A Hortaliça

www.hortifruti.org

"Não estou outra vez muito mal. É a mesma vez."
Edição #070, de 24 de novembro de 2007.
De todos os bares de todas as cidades do mundo,
ela foi entrar justo no do Seu Farias

hortalica@gmail.com
edição especial de desgôsto

 

"E Deus criou grandes baleias"
(Gênesis)


"A baleia é um animal mamífero sem pés traseiros"
(Barão de Cuvier)

 

A HORTALIÇA VIRA LIVRO E DECEPCIONA CRÍTICOS
Flávia Fusco, do Jornal do Commercio
 

A Hortaliça Completa - Anos de Aipos (Ed. Bem-Verão, 982 p., 2007) acaba de chegar às livrarias. Trata-se de uma compilação dos cinco primeiros anos deste semanário mandaquiense, com trechos de 442 escritores que fatalmente irão processar a autora, poemas alheios, letras de música, imagens sem créditos e textos de origem desconhecida. É um livro que, desde o início, enfrentou problemas judiciais e causou polêmica. Pela primeira vez na história editorial brasileira, foi empregada uma vasta mão-de-obra infantil para reler as provas, já que três dos revisores originais tiveram de ser afastados por problemas de saúde -- entre eles, Alexandre Bazine, renomado tradutor da língua russa, e Napoleão Mendes de Almeida Jr., filho do respeitado gramático. Isso nos três primeiros meses de composição do livro. Em meados de julho, após a conclusão do processo de checagem pela equipe da 2a. série B, o editor-assistente encarregado do projeto (que não quis ser identificado) foi preso sob suspeitas de adulterar a página 677 do segundo volume, inserindo trechos aleatórios de Mumu, a vaquinha jururu. A investigação ainda não foi concluída. A essa altura, a Bem-Verão Produções Editoriais já sofria fortes pressões da imprensa, principalmente após denúncias de utilização de verbas do governo para financiar um duvidoso Cristo Redentor de jardim, que sumiu inexplicavelmente entre as edições #40 e 44. Também ficou conhecida a briga com o Instituto Goeldi, que ameaçou processar a editora caso fosse publicada a gravura "Guarda-Chuva Vermelho" (edição #62). O processo atrasou em três dias a publicação do livro, tempo necessário para produzir uma nova obra baseada no original de Goeldi, conforme figuras a seguir:

Original: http://www.estadao.com.br/fotos/goeldi1.jpg

Versão do coletivo artístico A Orta:

Apesar dos percalços, a coleção foi finalmente lançada nesta quarta-feira, no bar do Firmo (rua Iris Leonor, 181 - Alto do Mandaqui), em um coquetel com degustação de legumes e apresentação de arados internacionais. Os dois volumes vêm em uma caixa verde com textura felpuda e encadernação de couro. A diagramação segue a proposta original do semanário. Já os textos são de uma incongruência alarmante; a autora deixa claro que não sabe fazer mais do que aglutinar uma porção de parágrafos alheios, sem nexo causal e motivo aparente. Em suma, A Hortaliça Completa é uma compilação de plágios, muitas vezes não identificados, e tolos fragmentos de autoria própria, como listas de supermercado e impressões sobre o carteiro ou o vizinho da frente. Há alguns momentos bons, como o Almanacão de Férias e os anúncios não-autorizados de serviços inúteis, mas em geral A Hortaliça Completa é apenas o que o jornalzinho tem sido nestes cinco anos: um amontoado de coisas (dos outros) que não interessam a ninguém, acrescidos de um ou outro editorial mal escrito e excessivamente adjetivado. Contos ruins aparecem em quase todas as edições, mas passam despercebidos em meio ao denso volume de asneiras. É um livro cansativo de verborragias que deixa o leitor esgotado nas dez primeiras páginas, e consta que nem a autora conseguiu ler tudo isso, jamais. "Eu, hein", declarou a própria, em coletiva para a imprensa.

Enfim, um fracasso editorial que vingou apenas no Lauzane Paulista, onde se lê qualquer coisa, e no Piauí, onde está sendo vendido por quilo a cooperativas de reciclagem. Para o ano de 2012 são aguardados os volumes três e quatro da coleção, referentes aos Anos de Acelgas.

