A Hortaliça
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Caviar é uma ova
#081 - São Paulo, 5 de abril de 2010
Carmin de chochonila, nós gostamos de você
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Edição desnecessariamente extensa
Especial tartarugas
 

"Todos os pensamentos de uma tartaruga são tartaruga."
(Ralph Waldo Emerson)

 

AOS ASSINANTES DE A-J

 

Senhores, senhoras e quelônios,

Pedimos desculpas pela catástrofe ocorrida na última edição deste periódico (ref. #080), quando os assinantes de A a J receberam nosso catálogo em cópia aberta, numa cansativa lista em que figuravam alguns dos nomes mais cobiçados da indústria hortícola do país. Nos dias que se seguiram ao incidente, os cidadãos Adenone, Canudinho, Carlão e Ex-Quizofrênica entraram com uma ação cautelar extraordinária que visou incutir um pouco mais de cautela aos editores, na ocasião do envio deste almanaque. Ocorre que, ao contrário do que se conta por aí, não houve acidente, mas um detido e mal-intencionado propósito de promover um congraçamento entre os membros da primeira metade do alfabeto. Tal medida redundou em fiasco, pois só o que conseguimos foi um glossário atualizado de xingamentos dos leitores, com ou sem emissão de perdigotos.

Desta feita, pedimos perdão a quem porventura ofendemos, sobretudo aos leitores com sobrenomes heráldicos, tais como: Siedschlag, Guludjian, Pielechovski, Xerxenesky e Hasteireiter - que devem possuir enormes destacamentos de advogados prontos para destroçar cada pé de alface das nossas minguadas posses.

De resto, anunciamos oficialmente a contratação de dois novos colaboradores residentes para este jornal: do lado direito do ringue, com 8 centímetros de casco, a tartaruga Napoleão, doutoranda em filosofia e com passagens brilhantes (porém vagarosas) pela revista Novos Estudos Cebrap. Ela também é ensaísta da Serrote. Ao seu lado, pouco menor e mais neurótica, a tartaruga Jacinto, que come cocô. Essa brilhante dupla de quelônios estará à disposição dos leitores para piscar um olho de cada vez, quando necessário, e esticar o pescoço mediante ameaças olfativas. Nesta edição de boas-vindas, Napoleão aproveita para apreciar a vista e Jacinto tenta morder este editorial, que se retira prontamente antes que

 

:: DISCURSO DE ARTÊMIAS INDEFESAS ::
diante dos répteis predadores

por favor por favor eu imploro sou pequenina e tenho família por favor eu não fiz nada para ofender ningGLUP.

 

:: DE VOLTA À PROGRAMAÇÃO NORMAL ::

Com o patrocínio de Grelhado's Grill e Empório do Junco.

:: BIZARRO ::
biografia de Duchamp, de Calvin Tomkins

Os métodos literários de Roussel baseavam-se num meticuloso jogo de palavras disparatadas. Por exemplo, ele tomava duas palavras que soassem quase igualmente e as usava em frases idênticas, sendo que uma era para iniciar a história e outra para terminá-la; da mudança de significado entre as duas brotava o enredo. [...] Trocadilhos, homofonias e frases tomadas a esmo ou slogans recheavam sua prosa, dando lugar a toda sorte de transformações e transubstanciações que levavam, por sua vez, às mais fantásticas distorções da realidade, mas o estilo da prosa propriamente permanecia inalterado, claro e rasteiro. O resultado era extremamente bizarro, para dizer o mínimo. [...]

 

:: IDOSOS ESTILOSOS ::

Porque William Zinsser é o meu galã:
http://advancedstyle.blogspot.com

 

:: ON LITERATURE ::
Rodolfo Viana, sobre suas predileções literárias

Eu gosto de livros cuja abertura me cause impacto. Por isso, meu primeiro romance começará com: "Alaor abre os olhos e se vê coifa. Sim, eu disse 'coifa'."

 

:: BIOGRAFIA DO JOVEM ACIMA MENCIONADO ::
contato para shows

Rodolfo Viana graduou-se em Design de Origami pelo Instituto Universal Brasileiro. Em 2005, terminou a pós-graduação lato sensu em Técnicas de Dobradura em Papéis de Gramatura 75g/m². No fim de 2007, conquistou o grau de mestre em Semiótica Aplicada às Criações Aladas. Sua dissertação intitula-se Flamingos em couché fosco e sua representação na sociedade brasileira pós-video-game Wii.

 

:: ELES FORAM PARA PETRÓPOLIS ::
essa é do Ivan Lessa, eu acho

Numa determinada faixa de vinil será sempre 1967.

