A Hortaliça
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Mais espertos do que a maioria dos ursos
#082 - São Paulo, 27 de abril de 2010
Medo de palhaços, de falar ao telefone, de mariposas, de botões
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Especial transtornos psiquiátricos
 

"E se amanhã eu acordar e não for mais eu mesmo, e sim um mosquito vira-bosta?"
(Andrew Solomon)

"Com essa mania de substituir os médicos por bulas, você, um belo dia, amanhece morto e não pode culpar ninguém."
(Carlos Sussekind)

 

EDITORIAL
 

Esta edição é dedicada a quem tem fobia de leite, síndrome de Tourette, confusão generalizada, TOC, hostilidade ou todas as opções anteriores. Há quem tenha medo de tartarugas ou de estar sendo observado por patos (ref. A Hortaliça #080). Outros não conseguem lograr curvas para a direita, e só lhes resta adaptar suas rotas de modo a evitá-las. Já o ator Richard Burton não conseguia ficar em um cômodo onde houvesse um pote de mel, mesmo que escondido em uma gaveta. "A verdade é que ninguém nasce com um repertório neural primário completamente intacto", declara nosso convidado de hoje, Allen Shawn. "Às vezes há déficits radicais, mas todo mundo tem modulações esquisitas, todo mundo tem posturas e reações estranhas diante de alguma coisa."

Além do solícito Allen Shawn, detentor de uma lista de fobias que vai daqui até a China (altura, água, estacionamentos, pontes, metrôs, espaços envidraçados), contamos aqui com as colaborações de Adrian Monk (germes, agulhas, morte, cobras, cogumelos e filhotes), John Wray (siques), Robert Frost (ele mesmo), Daniel Galera (que nada teme) e Billy Wilder (Marilyn Monroe). A participação especial é de Andrew Solomon, de quem copiamos basicamente o livro inteiro. Desta feita, aí vai um recado ao sr. Solomon: para entrar em contato com nossos advogados e dar início a um sanguinolento processo jurídico por apropriação indevida, escreva para a praça Tito, s/n, CEP: 02419-030, São Paulo - SP. Não esqueça de remeter a intimação a/c de uma das nossas múltiplas personalidades.

 

:: LUGARES DESERTOS ::
Robert Frost

They cannot scare me with their empty spaces
Between stars – on stars where no human race is
I have it in me so much nearer home
To scare myself with my own desert places.

[Eles não podem me assustar com seus vácuos
interestelares – em estrelas onde não há raça humana.
Detenho a capacidade, tão mais perto de casa,
de me assustar com meus próprios lugares desertos.]

 

:: AH, BOM ::
Andrew Solomon, em O Demônio do Meio-Dia

Se você fecha os olhos e pensa com força em ursos polares, isso tem um efeito químico em seu cérebro. Se você sustenta firmemente uma política de oposição à isenção de impostos para ganhos de capital, isso tem um efeito químico em seu cérebro.

 

:: FOBIAS ::
Allen Shawn, Eu Bem Que Queria Ir, trad. Caetano Galindo

O conceito de fobia abrange todo um elenco de temores sociais, entre eles o medo de palco; o medo de falar em público, de comer em público, de ser visto (escopofobia); medos de animais: cães, gatos, sapos, insetos, cobras, aves, aranhas e até mesmo peixes; medos de altura (acrofobia) e profundidade (batofobia); medo de confinamento; medo de estar a céu aberto; medo de estar na floresta; medo de estar entre quatro paredes. Existem fobias climáticas – medo de trovão, de tempestades (ombrofobia), de neve, de relâmpago. Pode-se ter fobia de correntes de ar ou de umidade. Pode-se ter fobia de estrelas (siderofobia). Há quem tenha um medo mórbido da nudez (gimnofobia) ou do sexo (genofobia), e há quem tema o prazer (hedonofobia). Existe uma fobia de desordem ou desorganização (ataxofobia). Certas pessoas têm medo do som da própria voz (fonofobia) ou de se verem em espelhos (isotrofobia). Há a fobia de ficar parado (estasifobia) e a de caminhar; existe a fobia de ficar sentado (tassofobia). Há medos que se aproximam de ser simplesmente um medo de estar neste planeta: o medo da luz (fotofobia), do ar (aerofobia). E, para cúmulo da ciclicidade, há medo de adquirir fobia (fobofobia).