Serviço:
A Hortaliça Completa - Anos de Aipos
Editora Bem-Verão, 2 v., 982 p.
Tradução de Remy Gorga Filho
Preço médio: R$ 1,99/kg

 

:: E PENSAR QUE ERA TÃO JOVEM ::

Sabe do que mais? Morreu hoje a mulher mais velha do mundo. Recebi várias mensagens dizendo "agora é com você".


:: TRECHO DE MÚSICA ::
"Goodnight Irene"

Sábado passado me casei / Eu e minha esposa sossegamos / Agora este sábado nos separamos / Vou dar um passeio no centro.


:: ALEGRIA, ALEGRIA ::
do diário de Antonio Maria, 30.06.57

Às vezes, me sinto muito só. Sem ontem e sem amanhã. Não adianta que haja pessoas em volta de mim. Mesmo as mais queridas. Só se está só ou acompanhado, dentro de si mesmo. Estou muito só hoje. Duas ou três lembranças que me fizeram companhia, desde segunda-feira, eu já gastei. Não creio que, amanhã, aconteça alguma coisa de melhor.


:: SOBRE OS PROCEDIMENTOS INDECOROSOS À MESA DE MEU SENHOR LUDOVICO ::
De Os Cadernos de Cozinha de Leonardo da Vinci, que foi também cozinheiro, no final do século XV

Nenhum convidado deverá sentar em cima da mesa, nem de costas nem sobre a roupa de outro convidado.
Não deverá botar sua perna em cima da mesa.
Não porá sua cabeça no prato para comer.
Não pegará a comida de seu vizinho sem antes pedir licença.
Não porá pedaços mastigados de sua própria comida no prato de seu vizinho sem primeiro perguntar a ele.
Não limpará sua faca na roupa do vizinho.
Não porá comida da mesa em seu bolso nem em sua bota para comer depois.
Não beliscará nem baterá em seu vizinho.
Não fará cara feia nem girará os olhos.
Não conspirará à mesa (a não ser que o faça com Meu Senhor.)
Não fará aos pajens do Meu Senhor sugestões luxuriosas nem brincará com seus corpos.
Não soltará seus pássaros na mesa.
Assim como tampouco escaravelhos ou víboras.
Não baterá nos serviçais (só pode fazê-lo em caso de sua própria defesa)
Deverá abandonar a mesa se está para vomitar.


:: ANÚNCIO EM JORNAL ::

Você conhece a sua realidade evolutiva? Palestras grátis.


:: INSONES FAMOSOS ::
do Livro das listas

Marlene Dietrich disse que a única coisa que a acalentava para dormir era um sanduíche de sardinhas com cebola no pão de centeio.


:: RUPTURA ::
De Ievtushenko, já que estamos em uma edição depressiva

Deixei de amar: esse é o tedioso fim da nossa história,/ tão chato quanto é a vida, tão aborrecido quanto o túmulo./ Desculpa-me: romperei a corda desta canção de amor,/quebrarei o violão. Nada há para salvar.

Nosso cachorrinho está espantado. Nosso monstrinho peludo/ não entende porque complicamos assim coisas tão simples --/ choraminga na nossa porta e deixo-o entrar./ Sempre que ele arranha a sua porta, você o deixa entrar.

Cão, cãozinho sentimental, você vai é ficar doido/ correndo assim de um para o outro --/ você é jovem demais para entender uma idéia muito antiga:/ acabou, dançou, it’s over, kaput. Finis.

Dê uma de sentimental e você acabará representando/ o velho melodrama A Salvação do Amor./ “Perdão”, sussurramos, e esperamos um eco;/ mas nada retorna do silêncio acima de nós.

O melhor é salvar o amor desde o começo,/ evitando todos os apaixonados “nuncas” e “para sempres”;/ devíamos ter ouvido o que as rodas do trem gritavam:/ “Não façam promessas!” Promessas são alavancas.

Devíamos ter prestado atenção nos galhos quebrados,/ devíamos ter olhado para o céu enfumaçado,/ advertindo quanto às tolas pretensões dos amantes--/ quanto maior a esperança, maior a mentira.

