Senhores, senhoras e quelônios, Pedimos desculpas pela catástrofe ocorrida na última edição deste periódico (ref. #080), quando os assinantes de A a J receberam nosso catálogo em cópia aberta, numa cansativa lista em que figuravam alguns dos nomes mais cobiçados da indústria hortícola do país. Nos dias que se seguiram ao incidente, os cidadãos Adenone, Canudinho, Carlão e Ex-Quizofrênica entraram com uma ação cautelar extraordinária que visou incutir um pouco mais de cautela aos editores, na ocasião do envio deste almanaque. Ocorre que, ao contrário do que se conta por aí, não houve acidente, mas um detido e mal-intencionado propósito de promover um congraçamento entre os membros da primeira metade do alfabeto. Tal medida redundou em fiasco, pois só o que conseguimos foi um glossário atualizado de xingamentos dos leitores, com ou sem emissão de perdigotos. Desta feita, pedimos perdão a quem porventura ofendemos, sobretudo aos leitores com sobrenomes heráldicos, tais como: Siedschlag, Guludjian, Pielechovski, Xerxenesky e Hasteireiter - que devem possuir enormes destacamentos de advogados prontos para destroçar cada pé de alface das nossas minguadas posses. De resto, anunciamos oficialmente a contratação de dois novos colaboradores residentes para este jornal: do lado direito do ringue, com 8 centímetros de casco, a tartaruga Napoleão, doutoranda em filosofia e com passagens brilhantes (porém vagarosas) pela revista Novos Estudos Cebrap. Ela também é ensaísta da Serrote. Ao seu lado, pouco menor e mais neurótica, a tartaruga Jacinto, que come cocô. Essa brilhante dupla de quelônios estará à disposição dos leitores para piscar um olho de cada vez, quando necessário, e esticar o pescoço mediante ameaças olfativas. Nesta edição de boas-vindas, Napoleão aproveita para apreciar a vista e Jacinto tenta morder este editorial, que se retira prontamente antes que
:: DISCURSO DE ARTÊMIAS INDEFESAS :: por favor por favor eu imploro sou pequenina e tenho família por favor eu não fiz nada para ofender ningGLUP.
:: DE VOLTA À PROGRAMAÇÃO NORMAL :: Com o patrocínio de Grelhado's Grill e Empório do Junco. :: BIZARRO :: Os métodos literários de Roussel baseavam-se num meticuloso jogo de palavras disparatadas. Por exemplo, ele tomava duas palavras que soassem quase igualmente e as usava em frases idênticas, sendo que uma era para iniciar a história e outra para terminá-la; da mudança de significado entre as duas brotava o enredo. [...] Trocadilhos, homofonias e frases tomadas a esmo ou slogans recheavam sua prosa, dando lugar a toda sorte de transformações e transubstanciações que levavam, por sua vez, às mais fantásticas distorções da realidade, mas o estilo da prosa propriamente permanecia inalterado, claro e rasteiro. O resultado era extremamente bizarro, para dizer o mínimo. [...]
:: IDOSOS ESTILOSOS :: Porque William Zinsser é o meu galã:
:: ON LITERATURE :: Eu gosto de livros cuja abertura me cause impacto. Por isso, meu primeiro romance começará com: "Alaor abre os olhos e se vê coifa. Sim, eu disse 'coifa'."
:: BIOGRAFIA DO JOVEM ACIMA MENCIONADO :: Rodolfo Viana graduou-se em Design de Origami pelo Instituto Universal Brasileiro. Em 2005, terminou a pós-graduação lato sensu em Técnicas de Dobradura em Papéis de Gramatura 75g/m². No fim de 2007, conquistou o grau de mestre em Semiótica Aplicada às Criações Aladas. Sua dissertação intitula-se Flamingos em couché fosco e sua representação na sociedade brasileira pós-video-game Wii.
:: ELES FORAM PARA PETRÓPOLIS :: Numa determinada faixa de vinil será sempre 1967.