[...] As fobias podem ir da especificidade (ficar trancado em um armário de lavanderia) à generalização (todo confinamento, de qualquer espécie), mas podem também permanecer notavelmente individualizadas. Recentemente li a respeito de um tenista que tinha medo de coisas felpudas e, portanto, usava luvas quando jogava; de certa pessoa que evitava todos os objetos marrons e não conseguia caminhar na direção de nada que fosse dessa cor; de uma mulher que tinha uma severa fobia de coxas de galinha. Sempre que a convidavam para uma festa, ela precisava ligar e perguntar: “Vocês não vão servir coxas de galinha, não é?”.

 

:: AFLUENTES DO RIO SILENCIOSO ::
John Wray, trad. de mim mesma

"A minha razão pessoal para acreditar em Deus é a salada de repolho." Ela levantou um dedo. "Com pimenta."

 

:: BROTOS REBELDES ::
em homenagem às nossas aulas de rockabilly

1960. A revista O Cruzeiro anuncia que o twist, a nova onda, causa lesões nos joelhos e hérnia de disco. Mas a turma de Copacabana não leva a advertência a sério e organiza um concurso para eleger o melhor dançarino. São três provas: dançar no meio da avenida Copacabana no horário do rush, sobre a marquise de um prédio e dentro de um chafariz. Para o vencedor, 10 mil cruzeiros. A música róla e o trânsito pára. Antes que chegue a polícia os vencedores estão escolhidos (deu empate). O dinheiro é doado a uma instituição de caridade.

 

:: URSOS POLARES - II ::
John Milton

The mind is its own place and in itself
Can make a heav’n of hell, a hell of heav’n.

[A mente é seu próprio lugar e, em si própria,
Pode fazer do inferno um paraíso, do paraíso um inferno.]

 

:: A VANGUARDA ::
Comunicado de Reinaldo Moraes, embaixador do Mandaqui no Jd. Paulista

Mais um mandaquiense se rebela contra as mesquinhas convenções urbanas - no caso, as arquitetônicas - e, desprezando a prosaica porta, recurso que não costuma propiciar emoções lúdicas nem epifanias estéticas, arrisca um novo método de entrar e sair de recintos públicos, tais como churrascarias.

"Um homem de 19 anos ficou mais de uma hora entalado na chaminé de uma churrasqueira de um bar do Mandaqui, zona norte de São Paulo. Ao entrar na tubulação, supostamente com a intenção de acessar o interior do bar, acabou entalado, ficando apenas com os pés à vista na chegada à churrasqueira."

É evidente e assaz visível que o método desenvolvido pelo intrépido mandaquiense ainda carece de algum desenvolvimento conceitual e, sobretudo, empírico.

 

:: GOTAS DE OTIMISMO ::
Gerhard Richter, apud Solomon

Eu não sei nada. Não posso fazer nada. Nada. E toda essa infelicidade me torna especialmente infeliz.

 

:: GRANDES MOMENTOS DO JORNALISMO ::

Ex-Power Ranger quer se tornar lutador de verdade:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u618501.shtml

 

:: O NOME DELE ERA FUNGO ::
E, sim, nós o amamos.

Cartaz colado nos postes da rua Cel. Artur de Godói (Paraíso)

 

:: ESCALAÇÃO DO PAYSANDU ::
Colaboração de Bruno Brasil

A quem possa interessar, segue a escalação do Paysandu em 1938: Manduca, Penna, Pedro, Mariano, Baptista, Vadico, Arleto, Cícero, Hélio, Heitor e Confusão. Reservas: Palmério, Bentes, Januário, Erberto, Vitinho, Sandoval e Athenagoras.

 

:: ELVIS ACABA DE DEIXAR O RECINTO ::
Frank Zappa - essa é dedicada aos paranóicos.

Elvis has just left the building -
Those are his footprints, right there
Elvis has just left the building -
To climb up that heavenly stair

 

:: JUSTIFICATIVA ::
Andrew Solomon

Expliquei a amigos e à família que não perdera a cabeça, mas que não sabia exatamente onde a colocara.