Ternura verdadeira, no amor, significa permanecer sóbrio,/ sopesando cada elo da corrente que você tem de carregar./ Não prometa o céu a ela –sugira meio alqueire;/ não “até a morte” mas, pelo menos, até o ano que vem.

E não fique dizendo “Eu te amo, eu te amo” toda hora./ Essa frasezinha implica uma vida durável/ e, quando nos lembramos dela de novo, numa hora sem amor,/pode furar como um espinho, ou apunhalar como uma faca.

É por isso que nosso cãozinho, inteiramente confuso,/ anda de cá para lá, de uma porta para outra./ Não direi “me perdoe”. Pedirei perdão/ por uma coisa só: houve um tempo em que te amei.


:: E AGORA, PARA ALGO COMPLETAMENTE DIFERENTE ::

...desce a Marilyn Monroe com uma malha horrorosa: 'Cause my heart belongs to daddy. Dadadadada.


:: ANÚNCIOS ::

II Encontro de Yoga de Valinhos
no Clube Atlético Valinhense
coord. profa. Everarda de Paulo
dia 10 de junho das 9h às 12h no Salão Social

Aberto para:
- maiores de 17 anos
- praticantes e não-praticantes
- associados e convidados
- estacionamento externo para convidados

Informações e inscrições nas Aulas de Yoga - na Secretaria do Clube ou (19) 3871-2034
www.clubevalinhense.com.br


:: PRIMEIRO RELÓGIO ::

O primeiro relógio portátil da História, que os atarefados proprietários podiam levar de um lado para outro, foi construído pelo serralheiro alemão Peter Henlein em 1512, mas não era usado no pulso. Tinha 12 centímetros de diâmetro e só podia ser pendurado no pescoço.


:: MAIS FOSSA ::
do diário de Alexis, em Dentro da floresta, David Remnick

6/1/18

Levantei às 7. Tomei chá com papai, Tatiana e Anastasia. Jogamos cartas. Maria vestiu-se e está andando pelos quartos. Às 6 horas brincamos de esconde-esconde, gritamos e fizemos muito barulho.

7/1/18

O dia todo foi igual a ontem.

8/1/18

O dia todo foi igual a ontem.


:: ANÚNCIOS ::

Experimente Avatar®
Faça o mais poderoso e mais puro programa de autodesenvolvimento disponível no mundo!
Viva deliberadamente!
F: (11) 5062-3413
avatar@sentidosconsultoria.com.br
www.vivaavatar.com.br


:: LEMBRANÇAS ::
Jon Lee Anderson

Não quero esquecer nada. Quero sempre ter todas as minhas lembranças comigo. Assim, sei por onde piso e onde cai a minha sombra.

 

ESPECIAL

Em conformidade à edição especial de fossa ("Morrer é apenas não ser visto. Morrer é a curva da estrada"), apresentamos como ilustre convidado o sr. Gustavo Flaubert, que depois de se lamentar bastante passa a batata para o sr. Honoré de Balzac, um senhor patusco que acaba por nos livrar do suicídio coletivo com sua visão otimista da existência.

As citações foram retiradas de Cartas exemplares, de Gustave Flaubert, e Correspondência, de Honoré de Balzac.


PARTE 1 - FLAUBERT


:: DE FLAUBERT A ALFRED LE POTTEVIN ::
Milão, 1845

Quanto a mim, estou de fato muito bem, depois que aceitei estar sempre mal.


:: DE FLAUBERT A ERNEST FEYDEAU ::
Croisset, 19 dez. 1858

[...] Você me pergunta em que é que estou me tornando? Eis: levanto-me ao meio-dia e me deito entre três e quatro horas da manhã. Durmo lá pelas cinco. Só quando consigo ver claridade no céu. Coisa odiosa no inverno. Assim, não sei mais distinguir os dias da semana, nem o dia da noite. Vivo de um modo bravo e extravagante que me agrada muito, sem um acontecimento, sem um barulho. É o nada objetivo, completo. E não trabalho mal, para mim pelo menos. De dezoito dias para cá, escrevi dez páginas, li inteira a Retirada dos dez mil e analisei seis tratados de Plutarco, o grande hino a Ceres (nas Poesias Homéricas em grego), mais o Encomium moriae de Erasmo, e Tabarin à noite, no meu leito, para me divertir.