 

:: IMPRESSIONS D'AFRIQUE ::
Tomkins sobre a peça de Roussel

O enredo é mínimo. Um navio com destino a Buenos Aires vai a pique na costa da África; toda uma leva de europeus de tipos muito diversos chega à praia. Eles são capturados e aprisionados pelos homens de uma tribo, cujo rei Talou VII, muito convenientemente, fala francês. Enquanto aguardam o comissário com o resgate a ser pago por sua libertação, os náufragos preparam e representam uma série de sátiras teatrais incrivelmente fantásticas ou de feitos fabulosos, pretendendo dessa maneira divertir seus captores, que também tomam parte no espetáculo. A peça quase inteira é montada em cima de acontecimentos absurdos, todos derivados de jogos de palavras ou de distorções verbais. Um passageiro inventa um "relógio de vento da terra de Cocanha", cuja origem está na palavra empereur [imperador], formada pelas palavras hampe [haste], air [ar] e heure [hora]. Outro conta a história de um perna-de-pau bretão chamado Lelgoualch, que toca uma flauta feita da própria tíbia -- a origem dessa história está no anúncio de uma máquina registradora de "fonotipia" que Roussel viu num jornal e o fez pensar em fausse [falsa] e tibia [máquina]. Uma passageira de nome Louise Montalescot apresenta uma "máquina de pintar" (só cinquenta anos mais tarde é que o suíço Jean Tinguely reinventaria um aparelho semelhante) e seu irmão, Norbert Montalescot, escapa da morte ao satisfazer a exigência do rei Talou, que lhe ordenou construir uma estátua de tamanho natural tão leve que fosse capaz de andar sobre trilhos feitos de pulmões de bezerro. Há também um verme que toca cítara; uma orquestra artificial feita de "bexium", novo metal cuja sensibilidade térmica permite a produção de sons que vão da harpa à trompa de caça, e uma recitação épica, escrita pelo próprio rei Talou, numa língua que ninguém pôde entender. Máquinas que executam funções humanas, metais novos que desafiam as leis da física, trocadilhos e distorções verbais, atos absurdamente ilógicos descritos nos frios termos da lógica [...].

:: PEDIDO ::
do leitor Rafael Ruy

Tenho interesse em receber esse hebdomadário por email, mensagens subliminares, closed captions, ou até mesmo em sonhos proféticos após às 18h. Obrigado!

 

:: SLOW LORIS AMA COCEIRINHAS ::
Você abre este vídeo e não há outro remédio senão

http://www.youtube.com/watch?v=rLdQ3UhLoD4

 

:: PROVÉRBIOS ::
coletados pela minha mãe

A mentsh tracht un Got lacht (O homem pensa. Deus ri.)
Ain mol a saichel, dos tsvaiteh mol chain, dem dritten mol guit men in di tsain (Na primeira vez tente usar o raciocínio, na segunda a astúcia e na terceira, se nada deu certo, experimente um soco nos dentes.)
Az du kukst oif hoicheh zachen, halt tsu di hittel (Quando olhar para cima, segure bem seu chapéu).

 

:: INFORMAÇÕES ÚTEIS ::

Se Saturno fosse colocado numa banheira, certamente flutuaria.

 

:: URSA BEM VERÃO E PACIENTE ::
colaboração do Cardoso

 

:: DIÁLOGO EM LOJA ::
juro que escutei

Mulher vira para a outra e diz: "Adorei a versatilidade dessa bolsa".

Eu olhei pra trás imediatamente, procurando a câmera.

 

:: O GRANDE JOGO DE BILLY PHELAN ::
William Kennedy, colaboração de Emilio "Alves" de Fraia

"Esse seu bigode, Fitzsimmons", disse Martin, "é fora do comum. Aventureiro e cheio de pompa."
"É mesmo?"
"Extraordinariamente vulgar. Esplêndido também, claro, e elegante, de um modo muito irlandês e sardônico. Na hora do suco de tomate deve ser uma coisa de tirar o fôlego."

 

:: TURUMTUM-TSHHH ::
Favor utilizar este botão: http://www.instantrimshot.com

Modesto à parte, minhas traduções do Kafka são muito boas.

 

:: A GRANDE ILUSÃO ::
de Jean Renoir

- E como está o seu primo, Edmond de Boeldieu, o adido militar que conheci em Berlim?
- Ele está bem, está muito feliz. Perdeu um braço e se casou com uma mulher rica.