 

:: IRLANDA, 1855 ::
colaboração de Marcos "Pai-do-Augusto" Barbará

Lorde Rosse teve a felicidade de poder dedicar a vida a ser um cavalheiro cientista. Ele estava determinado a construir o maior telescópio do mundo e não tinha medo de sujar as mãos. Como escreveu um repórter do Bristol Times:

"Eu vi o conde, o construtor de telescópios, não em seu castelo com sua coroa e seu manto de arminho, mas de camisa, com as mangas arregaçadas como um galês. Ele tinha acabado de deixar o torno no qual estivera trabalhando e, salpicado de limalha metálica, lavava as mãos em uma bacia de metal colocada em cima de uma bigorna, enquanto um par de ferreiros malhava uma barra de metal incandescente, lançando uma chuva de faíscas sobre seu senhor, sem que ele se importasse, como se fosse o Rei do Fogo."

 

:: ON THE SUNNY SIDE OF THE STREET ::
Ainda Solomon

No entanto, acho que se eu vestir algo que gosto, prender o cabelo e levar os cachorros comigo, me sentirei suficientemente forte para ir até a loja e comprar suco de laranja.

[...] No dia seguinte, ela estava se sentindo melhor, comeu duas vezes e comprou um par de meias.

 

:: GRANDES MOMENTOS DA CRÍTICA DE CINEMA ::

Crank 2: High Voltage (2009)

Sinopse: Chev Chelios agora precisa enfrentar um gângster da máfia chinesa que substituiu seu coração por uma máquina movida a bateria. Para manter o órgão funcionando, são necessários choques elétricos. A máfia chinesa provoca um blecaute nos EUA a fim de abalar a confiança de Chev, que tem apenas 2 horas para salvar sua vida e de toda a América.

 

:: COMO SE FAZ UMA TESE ::
Calvin Tomkins, em Duchamp

Tudo isso faz Breton parecer um tanto tolo, o que em geral acontece com pessoas que se levam muito a sério, como, por sinal, é o caso dele.

 

:: DO MESMO LIVRO ::

Quando Rauschenberg quis, às escondidas, erguer a obra de arte Por que não espirrar Rose Sélavy? - um readymade em forma de gaiola cheio de cubos de mármore -, para saber o quanto a peça pesava, um guarda implicante aproximou-se e disse: "O senhor não sabe que é proibido tocar nesta besteira?".

 

:: DONA COERÊNCIA SAIU PARA ALMOÇAR ::
e tudo o que deixou foi esta engenhosa combinação título-foto, na revista Higienópolis

 

:: A ARTE DA ARGUMENTAÇÃO ::
ainda Allen Shawn

Ora, o gato não diz: "Eu gosto muito de brincar com essa bola de barbante, mas um dia eu vou morrer e não vou poder mais brincar com essa bola de barbante".

[nota: Allen Shawn não conhece as tartarugas Jacinto e Napoleão.]

 

:: DANÇA COM BODES ::
Andrew Solomon

Viver com depressão é como tentar manter o equilíbrio enquanto dança com um bode.

 

:: INFERNO N. 17 ::
de Billy Wilder

[Um oficial da cruz vermelha inspeciona o campo de concentração. Sefton acabara de apanhar dos próprios colegas, sob a suspeita de ser um traidor. O oficial vê seus ferimentos.]
Homem de Genebra: O que houve com você? Tomou uma surra?
[Sefton não responde.]
Homem de Genebra: Por que não me responde?
Homem de Genebra [ao oficial alemão que o acompanhava]: O que vocês fizeram com este homem?
Sefton: Eles não me fizeram nada.
Homem de Genebra: Quem bateu em você?
Sefton: Ninguém me bateu. Estávamos jogando pinocle. É um jogo violento.

 

:: A HORA E A VEZ DOS PEPINOS ::
Andrew Solomon

Uma moça anoréxica que conheci fora diagnosticada como viciada em pepinos, uma doença sobre a qual, não se pode deixar de pensar, o dr. Freud teria muito a dizer.

 

:: CLASSIFICADOS ::

 

:: ISSO É QUE É COMEÇO ::
Ciência Ilustrada, outono de 1982

Em sua busca por uma companheira, o pirilampo está em permanente risco de vida.