[...] Sério mesmo, creio que jamais empreendeu-se um tema tão difícil para o estilo. A cada linha, a cada palavra, a língua em falta e a insuficiência do vocabulário são tantas, que sou forçado a mudar freqüentemente os detalhes. Eu vou me arrebentar, meu velho, eu vou me arrebentar. Pouco importa, isso começa a divertir-me demais.


:: DE FLAUBERT A MLLE. LEROYER DE CHANTEPIE ::
Croisset, 11 jul. 1858

Há três meses que só me levantei da cadeira para banhar-me no Sena, nos dias de calor. E o resultado de tudo isso consiste em um capítulo, nada mais! Que ainda não terminei.


:: DE FLAUBERT A ERNEST FEYDEAU ::
Croisset, mai. 1859

[...] Entendo por viver como eu o seguinte: 1o.) no campo durante três quartos do ano; 2o) sem mulher (ponto bastante delicado, mas considerável), sem amigo, sem cavalo, sem cachorro, em suma sem nenhum dos atributos da vida humana; 3o) e olhar como nada tudo que está fora da obra em si mesma. O sucesso, o tempo, o dinheiro e a publicação estão relegados no fundo do meu pensamento a horizontes muito vagos e perfeitamente indiferentes. Tudo isso me parece estúpido e indigno (repito a palavra, indigno) de emocionar o cérebro.

A impaciência que têm os letrados em se verem publicados, representados, conhecidos, elogiados me maravilha como uma loucura. Isto para mim parece ter tanta relação com o trabalho deles quanto com o jogo de dominó ou a política. É isso.

Todo mundo pode fazer como eu. Trabalhar assim lentamente e melhor. É preciso apenas desembaraçar-se de certos gostos e privar-se de algumas doçuras. Eu não sou nada virtuoso, apenas conseqüente. E ainda que tenha grandes necessidades (das quais nada digo), eu prefiro ser inspetor de colégio do que escrever quatro linhas por dinheiro.


:: DE FLAUBERT A SI MESMO ::
citando São Policarpo

Meu Deus, em que século me fizestes nascer!


PARTE 2: BALZAC


:: DE BALZAC A SUA MÃE ::
em 1832

A correspondência está me matando. Tenho de escrever a duas pessoas ao mesmo tempo. [...] Minha vida é um milagre constante. É incrível o quanto eu consigo produzir.


:: DE BALZAC A SUA IRMÃ ::

Quinhentos francos por mês equivalem a 6 mil por ano, e, para ganhá-los, tudo o que preciso fazer é escrever um capítulo a cada manhã. [...] Em breve, Lorde R'Hoone será o homem do momento, o mais prolífico e agradável dos autores... E então homens, mulheres, crianças e embriões estarão saltando para cima e para baixo como colinas, e eu terei dezenas de casos de amor.

[Enquanto isso, caso fracassasse, sua irmã tentaria encontrar para ele uma viúva rica.]

Envie todas as que puder encontrar para Lorde R'Hoone, Paris. Devem ser enviadas pré-pagas, sem rachadura ou defeito; ricas e amáveis são preferíveis; beleza não é essencial.


:: DE BALZAC A SEU EDITOR, EDMOND WERDET ::

[Em pouco tempo ambos estaremos ricos,] e nossas carruagens se encontrarão no Bois de Bologne, para mortal irritação de todos os que nos invejam. Aliás, fiquei sem dinheiro. Pedi 500 francos emprestados a Rothschild em seu nome, pagáveis em dez dias.

