Aos 50 anos, nunca reclamei de nada na vida. Não costumo mandar cartas aos jornais, não telefono para me queixar dos vizinhos e nunca preenchi um mísero cartão-resposta que fosse. Não obstante, achei um verdadeiro absurdo o teor do texto publicado por V. B. na última edição da revista piauí, uma calúnia digna de processo judicial e enforcamento sumário. O retrato que essa indivídua faz de nosso pujante bairro, o Mandaqui, considerado um dos melhores lugares para se morar segundo O Saresteiro, é um despautério. Fica óbvio que essa "moça" nunca fez uma visita à nossa localidade, que conta com uma drogaria São Paulo, um shopping center e inúmeros edifícios de alto padrão, distribuídos num perímetro plenamente urbanizado que lembra Carmel-by-the-Sea, na Califórnia. (A propósito: com o céu limpo, na avenida Guacá, dá pra esticar o pescoço e quase ver o mar.) Temos também uma filial da Droga Raia, um Drogão, duas Drogasis e uma Farmais. Temos pet shops de renome, uma facção do Rotary e prósperas imobiliárias que já saíram até em reclames da Rede Globo. Em poucas palavras: eficiência. Galope. Futuro. Ninguém andando de costas. Não sei exatamente o que se passava pela cabeça da autora dessa infâmia no momento mesmo de sua escritura, mas exijo retratação imediata e demissão sumária de todos os responsáveis, sob ameaça de excomunhão. Já é o quinto libelo difamatório que ela publica sobre o bairro, incitando a desvalorização dos nossos imóveis e facilitando a chacota do povo da Cachoeirinha (uns invejosos). E digo mais: a Norma Blum mora na minha rua. Atenciosamente, :: NOTA DA REDAÇÃO :: Por questões de clareza e espaço, a carta acima foi editada - sabe-se que os mandaquienses tendem a se expressar em CAIXA ALTA oU mISTa, e usam a pontuação de forma esquisita. Escrevem uma porção de coisas,com vírgulas,em lugares,às vezes não tão adequados. Notem também a utilização "aleatória" das aspas, que tentamos manter nesta reprodução. A carta original possuía 15 laudas e veio com firma reconhecida. :: SLOGAN DO SAL LEBRE :: Corre solto no saleiro.:: NOTÍCIAS SELECIONADAS :: - Consumo excessivo de doces pode levar ao crime: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u631428.shtml :: GANSO É ESTRANGULADO NO IBIRAPUERA :: Um ganso que vivia no parque Ibirapuera, em São Paulo, foi estrangulado e morto na manhã deste domingo. O animal foi atacado por um pintor de 28 anos, detido por seguranças do parque e encaminhado ao 36º Distrito Policial. Segundo a SSP (Secretaria de Segurança Pública), duas pessoas afirmaram ter visto o rapaz capturar o animal à beira do lago e, depois de dizer palavras sem sentido, estrangulá-lo até a morte. Após a agressão, o homem ainda se banhou nas águas do lago. As testemunhas do estrangulamento acionaram os seguranças do parque, que tiveram dificuldade para deter o pintor. Ele declarou que só falaria sobre a morte do ganso em juízo. O pintor assinou um TC (Termo Circunstanciado) por abuso contra animais e foi liberado. O animal será submetido a exames, segundo a secretaria. :: PALAVRA DO DIA :: Anatidaefobia: medo de estar sendo observado por patos. :: PAUSA PARA A ORAÇÃO :: Ele conforta os corações despedaçados :: DESCANSO DE CAMINANTES :: Salud. Estoy sano cuandi mis enfermedades no me molestan. :: DE ARMADILHA PARA LAMARTINE :: Às 9:30 saímos, eu e Emília. Vamos ao cinema Astória, onde, ao menos, temos a perspectiva de não ficar de pé, pois é o maior cinema destas bandas. Apesar do letreiro de "lotação esgotada", nos sentamos. Entretanto, o filme - com Jane Russell - foi o maior abacaxi dos últimos tempos. Houve, até, vaias. E, para isso, sai um homem de casa, com sua esposa, luta por condução e perde a sua noite, tão digna de melhor emprego! :: BARTLEBY E COMPANHIA :: Eu costumava observar o grande poeta catalão J. V. Foix em sua confeitaria. [...] Sempre o encontrava atrás do taulell junto à caixa registradora, de onde o poeta parecia estar supervisionando o universo dos bolos. :: MAIS BARTLEBY :: Juan Ramón Jiménez havia passado a vida acreditando que morreria imediatamente. :: DENILSON :: Um dia alguém disse a Denilson que café solúvel não tinha cafeína. Denilson ficou tão entusiasmado com a teoria que tomou quatro xícaras depois de jantar. Só conseguiu adormecer às oito da manhã. Não se importou; pelo menos derrubara a teoria. Acordou às nove da manhã do dia seguinte. Denilson