Nesta edição, prestamos tributo ao único livro do mundo com espaço para colar comprovantes de bagagem. É O livro amarelo do terminal (CosacNaify), que já está à venda nas melhores oficinas mecânicas e contém um gerador automático de reportagens, para uso público e irrestrito -- basta preencher as linhas pontilhadas. É um épico do transporte viário que mistura fragmentos de conversas, tabelas de preços, descrições, perfis e momices, além de um capítulo puramente inventado. O livro foi escrito em 2003 e é completa e irremediavelmente amarelo, com muitas lacunas para colorir. A seguir, publicamos trecho do prefácio e algumas das citações mais relevantes no que concerne ao volume.
Atenção: O lançamento oficial será no dia 12 de agosto, às 19h30 na Livraria da Vila da Fradique Coutinho. Na ocasião, responderemos perguntas sobre icterícia, números primos e vida pessoal (dos outros). Mais informações no final deste memorando. No dia 13, em continuação ao miniciclo de jornalismo, haverá o lançamento de O santo sujo, do hortaliço Humberto Werneck, que já figurou à revelia nalgumas edições deste pomar. :: PREFÁCIO :: A rodoviária do Tietê é uma cidade de coisas perdidas. “O caça-níqueis está aqui há dois anos”, informou a funcionária, mostrando uma lista que enumerava o esquecimento de espingardas (duas), motocicletas (duas), um banco de kombi, uma máquina de serrar azulejos, camas, muletas, motores de moto, pneus, dentaduras e uma mão mecânica.
“Às vezes vem gente procurando amigos desaparecidos: mostram a foto e perguntam se já encontraram”, contou Andréia, que trabalha no setor de Achados e Perdidos. De fato, muitos pernambucanos, baianos, peruanos ou mineiros perderam-se há algum tempo em São Paulo e continuam deslocados, reprimindo a cada dia o desejo de voltar para casa (depois, talvez, quando os guris crescerem e sair a aposentado¬ria). Têm nomes como Rosa, Hugo, Rosângela Ivonete, José Fernando, Cláudio, Edilene. Vagam pela cidade junto aos guarda-chuvas esquecidos, aos botões que se desprenderam, às dentaduras e todas essas coisas que não se sabe mais onde estão. A rodoviária é uma cidade de pessoas que andam com um enorme fiapo preso aos pés, de gente que derruba café no chão e joga o papel higiênico fora do lixo. De moças que exigem cartões telefônicos e praguejam do alto de seus óculos escuros. É uma cidade de homens que preenchem o formulário de sugestões apenas para reclamar, que acendem velas dentro do guarda-volumes e resmungam que todos ali são incompetentes. De gente que sugere a instalação de um ar-condicionado com urgência, porque na Europa... Uma cidade onde é necessário pedir autorização para conversar com os funcionários; onde é proibido fotografar os ônibus, e os seguranças cumprem ordens do diretor-assistente administrativo, detentor de um escritório espaçoso e um farto bigode. Na rodoviária, milhares de pessoas acotovelam-se numa fila para comprar bilhetes, outras andam de um lado para outro ou arrumam encrenca, alguns empurram os funcionários na plataforma de desembarque ou ameaçam agredi-los a socos — mas as sugestões, meu senhor, devem ser preenchidas com letra de forma neste formulário específico, numerado e identificado, para que possamos... É uma cidade onde os passageiros de Holambra ficam agradecidos e oferecem estadia e flores aos funcionários; onde a atendente ganha um pão de queijo e um aceno da moça que não sabia ir a Santo Amaro. É uma praça pública onde a senhora da limpeza conversa com uma avó de três crianças, e como isso aqui é grande, hein?, eu demoro duas horas pra voltar para casa (e eu, 37), mas só saio daqui às dez. Nos corredores do terminal, 100 mil cafezinhos e doze toneladas de pão de queijo são consumidos por mês, trezentos quilos de chiclete desgrudam-se do chão a cada grande faxina e 60 mil passageiros vão e vêm, a cada dia. Todo mês, 1,4 milhão de créditos telefônicos são consumidos nos orelhões, o que equivale a 46 mil horas de conversa ou 84 milhões de “alôs” repetidos à exaustão. São 63 lojas e onze quiosques, 650 quilowatts de