 

DE VOLTA À PROGRAMAÇÃO NORMAL

:: ANÚNCIOS ::

Clube Lausanne Paulista
Baile da Primavera
29/07/2007
a partir das 19h
Com os meninos de Itu


:: GOOD OLD NEON ::
David Foster Wallace

Este é mais um paradoxo, que a maioria das impressões e pensamentos mais importantes na vida de uma pessoa são os que passam pela cabeça tão rápido que rápido não chega nem a ser a palavra exata, eles parecem ser tão diferentes ou alheios ao tempo normal e seqüencial do relógio que rege nossas vidas e possuem tão pouco em comum com o inglês meio linear, de uma -palavra- depois- da- outra, com o qual todos nos comunicamos que poderia levar uma vida inteira, fácil, só para expôr em detalhes um segundo do conteúdo de um clarão de pensamentos e conexões etc. - e apesar disso parece que continuamos tentando usar o inglês por aí (ou seja qual for a língua nativa usada em seu país, não precisa nem dizer) para tentar transmitir aos outros o que estamos pensando e descobrir o que eles estão pensando, quando bem no fundo todo mundo sabe que é uma charada e que faz tudo parte de uma encenação.


:: HALLOWEEN NO MANDAQUI - I ::

Acabou de passar um bruxo que, em vez de doces, pediu 1 real. "Eu sou um bruxo carente", argumentou o referido cotoco.

 

:: HALLOWEEN NO MANDAQUI - II ::

versão tupiniquim do trick or treat.

criança vestida de monstro: "Se você não der doces, a gente vai te assaltar".

 

:: NOITES ÁTICAS ::
Aulus Gellius, séc. II

Livro VII - XXII. Como os censores tinham o hábito de confiscar os cavalos aos cavaleiros [Ordem Equestre] demasiado gordos. E se esta condenação era degradante para os cavaleiros, ou se ela não atingia a sua dignidade.

Quando os censores encontravam um homem gordo, tinham o hábito de lhe confiscar o cavalo, julgando, sem dúvida, que o peso do seu corpo o tornava impróprio para o serviço de cavalaria. Alguns pensam que tal não era uma punição, mais apenas um licenciamento sem degradação. No entanto Catão, num discurso que escreveu para a Celebração dos sacrifícios, reprova esse facto a um cavaleiro de forma tão incisiva que não restem dúvidas que ele atribuía a isso uma ideia de degradação. Se adoptarmos esta opinião, devemos acreditar que quem possuísse um corpo excessivamente gordo era olhado como culpado de indolência.


:: A HORA E A VEZ DA MUDANÇA ::

vote Chris Christmas Rodriguez to replace santa this year
http://www.wiggerl.com/ccr/


:: THE DARK SIDE OF THE UKE ::
colaboração do idôneo André Conti

Os Tatamimats, músicos de San Francisco, tocam o álbum inteiro The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, em ukelele. Há rumores de que irão se apresentar em breve ao lado da Pink Polka, de Toledo, grupo de polka que faz covers do Pink Floyd. Rapaz, vou te contar: "Another Brick in the Wall" é outra coisa em sanfona.


:: GRANDE E LUSTROSO LEGUME ::
de Anna Kariênina, Tolstói, colaboração do Chico Mattoso

O príncipe gozava de uma saúde incomum, mesmo entre os príncipes; graças à ginástica e a bons cuidados com o corpo, chegara a possuir tamanha energia que, apesar do excesso com que se entregava aos divertimentos, mantinha o frescor, como um grande e lustroso pepino verde holandês.


:: CARTA AO LEITOR ::

Prezado sr. Duarte,

Conforme solicitação, informamos que já foi enviado para a sua residência um boleto bancário no valor de 9,90 por dia + taxa de embarque, referentes à assinatura do jornal A Hortaliça. Em breve você receberá em sua casa um de nossos representantes para maiores esclarecimentos e para retirar (mediante confirmação expressa) um de seus rins. O diferencial de nossa publicação, além do serviço personalizado e da abundância de agrotóxicos nas folhas, é justamente o que o sr. mencionou na carta: a estrita correlação entre os textos, o nexo e a verossimilhança do conjunto da obra. Abobrinhas, pepinos e repolhos são graciosamente mesclados por nossos escribas, que trabalham 24 horas por ano, um dia por semana e olhe lá.

A propósito, a identificação vai sempre depois do ps.

Conseqüentemente,
A Hortaliça

ps. favor mandar uma amostra de unha para catalogação no setor de assinaturas.