:: IMPRESSIONS D'AFRIQUE :: O enredo é mínimo. Um navio com destino a Buenos Aires vai a pique na costa da África; toda uma leva de europeus de tipos muito diversos chega à praia. Eles são capturados e aprisionados pelos homens de uma tribo, cujo rei Talou VII, muito convenientemente, fala francês. Enquanto aguardam o comissário com o resgate a ser pago por sua libertação, os náufragos preparam e representam uma série de sátiras teatrais incrivelmente fantásticas ou de feitos fabulosos, pretendendo dessa maneira divertir seus captores, que também tomam parte no espetáculo. A peça quase inteira é montada em cima de acontecimentos absurdos, todos derivados de jogos de palavras ou de distorções verbais. Um passageiro inventa um "relógio de vento da terra de Cocanha", cuja origem está na palavra empereur [imperador], formada pelas palavras hampe [haste], air [ar] e heure [hora]. Outro conta a história de um perna-de-pau bretão chamado Lelgoualch, que toca uma flauta feita da própria tíbia -- a origem dessa história está no anúncio de uma máquina registradora de "fonotipia" que Roussel viu num jornal e o fez pensar em fausse [falsa] e tibia [máquina]. Uma passageira de nome Louise Montalescot apresenta uma "máquina de pintar" (só cinquenta anos mais tarde é que o suíço Jean Tinguely reinventaria um aparelho semelhante) e seu irmão, Norbert Montalescot, escapa da morte ao satisfazer a exigência do rei Talou, que lhe ordenou construir uma estátua de tamanho natural tão leve que fosse capaz de andar sobre trilhos feitos de pulmões de bezerro. Há também um verme que toca cítara; uma orquestra artificial feita de "bexium", novo metal cuja sensibilidade térmica permite a produção de sons que vão da harpa à trompa de caça, e uma recitação épica, escrita pelo próprio rei Talou, numa língua que ninguém pôde entender. Máquinas que executam funções humanas, metais novos que desafiam as leis da física, trocadilhos e distorções verbais, atos absurdamente ilógicos descritos nos frios termos da lógica [...]. :: PEDIDO :: Tenho interesse em receber esse hebdomadário por email, mensagens subliminares, closed captions, ou até mesmo em sonhos proféticos após às 18h. Obrigado!
:: SLOW LORIS AMA COCEIRINHAS :: http://www.youtube.com/watch?v=rLdQ3UhLoD4
:: PROVÉRBIOS :: A mentsh tracht un Got lacht (O homem pensa. Deus ri.)
:: INFORMAÇÕES ÚTEIS :: Se Saturno fosse colocado numa banheira, certamente flutuaria.
:: URSA BEM VERÃO E PACIENTE ::
:: DIÁLOGO EM LOJA :: Mulher vira para a outra e diz: "Adorei a versatilidade dessa bolsa". Eu olhei pra trás imediatamente, procurando a câmera.
:: O GRANDE JOGO DE BILLY PHELAN :: "Esse seu bigode, Fitzsimmons", disse Martin, "é fora do comum. Aventureiro e cheio de pompa."
:: TURUMTUM-TSHHH :: Modesto à parte, minhas traduções do Kafka são muito boas.
:: A GRANDE ILUSÃO :: - E como está o seu primo, Edmond de Boeldieu, o adido militar que conheci em Berlim?
:: OS DEZ MANDAMENTOS CONTÁBEIS :: Em História do Pensamento Contábil, há um capítulo com os "Dez Mandamentos de Benedetto Cotrugli", precursor desta curiosa disciplina. Cotrugli era um homem religioso e, no manuscrito, elabora um guia moral para o bom comerciante cristão. Seguem os seus preceitos: 1. O comerciante não deve participar de jogos que envolvam dinheiro, tais como cartas ou dados; Oremos a São Mateus, o contador de Jesus.
:: NEURÓTICO :: Na adolescência, quando me perguntavam o que seria quando crescesse, eu respondia: “Neurótico!”.
:: CURIOSIDADES :: O iogue Maujigiri, morto em 1981, ficou conhecido por ter permanecido de pé durante os dezoito últimos anos de sua vida. Apesar dos avisos de que se arriscava a ter que amputar as duas pernas, ele viveu até os 85 anos sem se sentar - pelo menos é o que dizem. Conta-se que o iogue Ramananda, de Mysore, com 71 anos, era capaz de usar os dedos como uma tesoura, quebrando uma corrente de 1 cm de grossura apenas forçando-a com o pé.
