária, mas não suficiente. Deve ser ainda - ela própria ou o ornamento que ela suporta - um recurso para escapar do silêncio constrangedor entre o mocinho, dono da casa, e a mocinha acanhada, ansiosa e encantada com a mesinha de centro que ele comprou numa loja de móveis usados por quase nada. Mas aqui está a principal função de uma mesa de centro: quando ela é arrastada para o canto, os corações batem mais forte. Portanto, só se provará uma autêntica mesa de centro quando estiver no canto.
O cozinheiro Yohei é o melhor palhaço triste do mundo (porque ele tem as sobrancelhas pra dentro).
Um pianista displicente toca o bife sem olhar pra baixo. Na praça de alimentação, duas mulheres mexem o café com colherinhas de prata e dão risada de boca aberta; um par de irmãos sub-cinco lambe toda a extensão da embalagem de molho barbecue e também alguns nacos de mesa; uma senhorita grávida espera com o chapéu no colo. Adolescentes ocupam-se em apitar, ali mesmo, as quartas-de-final do campeonato de bafo com ênfase em notas fiscais, dois deles claramente roubando com uma camada de gordura na palma da mão. O pianista olha pra frente, alheio às coisas deste mundo. Só quer terminar o Opus 48 de Johann Sebastian Mastropiero e ir comer um salgado, por isso começa a tocar mais rápido. As mulheres paqueram o garçom número cinco e riem em jogral. O opus 48 vira 77 e parece que vai voar. Do meu lugar, vejo que alguns dos adolescentes tentam atrair a atenção das mulheres com gordos chicletes de mascagem difícil, no ritmo desencontrado do opus de Mastropiero. A moça grávida continua fazendo dobras nos guardanapos enquanto aguarda; ela não pensa em nada. A única pessoa que presta atenção no pianista é um senhor japonês sentado de lado na mesa do canto. Ele não pediu nada para comer, nem mesmo o Melhor Salgado da Cidade. Tem os braços cruzados sobre a mesa, às vezes chacoalha de lado ou encara o músico. Provavelmente é o gerente da praça de alimentação vistoriando os empregados. Talvez seja um admirador da obra de Johann Sebastian Mastropiero, ou o diretor desta peça na qual devemos nos levantar a qualquer momento e dizer nossa fala. Um ruivo de aparelho nos dentes é sagrado campeão do torneio de figurinhas e ganha o último salgado da estufa, a despeito do amigo astuto que terá problemas em retirar a gordura da mão com Ajax Festa das Flores. O garçom número cinco se recusa a atender as duas mulheres. Quando faltam cinco compassos para o final do opus, uma das crianças se levanta e fica em pé no meio da praça de alimentação, com as mãos pra trás, olhando bem séria para o pianista, que subitamente deixa de se tornar displicente e continua a música do jeito que quer. O irmão menor finge tocar no tampo da cadeira alta para bebês, joga os cabelos pra trás, como um artista incompreendido. O opus 48 de Mastropiero torna-se qualquer outra coisa e eu me debruço sobre a mesa. O pianista vira as folhas da partitura a esmo e inventa novas notas musicais. Nada daquilo parece que vai terminar. Ele encara a criança com curiosidade enquanto o japonês se levanta e obriga o garçom número cinco a atender as duas mulheres, que derrubaram os talheres de prata de propósito. A senhorita grávida espera. De uma ponta a outra, eu atravesso a praça de alimentação e vou embora.
Prezado assinante, neste momento as caixas postais com as letras "am" estão instáveis. Já contamos com uma equipe técnica trabalhando para que esta dificuldade seja solucionada o mais breve possível. No momento não dispomos de previsão.
Stottlemeyer: I thought you were afraid
of heights.
Just call me a nice, clean-cut Mongolian boy.
Divulgue:
O número três da Revista Ácaro em livrarias de reputação duvidosa. E compareçam ao folguedo de lançamento neste dia treze, à casa de chás indicada no site. Traje: casual agronegócios.
Delivery Room Doctor: Would you like
some anesthesia?
Minha mãe está com dificuldade para tirar as galochas. Ela se apóia na parede do quintal e tenta descolar a sola. Minha mãe passou os últimos anos lavando o quintal com um esfregão de nome Escovaldo, calçando e descalçando galochas, usando três partes de água para uma colher (das de sopa) de Ajax Festa das Flores, já citado anteriormente como desinfetante favorito de todos os quatro irmãos da família [Ajax] Festa das Flores Versão Genérica vem numa garrafa de plástico de Fanta Laranja, daí a coloração vagamente amarela e o aroma inebriante de cravos, madressilvas e grapefruit. Minha mãe higieniza nosso quintal em forma de U com um par de luvas de borracha e galochas; às vezes um dos irmãos deixa a janela do quarto aberta durante a limpeza e ela encharca de propósito a cama do canto, que pertencia ao mais velho, aquele que deu à mãe um par de galochas de bico fino e salto alto no último Natal, ao invés de um cinzeiro pintado à mão ou um porta-retratos de palito de sorvete. Os bicos finos das botas servem para agilizar a limpeza e matar baratas nos cantinhos, dizem os fabricantes. Minha mãe entrou na sala com as galochas nos pés, deixou um rastro de espuma no carpete e foi procurar a gaveta das ferramentas para uso doméstico. O sonho da minha mãe é ganhar uma maleta de chaves Phillips e alicates de cabo de plástico; enquanto isso não acontece ela empresta os serrotes para os vizinhos e espera que sumam, assim ela pede de presente para algum dos filhos um kit de oficina mecânica com a prioridade de consertar todas as coisas do mundo, inclusive a família Ajax. Quando o mais velho saiu de casa, o que solta um aroma de benjoim, logo depois do episódio das botas, minha mãe foi até o quarto dele e fechou a porta. Todos nós outros fomos dormir. Algum tempo depois, acordamos com uma explosão no quarto ao lado — minha mãe olhava a TV pequena que nós temos e dizia: "nossa!" no meio de muita fumaça. Os rolos de poeira preta que saíam do aparelho em crescente estado de curto-circuito alcançaram o céu e trouxeram o irmão mais velho de volta pra casa, com uma maleta de chaves Phillips feita sob medida para abrir galochas. O ruim de contar essas coisas pra qualquer um é que eu nunca sei direito o que elas querem dizer.
Este jornalzinho é impessoal, objetivo e imparcial. Computadores meticulosamente programados preenchem formulários, desenvolvem os textos, se emocionam, editam e publicam a visão neutra da coisa toda.
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2005
Vanessa Barbara |