Prezados assinantes, Segue a íntegra da edição #083 d'A Hortaliça. Ela foi publicada ontem, domingo, no caderno Ilustríssima da Folha de S. Paulo, infelizmente sem o close da tartaruga Jacinto. Atenciosamente,
:: EDITORIAL :: A Hortaliça, como todos sabem, é um conglomerado estrangeiro da mídia capitalista que se dedica a reproduzir, a troco de nada, as mais variadas porções de sabedoria humana. É um almanaque com citações despropositadas, textos alheios tirados do contexto e composições próprias sem razão de ser. De fato, atrás da décima-terceira estante da fileira C de um sótão na Praça Tito, s/n, estão empilhados os volumes da Prosaica Biblioteca de Citações Confusas, que abastecem este hebdomadário. Lá dormem os trechos pitorescos, os recortes ruins e os poeminhas constrangedores que ousamos anotar. Lá estão os trechos que não lembramos mais de onde vieram, como este, de cuja procedência não temos a menor pista: "um cavalheiro é alguém que sabe tocar acordeom — pausa teatral — mas não toca!". É o único periódico do mundo que sai “de quando em quando” – quer dizer, possui uma periodicidade definida, os leitores é que não sabem. (Ao que tudo indica, ela é baseada na gestação dos sapos e na força de aceleração centrípeta do rodopio das baianas da Viradouro, mas a informação não é precisa e carece de checagem.) Os seis primeiros números de A Hortaliça, por exemplo, foram publicados numa louca quinzena de janeiro de 2002, um após o outro, com diferenças de às vezes dois dias. Já o hiato entre as edições #067 e #068 foi de sete meses. No ano de 2006, apenas três números foram publicados. Esta é uma edição exclusivamente esculpida para o gáudio de um de nossos parceiros, a Folha de S. Paulo, que, como diz o nome, é adepta da causa leguminosa, embora tenha se recusado a mudar o título desta edição para Acelga de S. Paulo. Outra de nossas publicações parceiras é O Sol da Meia-Noite, um tablóide redigido por Nigel Findley que apura, com objetividade e ética, histórias completamente sem propósito, publicadas sob pseudônimo com fotos visivelmente fraudulentas. Algumas das manchetes mais recentes: "Ratos Inteligentes Tomam Conta de Uma Padaria", "Família de Doze Pessoas Vive Numa Caixa de Sapatos por 17 Anos!", "Como Saber se Seu Ramster Está Possuído?" e (numa edição esgotada) "Estigmas aparecem na Estátua da Liberdade". Outros parceiros de A Hortaliça são a revista Morbidity and Mortality Weekly Report!, com ponto de exclamação e tudo, e a longeva Seleções do Reader's Digest, com suas instigantes piadas de caserna.
:: NOTÍCIAS DO MANDAQUI :: - Censo atualizado de gansos no Horto Florestal, devidamente contabilizados em 21 de maio de 2010: quarenta e quatro, sendo que três casais encontram-se namorando. Infelizmente não foi especificada a quantidade de machos e fêmeas, que será providenciada em breve. - No ano passado, não houve nascimento de gansos(as) e pato(as), devido às enchentes ocorridas na ilha onde os ovos são chocados. - Também nenhuma capivara nasceu naquele ano infértil e nenhum jatobá foi colhido. O sr. Raimundinho, que não quis fornecer seu sobrenome, prevê fertilidade em 2010.
:: O NÚMERO 7 :: O número 7 possui propriedades extraordinárias. Se se multiplicar por 279.648, e se depois se dividir por 4.954.022, e se, depois de lhe ter extraído 777, se lhe acrescentar 7 vezes 70, multiplicando-se o resultado por 127/3, basta extrair-lhe a raiz cúbica para se obter um número tão belo que até custa tirar os olhos dele.
:: DOS RISCOS DA OBSESSÃO POR TARTARUGAS :: Após o incidente das tartarugas, meu pai ficou tão interessado nesses répteis que parou de trabalhar na bomba atômica. Por fim, alguns cientistas do Projeto Manhattan apareceram em casa para perguntar a Angela o que fazer. Ela sugeriu que tirassem as tartarugas do papai. Então, certa noite, eles entraram em seu laboratório e roubaram os quelônios e o aquário. Papai nunca disse uma palavra sobre o desaparecimento das tartarugas. Apenas foi trabalhar no dia seguinte e procurou coisas com que brincar e pensar, e tudo o que havia para brincar e pensar tinha a ver com a bomba.