não percebeu que saltara um dia. Desde então, vem experimentando um sentimento de estranhamento frente às coisas, como se houvesse um descompasso entre ele e o mundo. Apesar de nunca ter se considerado conservador, passou a sentir um mal-estar diante de idéias avançadas com as quais vem se deparando, tais como cirurgia de reconstituição do hímen, pizza em cone e a Patrícia Poeta. Não entende por que provoca risos quando diz "tá ligado" ou "fraga", ou por que hesita quando escuta um simples "sou do corre", "é casca" e "ontem fiz uma fita mil grau". Descobre que, se ouve Rihanna, o resto já está no Rihanna Cinderella remix feat, Jay-Z & Chris Brown. Nota que, ao contrário dele, os amigos já não usam o topete cuidadosamente esculpido a gel, mas longas franjas caídas sobre os olhos; e quando finalmente cresce uma franja bacana, encontra os outros de moicano. Quando foi na loja comprar o dvd do Homem de Ferro para a sua coleção, disseram-lhe que só tinham em Blu-ray. Perplexo, Denilson tenta compreender o que aconteceu. Às vezes pára diante do vidro de café solúvel e se concentra por alguns minutos tentando desvendar o mistério. :: UMA VEZ FLAMENCO... :: Sou um furão solitário :: AVISO :: Tem um cara na comunidade da revista piauí que se chama Melônio. :: BRUTA, A TARTARUGA :: :: MONKEY ISLAND :: I don't know what you're up to, but whatever it is, it's probably illegal. :: MAIS ARMADILHA PARA LAMARTINE :: [...] Impressionado por isso foi que gostei tanto do canto protestante que Mario Lanza canta, com sua voz incomparável, no filme O príncipe estudante. Acho sinceramente belo, a despeito do meu ateísmo. Velhice? Miolo mole? Acredito que não. :: BARTOLOMEU E ISMAEL :: Sentado no banco do ônibus, Bartolomeu sentia-se esgotado. Trazia no colo uma sacola que lhe lembrava do dia conturbado que levara. Numa das paradas, entrou no ônibus um rapaz, Ismael, que passou pela catraca e se dirigiu para o banco livre ao lado de Bartolomeu. Ismael sentou-se, mergulhado nas próprias preocupações. Bartolomeu não prestou atenção no estranho. O ônibus continuou no seu ritmo enfadonho. Bartolomeu quase caía no sono quando o rapaz lhe dirigiu a palavra: "Se você pudesse escolher, você seria ninja ou samurai?" Bartolomeu franziu as sobrancelhas, pensou alguns segundos e respondeu: "Não sei." Ismael recolheu-se ao silêncio. Bartolomeu, reflexivo, ficou pensando na pergunta. Passado algum tempo, Ismael voltou a falar com Bartolomeu: "E esse tempinho, hein?" Bartolomeu olhou placidamente pela janela e respondeu com precisão: "É." :: GIVE PEAS A CHANCE :: Todos os pratos são decorados com uma ervilha. É a homenagem que o restaurante faz à leguminosa, que deu início à sua história. (N. E.: até as sobremesas?) :: GOTAS DE SABEDORIA :: A Unilever é uma empresa que traz vitalidade para a sua vida. :: DESERT PLACES :: They cannot scare me with their empty spaces [Eles não podem me assustar com seus vácuos :: BOM DIA, MEU NOME É RUMPELSTISTKIN :: http://www.portacurtas.com.br/Filme.asp?Cod=8944# :: CINEFILIA 3 :: :: MAIS DESCOBERTAS :: Rumo à total reescrita da música popular brasileira, decidimos dar curso a nossa pesquisa acadêmica, que se iniciou com o estudo do avô na MPB e seguiu, incólume, com a troca de “amigo” por “umbigo” e "soluço" por "molusco" (obrigada, Antonio!). Exemplos não faltaram para corroborar nossa teoria, recentemente chamada por Zé Miguel Wisnik de “revolucionária”, “adiposa” e “comprometida com os grandes temas”. Nesta segunda fase do estudo, ainda em busca de subsídios governamentais, decidimos trocar “caminho” por “cominho”. Exemplos: É pau, é pedra Mesmo o pop nacional ganha significados poéticos jamais suspeitados: Meu cominho é cada manhã A poesia moderna não fica de fora, demonstrando um visionário posicionamento em prol dos direitos do consumidor: Havia uma pedra no meio do cominho Por fim, na voz do Rei Roberto, tem-se o hino definitivo desse condimento oleaginoso: Um dia o ar se encheu de avô Não vamos, aqui, mencionar o hábil emprego das expressões “longo cominho” e “pelos cominhos da vida”, que se revestem de significância lírica. Mais uma vez, a conclusão de nossos estudos demonstra que os apóstolos tinham razão: em resposta a indagação de Tomé (Jo 14,6) há uma alusão definitiva: Eu sou o cominho, a verdade e a vida.
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2005
Vanessa Barbara |