:: ANÚNCIO ::

Pax Universal
Há 22 anos trabalhando pela Paz e Cura em Nossa Mãe Terra

Consulte nossa programação gratuita semanal
São 27 atividades gratuitas durante toda a semana:

- Energizações
- Palestras
- Vivências
- Rituais
- Meditações

Fraternidade Pax Universal
(Não temos filiais)
Av. Braz Leme, 1353 - SP - SP
Tels: (11) 6236-0244, 6236-2726
www.pax.org.br ou www.carmenbalhestero.com.br


:: TRANSPORTES NO MANDAQUI ::

Motorista do Lauzane 1744 para motorista do Lauzane 178L, que dirigia um ônibus novo de piso baixo:
"Ôoooooo, é só para a diretoria, hein?"


:: SISTEMA DE CURRÍCULOS LATTES ::
publicado originalmente na revista Pesquisa, da Fapesp (abr 2007)

Aos oito anos, Bruno inventou um protótipo de torradeira movida a cuspe que não funcionava. Sua irmã, Teresa, passou a usar o objeto para alisar o cabelo, mas sem a anuência do inventor. Bruno também é conhecido como o detentor das patentes do forno de madeira e do dedal de pão. Na feira de ciências da escola, testemunhas alegam que ele incendiou um batalhão de 58 soldadinhos de plástico — que derreteram lentamente enquanto as meninas da classe gritavam — e, ao ser escoltado à diretoria, garantiu que a ciência ainda descobriria a utilidade prática daquele experimento. Bruno era o campeão em combustões espontâneas e possuía uma coleção de quinze tipos de coleópteros, que ele vinha treinando para estrelar um musical de horror em stop-motion chamado “Besouros!”.

Daí se pode concluir, portanto, que Bruno nasceu para a ciência. No dia em que concluiu seu minucioso trabalho de coleta da gripe (espirrou durante meses nos potes de maionese e rotulou-os de um a vinte) e deu início à fase empírica do trabalho, Teresa foi a primeira voluntária a ser levada ao laboratório. Algum tempo se passou sem que a diretora soubesse exatamente o que tinha acontecido com a menina. Quando, na sexta-feira, a mãe de Bruno ligou para a escola justificando a ausência da filha, contaminada por um rotavírus, Bruno anotou “pneumococo!” no caderno e foi escoltado para a diretoria, provavelmente dedurado pelo bedel surdo do corredor. Além disso, a melhor amiga de Teresa apareceu na escola com piolho, mas não há indícios de envolvimento do garoto na epidemia.

Bruno gostava de fazer incursões por todos os ramos conhecidos da ciência. Aos doze anos, criou cogumelos no tapete da sala. Aos quinze, imantou a máquina de lavar e arrastou-a por três metros, até que ela caísse da escada e quebrasse o chão do quintal. No mesmo ano, construiu um pára-raios e assassinou a tartaruga, após quebrar um termômetro e misturar mercúrio à comida do animal. Seus métodos eram cada vez mais discutíveis. A classe se dividia entre apoiá-lo e dedurá-lo ao bedel, que continuava surdo, a despeito de todas as tentativas de Bruno. (É verdade que certa vez ele fez nascer um pêlo branco na orelha do bedel, mas infelizmente o pêlo não restaurou sua audição e foi arrancado para biópsia.)
Finalmente, Bruno se formou com média seis ponto dois e entrou para a faculdade de biociências. Logo no primeiro ano, seu trabalho de iniciação científica destacou-se por um inédito achado estatístico: o encontro de freqüentes casamentos entre mulheres com artrite reumatóide e homens com úlcera péptica, o que caracterizaria uma ligação neurótica entre mulheres agressivas e controladoras e homens passivos e dependentes. (Embora o tema original do trabalho fosse as abelhas.) Foi nesse ano que Bruno explodiu a porta do Instituto de Física e matou mais uma tartaruga, durante uma pesquisa com amianto. Graças à alta rotatividade de seus animais de estimação, ganhou uma pedra para cuidar quando completou 21 anos.