 

:: OS DEZ MANDAMENTOS CONTÁBEIS ::
de Rodrigo Dias, do Depto. Fiscal

Em História do Pensamento Contábil, há um capítulo com os "Dez Mandamentos de Benedetto Cotrugli", precursor desta curiosa disciplina. Cotrugli era um homem religioso e, no manuscrito, elabora um guia moral para o bom comerciante cristão. Seguem os seus preceitos:

1. O comerciante não deve participar de jogos que envolvam dinheiro, tais como cartas ou dados;
2. O comerciante não deve beber ou comer excessivamente;
3. O comerciante não deve ter contato com pessoas pecaminosas e infames;
4. O comerciante não deve praticar alquimia, porque a prática do comércio envolve o exame de coisas estáveis e certas;
5. O comerciante não deve participar de pelejas, porque não é uma atividade séria, é cara e pode levar a caminhos errados;
6. O comerciante não deve contrabandear;
7. O comerciante não deve fornecer peso ou medida falso;
8. O comerciante não deve ter MUITOS amigos imprestáveis ou medíocres;
9. O comerciante não deve ser extravagante.
10. (não existe, apesar do título realmente ser “Os Dez Mandamentos”)

Oremos a São Mateus, o contador de Jesus.

 

:: NEURÓTICO ::
Breakdowns, de Spiegelman, traduzido por esta vossa humilde criada

Na adolescência, quando me perguntavam o que seria quando crescesse, eu respondia: “Neurótico!”.

 

:: CURIOSIDADES ::
Colaboração da minha mãe

O iogue Maujigiri, morto em 1981, ficou conhecido por ter permanecido de pé durante os dezoito últimos anos de sua vida. Apesar dos avisos de que se arriscava a ter que amputar as duas pernas, ele viveu até os 85 anos sem se sentar - pelo menos é o que dizem. Conta-se que o iogue Ramananda, de Mysore, com 71 anos, era capaz de usar os dedos como uma tesoura, quebrando uma corrente de 1 cm de grossura apenas forçando-a com o pé.

 

:: PROVÉRBIO JAMAICANO ::

Tartarugas sonolentas não veem o nascer do sol.

 

:: MAIS ARMADILHA PARA LAMARTINE ::
de Carlos & Carlos Sussekind, dois mandaquienses de espírito

A vida não parece corresponder a esses meus bons impulsos. Embora tivesse a satisfação de ver andando normalmente o relógio da parede da cozinha - o que considero obra exclusiva da minha tenacidade e da minha confiança, depois que o Abelardo desistiu - sou, logo depois, surpreendido com o rompimento do assento plástico da latrina sob o meu peso, que não aumentou. Deve ter diminuído a sua resistência, por alguma causa a que fui estranho. Mas... paciência! Já autorizei a substituição, que deverá custar perto de 300,00.

 

:: A BOY NAMED SUE ::
a saga de um garoto chamado Sue, de Johnny Cash

My daddy left home when I was three
And he didn't leave much to ma and me
Just this old guitar and an empty bottle of booze.
Now, I don't blame him cause he run and hid
But the meanest thing that he ever did
Was before he left, he went and named me "Sue."

Well, he must o' thought that is quite a joke
And it got a lot of laughs from a' lots of folk,
It seems I had to fight my whole life through.
Some gal would giggle and I'd get red
And some guy'd laugh and I'd bust his head,
I tell ya, life ain't easy for a boy named "Sue."

Well, I grew up quick and I grew up mean,
My fist got hard and my wits got keen,
I'd roam from town to town to hide my shame.
But I made a vow to the moon and stars
That I'd search the honky-tonks and bars
And kill that man who gave me that awful name.

[...] Well, I knew that snake was my own sweet dad
>From a worn-out picture that my mother'd had,
And I knew that scar on his cheek and his evil eye.
He was big and bent and gray and old,
And I looked at him and my blood ran cold
And I said: "My name is 'Sue!' How do you do!
Now your gonna die!!"

[...] And he said: "Son, this world is rough
And if a man's gonna make it, he's gotta be tough
And I knew I wouldn't be there to help ya along.
So I give ya that name and I said goodbye
I knew you'd have to get tough or die
And it's the name that helped to make you strong."

He said: "Now you just fought one hell of a fight
And I know you hate me, and you got the right
To kill me now, and I wouldn't blame you if you do.
But ya ought to thank me, before I die,
For the gravel in ya guts and the spit in ya eye
Cause I'm the son-of-a-bitch that named you "Sue.'"