:: O QUE PODEMOS APRENDER COM OS GANSOS - I :: - Com que sonham os gansos?
:: O QUE PODEMOS APRENDER COM OS GANSOS - II :: E com que pena o Secretário da Sociedade da Supressão de Crueldade aos Gansos escreve suas circulares?
:: MEDO DE SARAMAGO :: Paranóico Pérez nunca conseguiu escrever um livro, porque sempre que tinha alguma idéia para um e se dispunha a fazê-lo, Saramago o escrevia antes dele.
:: É ESSE O ESPÍRITO :: Algumas pessoas - poucas - acabam por gostar de suas alucinações musicais. Muitas são atormentadas por elas, e a maioria, cedo ou tarde, chega a algum tipo de acomodação ou entendimento com elas. Isso pode às vezes assumir a forma de uma interação direta, como no simpático relato de caso publicado por Timothy Miller e T. W. Crosby. Sua paciente, uma senhora idosa e surda, "acordou certa manhã ouvindo um quarteto de música gospel cantando um velho hino dos seus tempos de criança". Quando ela constatou que a música não provinha de nenhum rádio ou televisão, disse: "ela vem de dentro da minha cabeça", e aceitou o fato com a maior calma do mundo. O repertório de hinos do coro aumentou: "A música em geral era agradável, e a paciente muitas vezes se deleitava cantando junto ao quarteto. [...] Ela descobriu, também, que podia ensinar novas músicas ao quarteto pensando em alguns versos, e o quarteto fornecia as palavras ou versos que ela esquecera."
:: ANÚNCIOS :: "Barraco – Faz a pior pizza do Rio – Entrega a domicílio." "Cantinho do Vidigal – Ponto de encontro de amigos e pessoas simples e puras."
:: O MELHOR SLOGAN DO MUNDO :: "Papai Onofre, papai Onofre, qual o sentido da vida?"
:: REF.: ANÕES :: Para atrair público, os Browns de St. Louis, da Confederação Americana, contrataram um anão na temporada de 1951. Eddie Gaedel tinha um metro e vinte de altura. Arremessou apenas uma vez, em jogo contra os Tigers de Detroit, e retirou-se em quatro arremessos. Hoje são proibidos anões nos times profissionais. (naquele ano, os Browns contrataram também um psiquiatra para o time. No ano seguinte mudaram-se para Baltimore).
:: GRANDES DIÁLOGOS DO CINEMA :: Ó aqui, ô, sete arroba, tu é um puta pé frio.
:: PEPINO HOLANDÊS :: [...] Graças à ginástica e muitos cuidados corporais, chegara a ter tanta força que, apesar dos excessos a que se entregava, parecia tão fresco que lembrava um grande pepino holandês muito brilhante.
:: A GRANDE PIADA PLANETÁRIA :: Há certas circunstâncias e ocasiões bizarras neste estranho e caótico negócio que chamamos de vida nas quais um homem considera todo o universo uma grande piada, ainda que mal perceba a sua graça, e mal do que suspeita que a piada seja feita à sua custa e de mais ninguém. [...] Em suma, o cachalote de Frederick Cuvier não é um cachalote, mas uma abóbora.
:: A ESCALAÇÃO DO PAYSANDU EM 1968 :: Manduca, Penna, Pedro, Mariano, Baptista, Vadico, Arleto, Cícero, Hélio, Heitor e Confusão. Reservas: Palmério, Bentes, Januário, Erberto, Vitinho, Sandoval e Athenagoras.
:: YOU ROMANTIC BASTARD :: O pinguim macho, quando deseja escolher a companheira, além de namorá-la por meio de graciosas mesuras arqueando o pescoço e emitindo, como num murmúrio, versos guturais, depõe-lhe aos pés... uma pedra.
:: OVOS, LEGUMES E BIFES :: Liderados por Tzara, Picabia e um carismático poeta mais moço, André Breton, os dadaístas de Paris eram extremamente bem-sucedidos em seu propósito de irritar e enfurecer as pessoas que iam, em massa, assistir a seus espetáculos. Os dadaístas atacavam tudo e todos e tinham um talento especial para promover-se. Seus anúncios chamativos estavam sempre enganando os ingênuos. Um deles dizia que Charles Chaplin tinha-se convertido ao Dadá e que estaria presente numa próxima matinê dadaísta; outro prometia que os dadaístas iriam todos raspar as cabeças em pleno palco. Embora as promessas raramente fossem cumpridas, comparecer aos acontecimentos dadaístas tornou-se imperativo na vida dos parisienses chiques, e as platéias não demoraram muito para assimilar o espírito Dadá, levando ovos, legumes e bifes para serem atirados naqueles que se apresentavam nos palcos.