A trajetória acadêmica do garoto passou de boa para questionável; professores se recusavam a orientá-lo em projetos francamente anormais e rejeitavam sua inscrição nas disciplinas. Ao ser destacado como monitor das aulas de genética, convenceu um de seus pupilos a implantar duas orelhas em um besouro (ou dois besouros em uma orelha) e obteve sucesso em ambas as experiências, ao que telefonou imediatamente para o bedel surdo. Como o sujeito estava cada vez mais surdo, foi difícil transmitir a emoção que lhe traria uma nova orelha na nuca. Da longa resposta, Bruno só conseguiu entender que o pêlo branco nascera de novo e crescia todos os dias, à razão de dez centímetros por semana. E o pior: estava captando as ondas de uma rádio comunitária. Bruno desistiu da implantação auricular e prometeu passar na casa do bedel com um contador Geiger.
No último ano da faculdade, Bruno decidiu que começaria a usar um chapéu, informação que pode ou não adquirir importância no decorrer da história. Afora isso, a vida se arrastava numa mesmice: Teresa resistindo para não virar cobaia, e o bedel surdo se alarmando com as emissões de ondas infra-sônicas que escutava todas as manhãs. Um dia, porém, na aula de Zoologia de Vertebrados ii, aconteceu o improvável: ele se apaixonou pela garota da primeira fila. Bruno percebeu que a moça não dava bola para ninguém, mas que prestaria atenção (ah, se prestaria) caso ele ejetasse a si próprio da carteira e fosse audaciosamente rumo aonde nenhum acadêmico jamais esteve. Primeiro, esboçou o protótipo da almofada ejetora, que grudaria ventosas na superfície e impulsionaria o cientista para o alto, a uma distância de muitos metros em direção às nuvens. Isso tudo teoricamente, porque na prática a almofada sugou Bruno para baixo com toda força e quebrou o chão do quintal, mais uma vez. Como ele usava apenas um capacete, acabou fraturando a bacia.

Bruno se formou na universidade com média seis ponto dois, ficou três meses em repouso e acabou desistindo de cortejar a garota, que no entanto continuou sendo a musa de suas criações posteriores. Em seu período mais produtivo, aos trinta, ele confeccionou um despertador não intrusivo (que apenas acenava para o dorminhoco, sem disparar alarmes), uma maçã com gosto de mandioca e uma nova linha de post-its sabor morango, que vendeu para a Pfizer.

Aos quarenta anos, veio uma fase mais abstrata, voltada a descobrir coisas já descobertas: primeiro a Birmânia — antiga Mianmar —, depois o fogo e, em seguida, o ovo frito. Bruno já não sentia todo o potencial criativo da juventude e pensou em se aposentar. Foi um período de muitas dúvidas, em que ele chegou ao cúmulo de subestimar a real utilidade de sua pesquisa sobre pneumococos. Mesmo assim, a coleção de coleópteros do cientista alcançou a marca do milhar, com a ajuda de alguns sapos.

Mas Bruno não havia esquecido seu grande projeto de vida, a portentosa obra-prima da engenharia que agora tomaria forma: na noite em que completou cinqüenta anos, afinal, aposentou-se e retirou-se para o campo, a fim de testar a almofada ejetora, o sonho de toda uma vida. Meses se passaram. Nunca mais se ouviu qualquer notícia do rapaz, e nem sua irmã sabe o que aconteceu durante a comprovação empírica. Anos depois, um cientista acabou lendo a obra completa de Bruno (em volumes de pano) e anunciou a cura do diabetes após estudar o episódio dos soldadinhos incinerados.

Mais tarde, um astrônomo amador descobriu que o pêlo branco conseguia captar rádios comunitárias de outros planetas.

 

EXPEDIENTE

Direção, roteiro e figurino: Bem Verão Produções Improváveis.

==================

"Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado -- logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido" (Stephanie Avari, que realmente mora na rua Paulo da Silva Gordo)

## Você está recebendo !!Witzelsucht!! porque estava na mala direta. Ou então, ou então! Você está recebendo o !Rododendro! porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e o To Fu, que ganhou o direito de trazer um tufo de nenúfares e furar a fila (desculpe). Caso não queira voltar a receber este jornalzinho, mande um e-mail para hortalica@gmail.com e diga na linha de assunto: "Foi demais para Kudno Mojesic", mesmo que você não seja -- e nem planeje ser -- Kudno Mojesic.

::: www.hortifruti.org :::


God is coming.
Look busy.



2005 Vanessa Barbara