I got all choked up and I threw down my gun
And I called him my pa, and he called me his son,
And I came away with a different point of view.
And I think about him, now and then,
Every time I try and every time I win,
And if I ever have a son, I think I'm gonna name him
Bill or George! Anything but Sue! I still hate that name!

 

:: A URSA BEM VERÃO ::
aprontando no Carnaval, nos idos de 1910 (colaboração de Maria Andrade)

 

:: DE ELES FORAM PARA PETRÓPOLIS ::
Essa, sim, é do Ivan Lessa

A rainha só ri de cavalo com gases.

 

:: ARMADILHA PARA LAMARTINE ::
que, além de incrível, tem um belo título.

Estou quase - eu também - escrevendo um romance, mas não é minha culpa se os acontecimentos desta manhã foram romanescos; sou o primeiro a não ver com bons olhos a onda de mistérios e aberrantes fantasias que, de há tempos, vem mudando um pouco o tom sereno e ponderado que em outras épocas fazia a maior glória deste Diário; há de se levar a heróica resistência que tenho oposto aos ataques que partem de todos os lados, e que culminaram nessa crise espetacular do Lamartine.

 

:: A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DA PRATELEIRA ::
blog do Coronel Von Lehmann

Vejam também "Hit Parede" e outras invenções igualmente úteis: http://www.reinoselvagem.com.br/a-insustentavel-leveza-da-prateleira

 

:: O PARADIGMA ZECA PAGODINHO ::

Tem aquela do intelectual que está em busca de um psicanalista. Na entrevista inicial com um tipo promissor, ele fala sobre suas angústias metafísicas, expõe as ambiguidades mais íntimas de sua personalidade, fala do medo da morte, dos arquétipos familiares e chega a citar Schoppenhauer, sabe-se lá por que motivo. Aí o psicanalista cruza as pernas e exclama: "É como eu sempre digo, parafraseando o Zeca Pagodinho: 'Deixa a vida me levar'".

Aí fica díficil, doutor.

 

:: MAIS DO PARADIGMA ZECA PAGODINHO ::
Andrew Solomon, em O demônio do meio-dia

É importante vasculhar bem para encontrar um bom terapeuta. Tentei onze em seis semanas. Para cada um dos onze terapeutas, ensaiei a litania de meus lamentos até parecer que estava recitando um monólogo tirado de uma peça escrita por outra pessoa. Alguns dos terapeutas que entrevistei pareciam sábios. Alguns eram inacreditáveis. Uma mulher cobria toda a mobília com papel celofane para protegê-la de seus cães barulhentos; ela ficava me oferecendo pedaços de um peixe de aparência bolorenta que comia de um recipiente de plástico. Fui embora quando um dos cachorros fez xixi no meu sapato. Um terapeuta me deu o endereço de seu consultório errado (“Ah, é o endereço do meu consultório antigo!”), e outro me disse que eu não tinha problemas de verdade e que devia me animar um pouco. Uma mulher me afirmou que não acreditava na emoção, e um homem parecia só acreditar nela. Havia o cognitivista, o freudiano que roía as unhas a sessão inteira, o junguiano e o autodidata.

 

:: BILHETE ENCONTRADO SOBRE A MESA ::
é a dislexia tornando nossa vida mais animada

Ligar para Mislene da Casa das Roscas (av. Paulista, n. 37)

 

:: DA SOBRIEDADE EM RÉPTEIS ::
Erin O'Brien

Turtles always strike me as devastatingly serious. If turtles could talk, I'd believe everything they said.

[As tartarugas sempre me impressionam por serem devastadoramente sérias. Se as tartarugas pudessem falar, eu acreditaria em tudo o que dissessem.]


COLABORAÇÕES


Agradecemos a todos os elementos citados neste número; a Alexandre Barbosa (pelo trocadilho do caviar) e a Rodrigo Naves (por me emprestar a biografia do Duchamp, em que não derramei sequer uma gota de molho rôti). Ao galante André Conti, ao meu irmão e à tartaruga Hermes, de plástico.

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"Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado -- logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido" (Stephanie Avari, a ex-moradora mais ilustre da rua Paulo da Silva Gordo) ## Você está recebendo !!Witzelsucht!! porque estava na mala direta. Ou então, ou então! Você está recebendo o !Rododendro! porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e o To Fu, que ganhou o direito de trazer um tufo de nenúfares e furar a fila. Caso não queira voltar a receber este jornalzinho, mande um e-mail para hortalica@gmail.com e diga na linha de assunto: "Foi demais para Kudno Mojesic", mesmo que você não seja -- e nem queira ser -- Kudno Mojesic.


God is coming.
Look busy.


 

2005 Vanessa Barbara