energia por hora, 9 milhões de litros de água e mil quilômetros de papel higiênico (dentro ou fora dos cestos de lixo). Ao todo, são 1 806 funcionários que trabalham em três turnos: 445 na administração, 346 nas lojas, quatro mocinhas no balcão de informações e a filosófica atendente Rosângela, que odeia quando não olham para ela e lhe cospem ordens, números ou interrogações sem sentido. Para muitos, a rodoviária é um grande shopping center visto com os olhos de um contador: massas numéricas e estatísticas de porcelana. Mas talvez seja um lugar onde mocinhas sobem as escadas do embarque sem olhar para trás, homens ultrapassam a linha amarela para abraçar parentes e um velhinho cochila em silêncio, em cima de sua bengala. No terminal, o usuário pode polir sapatos em máquinas elétricas (sala Vip) ou derrapar em salgadinhos Chipola (plataforma 82). Pode comprar cisnes dourados na tabacaria ou recolher latinhas de alumínio dos cestos de lixo. Na rodoviária do Tietê, é normal colocar tigres de pelúcia na cabeça, dançar em trenzinhos de conga, cumprimentar os lojistas todos os dias às 7 em ponto, carregar carne-seca com vermes brancos ou sentar-se em um dos 1 200 bancos de espera para tirar os sapatos (aliviado). Pode-se dançar com uma bolacha de maisena na mão ou mostrar a fralda para os transeuntes. Pode-se ir para Piracanjuba ou para Morro do Chapéu, pode-se voltar de Buenos Aires e depois tomar um banho, após deixar dez reais para garantir a toalha. Também é possível pesar os volumes na Viação São Geraldo, pedir ajuda aos carregadores de amarelo — e, se você for freira e isso for mesmo necessário, embarcar sua prancha de surfe sem problemas. Nos corredores do Tietê, alguns aceleram o passo mesmo sem ter motivo e perguntam aos gritos onde fica o guichê da Cometa, mas também é permitido parar em algum canto e ficar ali, de bobeira, conversando com o Papai Noel ou com uma senhora de blusa de lã que diz (de repente) que a marinha Britânica está vindo buscá-la. A rodoviária do Tietê é uma cidade de chicletes abandonados, de pessoas com pressa e de coisas perdidas. :: MANCHETES :: direto dos corredores do terminal Para que serve o baço? (Revista Saúde) Vanessa Paz: poderia ser a solução para as loucuras da guerra (revista Private) Aprenda a fazer espuma em casa (não identificada) Cão calçado: proteção e charme (revista Cão & Cia.)
Carnaval
Páscoa
Natal
já é intenso nas principais rodovias. De acordo com a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), o trânsito é lento nos principais corredores da cidade, entre eles as Marginais Pinheiros e Tietê, pistas expressa e local, em ambos os sentidos e em praticamente toda a extensão. Nesta manhã/tarde, foram registrados
quilômetros de lentidão. A previsão é de que
carros deixem a cidade até amanhã.
:: MÁXIMA DO TIETÊ ::
García Lorca Debaixo das multiplicações Há uma gota de sangue de pato. :: E AGORA, PARA ALGO COMPLETAMENTE DIFERENTE :: Episódio de Monk O Monk ajuda um cara do FBI com a promessa de receber o distintivo de polícia de volta, mas o cara sacaneia ele e não cumpre o trato. Aí o Capitão fala pro sujeito do FBI: "O Adrian Monk pode ter medo de leite, germes, elevadores e... cãezinhos, mas você nunca chegará aos pés daquele homem." E, no final, os dois dizem: Monk: Ele não vai ajudar, certo? Capitão: Não. Sinto muito. Monk: Acho que nunca esperei isso. Capitão: Nunca confie num federal. [pausa] Ele merecia uma surra. Monk: Não se preocupe. Eu já me vinguei. [com um sorrisinho] Capitão: Sério? O que você fez? Monk: Está vendo os furgões deles? Capitão: Sim. Monk: Um está lotado, e o outro não está nem pela metade. Capitão: ... Estão desiguais. Monk: E eu não contei a ele. Não disse uma só palavra. Vou apenas deixá-los partir assim! Capitão: Ele vai aprender a não nos sacanear! Monk: Sem dúvida! :: MAIS UMA CITAÇÃO FORA DO CONTEXTO :: Mark Twain Suponho que os estrangeiros não apreciam nossa comida mais do que nós a deles. Não é de estranhar, pois o paladar se forma, não se nasce com ele. Posso elogiar o meu cardápio até não