:: PROVÉRBIO JAMAICANO :: Tartarugas sonolentas não veem o nascer do sol.
:: MAIS ARMADILHA PARA LAMARTINE :: A vida não parece corresponder a esses meus bons impulsos. Embora tivesse a satisfação de ver andando normalmente o relógio da parede da cozinha - o que considero obra exclusiva da minha tenacidade e da minha confiança, depois que o Abelardo desistiu - sou, logo depois, surpreendido com o rompimento do assento plástico da latrina sob o meu peso, que não aumentou. Deve ter diminuído a sua resistência, por alguma causa a que fui estranho. Mas... paciência! Já autorizei a substituição, que deverá custar perto de 300,00.
:: A BOY NAMED SUE :: My daddy left home when I was three Well, he must o' thought that is quite a joke Well, I grew up quick and I grew up mean, [...] Well, I knew that snake was my own sweet dad [...] And he said: "Son, this world is rough He said: "Now you just fought one hell of a fight I got all choked up and I threw down my gun
:: A URSA BEM VERÃO ::
:: DE ELES FORAM PARA PETRÓPOLIS :: A rainha só ri de cavalo com gases.
:: ARMADILHA PARA LAMARTINE :: Estou quase - eu também - escrevendo um romance, mas não é minha culpa se os acontecimentos desta manhã foram romanescos; sou o primeiro a não ver com bons olhos a onda de mistérios e aberrantes fantasias que, de há tempos, vem mudando um pouco o tom sereno e ponderado que em outras épocas fazia a maior glória deste Diário; há de se levar a heróica resistência que tenho oposto aos ataques que partem de todos os lados, e que culminaram nessa crise espetacular do Lamartine.
:: A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DA PRATELEIRA :: Vejam também "Hit Parede" e outras invenções igualmente úteis: http://www.reinoselvagem.com.br/a-insustentavel-leveza-da-prateleira
:: O PARADIGMA ZECA PAGODINHO :: Tem aquela do intelectual que está em busca de um psicanalista. Na entrevista inicial com um tipo promissor, ele fala sobre suas angústias metafísicas, expõe as ambiguidades mais íntimas de sua personalidade, fala do medo da morte, dos arquétipos familiares e chega a citar Schoppenhauer, sabe-se lá por que motivo. Aí o psicanalista cruza as pernas e exclama: "É como eu sempre digo, parafraseando o Zeca Pagodinho: 'Deixa a vida me levar'". Aí fica díficil, doutor.
:: MAIS DO PARADIGMA ZECA PAGODINHO :: É importante vasculhar bem para encontrar um bom terapeuta. Tentei onze em seis semanas. Para cada um dos onze terapeutas, ensaiei a litania de meus lamentos até parecer que estava recitando um monólogo tirado de uma peça escrita por outra pessoa. Alguns dos terapeutas que entrevistei pareciam sábios. Alguns eram inacreditáveis. Uma mulher cobria toda a mobília com papel celofane para protegê-la de seus cães barulhentos; ela ficava me oferecendo pedaços de um peixe de aparência bolorenta que comia de um recipiente de plástico. Fui embora quando um dos cachorros fez xixi no meu sapato. Um terapeuta me deu o endereço de seu consultório errado (“Ah, é o endereço do meu consultório antigo!”), e outro me disse que eu não tinha problemas de verdade e que devia me animar um pouco. Uma mulher me afirmou que não acreditava na emoção, e um homem parecia só acreditar nela. Havia o cognitivista, o freudiano que roía as unhas a sessão inteira, o junguiano e o autodidata.
:: BILHETE ENCONTRADO SOBRE A MESA :: Ligar para Mislene da Casa das Roscas (av. Paulista, n. 37)
:: DA SOBRIEDADE EM RÉPTEIS :: Turtles always strike me as devastatingly serious. If turtles could talk, I'd believe everything they said. [As tartarugas sempre me impressionam por serem devastadoramente sérias. Se as tartarugas pudessem falar, eu acreditaria em tudo o que dissessem.]
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2005
Vanessa Barbara |