 

:: ARTRITE ALÉRGICA ::
Allen Shawn, sobre fobias

Para tudo o que fiz, há muito mais de que desisti, paralisado onde estava, proibido não por circunstâncias externas, mas por uma reação costumeira tão concreta quanto a artrite ou uma alergia.

 

:: BARTEBLY & CIA. ::
de Enrique Villa-Matas

Piquemal, curioso sprinter, foi um ciclista dos anos 60 que era ciclotímico e às vezes se esquecia de terminar a corrida.

 

:: A QUEM INTERESSAR POSSA ::

Outro dia ouvi um sujeito perguntar à esposa: "Lembra daquele restaurante onde a gente foi na semana passada...?", e ela interrompeu: "Cacilda!". Naturalmente, dei muita risada, até perceber que o nome do restaurante era Cacilda.

Taí uma história triste.
Achei que fosse uma interjeição tipo "Pomba!".

 

:: DETERMINISMO EXISTENCIAL ::
Daniel Galera, Mãos de cavalo

Mesmo nas férias de verão, chega o dia em que um homem precisa tomar banho.

 

:: O AVÔ NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA ::
Chico Buarque também aderiu

Estava à toa na vida
O meu avô me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de avô

 

:: NÃO QUERO MAIS SEU AVÔ ::
Não pense que eu sou ruim

Mais canções avolizadas pela redação de A Hortaliça, que também gosta de trocar "alegria" por "alergia":

Permita que o avô
Invada a sua casa, coração
(Cidade Negra)

O avô pode estar do seu lado
(Jota Quest)

Não há nada de mistério, é tão claro
Tão claro o avô
(Ritchie)

[nota: a penúltima música tem cunho ligeiramente sobrenatural, ao passo que a última é politicamente incorreta. Cartas de repúdio à redação podem ser enviadas para a praça Tito, s/n, etc. etc.]

 

:: SOLUÇÕES ::
de Andrew Solomon

Uma mulher de Michigan escreveu que, após anos tentando todo tipo de remédio [contra a depressão], finalmente descobriu a solução verdadeira, que era "fazer coisas com fios". Outro se ofereceu para me ajudar a encontrar um professor de sapateado. [...] Um homem de Munique perguntou se eu gostaria que ele substituísse o meu RNA, uma proposta que delicadamente declinei. Minha preferida veio de uma mulher em Tucson que escreveu simplesmente: "Você já pensou em deixar Manhattan?".

[...] Seth Roberts, do Departamento de Psicologia da Universidade da Califórnia, em Berkeley, tem uma teoria de que um tipo de depressão está vinculado a acordar sozinho, e que a experiência de assistir a um apresentador ou entrevistador de tevê falando por uma hora ao se começar o dia pode ajudar.

[...] Ela mantém na parede do quarto uma lista de coisas a fazer quando está começando a se sentir desanimada e entediada – uma lista que começa: "Ler cinco poemas infantis. Fazer uma colagem. Olhar fotografias. Comer um pouco de chocolate."

 

:: FRASE FINAL ::
de Daniel Galera, Mãos de cavalo

[...] E gostam de tomate. Não tem mulher que não goste de tomate.

 

COLABORAÇÕES


Agradecemos a todos os elementos citados neste número, ao bebê-cenourinha, ao alvissareiro André Conti e às tartarugas mais brutais do Oeste, Jacinto e Napoleão.

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"Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado -- logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido" (Stephanie Avari, a ex-moradora mais ilustre da rua Paulo da Silva Gordo) ## Você está recebendo !!Witzelsucht!! porque estava na mala direta. Ou então, ou então! Você está recebendo o !Rododendro! porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis, sorteados em uma grande urna chinesa. Você e o To Fu, que ganhou o direito de trazer um tufo de nenúfares e furar a fila. Caso não queira voltar a receber este jornalzinho, mande um e-mail para hortalica@gmail.com e diga na linha de assunto: "Foi demais para Kudno Mojesic", mesmo que você não seja -- e nem queira ser -- Kudno Mojesic.


God is coming.
Look busy.


 

2005 Vanessa Barbara