agüentar mais, porém o escocês balançaria a cabeça e perguntaria: – Cadê a lingüiça de sangue de porco? – E os nativos das Ilhas Fiji perguntariam: – Cadê o missionário? :: BABOON HOTLINE :: A special baboon Hotline has been set up for anyone to report sightings or for information about baboons. Call us! 1-800-55-BABOON -- Baboon Hotline, can I help you? :: DE GUSTAVE FLAUBERT A ERNEST FEYDEAU :: 21 agosto de 1859 Não tenho nenhuma biografia. Diga-lhe o que você quiser, o que lhe der prazer. Não se pode viver mais desde que nos tornamos artistas, é preciso que os merceeiros, recenseadores, comissários de alfândega, sapateiros e outros senhores divirtam-se à sua custa! Há pessoas encarregadas de lhe dizer se você é moreno ou louro, engraçado ou melancólico, com não sei quantas primaveras, dado à bebida, ou amante da harmônica. Penso, ao contrário, que de si próprio o escritor só deve deixar suas obras. Sua vida pouco importa. Nada de farrapos! [...]Tenho vontade de inventar uma autobiografia bem bonitinha, a fim de criar uma boa opinião sobre mim: 1o. Ainda criança, disse todas as frases célebres da história: "Combateremos à sombra -- quando perderem suas bandeiras e insígnias -- bata, mas ouça etc."; 2o. Eu era tão bonito que as amas... e a duquesa de Berry parava sua carruagem para me beijar (histórico); 3o. Eu denotava uma inteligência desmedida. Antes dos dez anos, eu sabia as línguas orientais e lia a Mecânica celeste de Laplace; 4o. Salvei de um incêndio XLVIII pessoas; 5o. Por desafio, um dia eu comi XV lombos assados, e ainda posso, sem problema, beber 72 decalitros de aguardente; 6o. Matei em duelo trinta carabineiros. Um dia, éramos três, eles eram dez mil. Nós lhes demos uma surra! 7o. Deixei fatigado o harém do Grande Turco. Todas as sultanas, quando me viam, diziam: "Como ele é lindo! Como ele é lindo! Taieb! Zeb Ketir!" 8o. Entro na cabana do pobre e na mansarda do operário para aliviar misérias desconhecidas. Ali mesmo, eu vejo um velho..., aqui, uma moça etc, e semeio ouro com minhas mãos; 9o. Tenho oitocentas mil libras de renda. Dou festas; 10o. Todos os editores vivem atrás de meus manuscritos; 11o. Conheço o "segredo dos gabinetes"; 12o. (e último) Sou religioso!!! Exijo que meus empregados comunguem. :: MANCHETE :: da revista Sapiens, julho 2006 Biólogos afirmam que os polvos têm personalidade definida e costumam brincar com comida :: SITES ÚTEIS :: para a garotada Suposta obra de Martin Creed, "Vendo a tinta secar" Orquestra sinfônica da BBC executa a peça 4'33'', de três movimentos, de John Cage Versão da peça para piano, com legendas em japonês Site oficial do Ronnie Von Tudo sobre a pedra-pomes ou púmice Foto do planeta Hercólobus, que se aproxima da Terra a velocidades espantosas :: AUTÓGRAFO POR REEMBOLSO ::
Do meu irmão, do Chico Mattoso e do galante André Conti. Baboon Hotline, can I help you? Confira as formas e taxas de entrega conforme a sua região de entrega. Atualmente, atendemos São Paulo Capital, Osasco, Barueri, Santana do Parnaíba, Cotia, Jandira, Litoral Paulista e Interior Paulista, Rio de Janeiro (inclusive Angra dos Reis), Brasília e Curitiba. Obs.: Não entregamos em ilhas. ================== "Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado -- logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido" (Stephanie Avari, a moradora mais ilustre da rua Paulo da Silva Gordo) ## Você está recebendo !!Witzelsucht!! porque estava na mala direta. Ou então, ou então! Você está recebendo o !Rododendro! porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e o To Fu, que ganhou o direito de trazer um tufo de nenúfares e furar a fila. Caso não queira voltar a receber este jornalzinho, mande um e-mail para hortalica@gmail.com e diga na linha de assunto: "Foi demais para Kudno Mojesic", mesmo que você não seja -- e nem queira ser -- Kudno Mojesic. ::: www.hortifruti.org ::: Promoção: Diga a palavra "Chipola" e ganhe um par de muletas na compra de 2 mil exemplares.
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2005
Vanessa Barbara |