:: YOU ROMANTIC BASTARD II :: "Não deveríamos ter segredos, Sue. Semana que vem, teremos alianças e papel passado, seremos um time."
:: HAPPY BIRTHDAY, TU YU ::
:: INDEXÓLOGA :: "Ele nunca vai se casar com ela."
:: PARA REFLETIR :: Entre 1995 e 2005, 67 pessoas foram mortas por pinguins.
:: FAMÍLIA EM DÜSSELDORF :: Imagine uma família em Düsseldorf. O marido está desesperado. Ele chega em casa e encontra uma carta da Receita Federal. Ou ele paga os 11 mil marcos de imposto devido, ou vai para a cadeia. A esposa abre o jogo: "Eu estou apaixonada pelo dentista e vou te deixar". O filho foi preso como terrorista, a filha está grávida e tem sífilis. Nesse momento chega alguém para visitá-lo e diz: "Sei que você teve um péssimo dia. Por que não vamos nos divertir um pouco? Que tal irmos ao cinema ver Despair, do Fassbinder?".
:: E TEM A HISTÓRIA DE... :: e tem a história do sismólogo que cismava em dizer que havia ameaça de terremotos futuros.
:: INFORMAÇÃO ESSENCIAL ::
:: OUTROSSIM :: Havia o veterinário que num anúncio avisando às pessoas amigas a morte de um filho e a hora do enterro, acrescentara: "Outrossim, avisa que mudou o seu gabinete de prótese para a rua Tal nº Tantos".
:: O AVÔ NA MPB :: Permita-me fazer uma pequena colaboração para a histórica série "O Avô na Música Popular Brasileira", desta Hortaliça: "O seu avô é canibal "O avô é bom, não quer o mal
:: TURNIBE SUA CARREIRA ::
:: É ESSE O ESPÍRITO - II :: A expectativa e a sugestão podem intensificar notavelmente a imaginação musical e até produzir uma experiência quase perceptual. Jerome Bruner, um amigo meu extremamente musical, contou-me que certa vez pôs um de seus discos favoritos de Mozart para tocar, ouviu-o com grande prazer e então foi virar o disco para ouvi-lo do outro lado. Descobriu, naquele momento, que não tinha posto o disco para tocar da primeira vez.
:: EXPLICAÇÃO METAFÍSICA :: Dizem que, ao fazer o mundo, Deus se distraiu com os besouros.
:: LADRÃO DE ALCOVA :: [O vigarista tenta impressionar a linda ladra com seu currículo.]
:: CARTA DO LEITOR :: Sra. Hortaliça Nina Horta Muito boa, deveras, a colheita deste número 082 de seu aleatório hebdomadário. Não saberia dizer qual o melhor item da atual cesta básica, se o parzinho de versos sobre a mente do Milton ou se a triste história do ciclista ciclotímico, a qual, aliás, nos levou a indagar se a cura definitiva da ciclotimia não estaria em ensinar os ciclotímicos – e não só os biciclotímicos, mas também os triciclotímicos e os quadriciclotímicos – a pedalar ciclos de uma roda só, os piopulares monociclos, de modo a que sua mente permaneça focada numa roda só. Vale ressaltar igualmente que a panóplia de atrações oferecidas com alegre e randômica regularidade por A Hortaliça, órgão pioneiro da mídia eletrônica brasileira, não deveria jamais ser acusada de gratuidade só pelo fato de ser gratuita. Até porque, é sempre bom lembrar, as coisas gratuitas saem sempre muito mais em conta que as não-gratuitas. A única ressalva que eu faria à atual linha editorial da revista, se me permite, diz respeito à inexplicável falta de um número inteiramente dedicado a dromedários, com a devida vênia às suas tartarugas devoradoras de obscenos morangos silvestres. Cara senhora, vamos enfrentar os fatos: um hebdomadário sem dromedários é como uma cleptocracia sem discos de Eric Clapton. Atenciosamente
:: FRASE FINAL :: Só desta vez seria legal se o maldito roteiro saísse do jeito que o escrevemos.
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2005
Vanessa Barbara |